sexta-feira, 1 de abril de 2016

a esperança vem de um lugar



nado nas palavras brotando das alturas
um parto sensível de afecto
de retrospectivas de voos de gaivotas furtivas
um coração que sente e não aprende
com o que fica, inebria, um amor de cais
donde nunca partem águas mortais
o que se condensa na curva pacífica
de uma nuvem que fica
não tem tempo nem ogiva
ou epiderme arquitectura de repulso
o clamor é uma alma com paixão-dor
esses laços de desejo bisontes
que encerram eras de ontem
e há tantos demais ontens
terra-mãe, haverá limites de ninguém?
tudo eu sou vasos para sementes de oráculos
o dia tem o dom imbecil de nos viver
sem leis, rompem-se alguns sem o saber
há um poder fecundo nas águas da poesia
após a morte do dia-a-dia
há uma saudade frustrada do ventre
a lágrima da saudade correndo pelo cordão umbilical
oh mãe, ensina-me como chegar
a essa casa deserta que deixaste
ainda a luz acolhe as janelas sem portadas
e os telhados rendilhados sem telhas
como a memória me deixou lá presa
quando ao espelho não vejo senão uma criança

há presenças infinitas que não partem nunca
há poentes que na penumbra são rubras primaveras
longas caminhadas incompletas
o meu tronco arde lentamente
quando chega à cabeça o poema é dor mente
regaço, onde todo o estalido é pânico
de um gigante fogo de pé avançando
terno, o tempo que nos fica de resto
que pede tristemente para revivê-lo
às vezes julgo que os vestígios nos invejam
o fulgor das rugas
que amarás infinitamente como tuas
...porque nunca chegaste a tê-las

tenho a impetuosidade de um chão cão
esse chão que se rasga de frestas
o sétimo céu convidando
abram mãos dadas
a melancolia trespassa-me
unem-se as linhas de terra abatida
porque todas as manhãs são singelas profecias
num tornar de estrela gentil
habita na lembrança um verso versátil
porque tudo podia ter sido tudo
o vínculo que nos une do passado ao futuro
somos ponte levadiça
asa acolhida no labor de uma campa rasa
onde o trigo se atrasa porque toda a ceifa é ingrata
porque se debruça a minha noite
e a vontade imensa não tarda
a ser, uma ribeira seca de cartão postal
que ficou guardado na gaveta
trepa por mim uma escada de verdes cordas
naquele quintal de macieiras e amores
a idade a suplicar
que não se colham as memórias
que o fruto há-de cair na palma
de uma poesia qualquer
esse fruto coração que nos consome a alma

tenho saudades
da voz materna e única
vagueando no ventre
das sombras que estão por nascer
corpos que o tempo dá força
nos lentos passos insanos
a vida suspirante de veios felizes
tudo promessas de dias
que nunca se hão-de viver

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