quarta-feira, 23 de março de 2016

A escravidão da alma


esse corpo grotesco animal
que se movimenta sem qualquer delicada
pele celestial
como uma violeta em cuba de cristal
minha alma na flor dos lábios
o violino coluna vertebral
sou corda vibrando na brisa
do último raio de sol
mas o sonho é visceral bruto
cenas encadeando-se de bizarria
e fantasmas de luto
abrem-se sepulturas contínuas
caveiras espreguiçadas da loucura
essas cortinas onde nada perdura
quero dormir durante toda a labuta
mas sinto que sem mim
o que fica é uma cama fria
caminho então sobre pedras de nenúfar
com o cuidado de um chão irregular
estátuas recolhidas na sombra
na fixação do movimento mortal
uma pequena porta mágica para anões
ou uma torre farol para castigos do zodíaco

cada trilho é um mistério onde abrigo
a fantasia de feras astrais
que me dormem em cavernas cerebrais
que contam essas pedras na montanha
onde os namorados se embrenham
uma fogueira de luar e flores de cera
para promessas de manhãs em concha

vaga do fundo do meu peito
lugar devoluto e caminhos de veludo
esse banco musgo ou pedra adormecida
onde me equilibro de pequenos passos de melancolia

a dor suprema é a agonia
de tudo ser enigma
porque me encontram as palavras sem reflexo
o poema não encontrar aconchego
em toda a paisagem vaga
onde o descrevo...
chego a duvidar das ruínas do esquecimento
de que me fazem lembrar as baforadas de incenso
da melodia nos ardemos
na embriaguez de um círculo de enfado
onde o aroma que perdura é a ausência
de nota alguma

quando
murmúrios latentes de angústia
escoar a transparência

sou como todas as coisas matéria
com todo o seu prazo e finalidade e encanto
na intimidade cega
de uma vida perpétua

sou como um morcego
vivendo ao contrário
porque durmo quando estou vivendo
e penso viver enquanto estou sonhando

mas a minha alma é cega
vive atormentada de pequenos nadas
qual panaceia, anestesia, esquina
os contornos da caminhada
são fenómenos de lágrimas

lugar de via láctea
só a poesia âncora vida
fenómeno de alegria
ouroboros fantasia

sou habitada de criaturas inferiores
que me desordenam vorazes
de película inorgânica passiva
tenho sido o corpo que lhes dá vida

e no espírito, detalhes
coexistências de entretantos
fibras para um teor de poemas sem nexo
há um ponto final que desconheço
na dor de lhes dar síntese e ordem
e subconsciente

a nevrose exibição conjugação
desaparece parasitista do vício
quando finalmente, me canso
por hoje
e no último verso, descanso



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