segunda-feira, 16 de março de 2020
os nenúfares da morte
violinos de menores para a morte
que nasceu vazia de pessoa
a cidade enviou o homem ao ventre
saíra pelas madrugadas da caligrafia
um baile de pastagens infernais
para se entreterem os bichos entre elas
longe de um mundo hostil os centauros
sentados de frente num biombo chinês
a cidade comprimida numa única válvula
são as copas das árvores e o vento
quando um homem for a sua própria casa
e dos seus braços paredes e tecto
e janelas olhos com a candura perdida
de um sapato sem mais préstimo
eram traços de um dia valiosas armas
as palavras prostituidas pelo tempo
a grande lareira de pedra no meio da sala
para o arder de uma clausura corporizada
a vida a lacre branco não guilhotinada
estás a dormir? um sonho lúcido no vácuo
finge que dorme, finge que bate sem asas
um palco de anfiteatro sem palmas
à cabeceira do leito as sombras das pestanas
roucas atravessam o deserto glacial da varanda
sentem-se fechar as últimas portas ao longe
projecta-se nas paredes a lamparina só
que uma locomotiva de choro apagaria
quando todos os ruídos cessarem
e a primavera da noite trepidar na velha casa
o chão tremendo e todos os telhados desses sótãos
hão de destapar quartos vazios
os bichos dormem vergados na espera
nenhum comboio atravessa as linhas
os dentes batem contra a língua
um fogo interior deposita no quarto cinzas
a luz penetra pelas mãos da parteira invisível
quiseram deixar alguém por velar
batendo raivosamente contra o ventre
é tudo tão triste quando arrefece um coração
que não chegou a erguer-se em ramos e frutos
como rugas de gente que não chegou a ter filhos
sentiu novamente frio
os membros cansados sobre a areia
reza frente ao mar na escuta da pulsação da maré
um dialecto de tranquilo sem ruído de passos
a carne por atormentar como o casco por naufragar
um infinito de cansaço que de desfaz em paz
no patamar das escadas rochedos redomas
tricotando com a agulha os nós das cabeça
as perguntas mosquiteiras aves de rapina e fome
as gaivotas atordoadas batendo umas contras as outras
e os peixes atirando-se à areia sem fôlego
para lá de um qualquer mês de Junho
um microglobo
essa casa de bonecas ou caixa de música aberta
por trás do pano, tesouras maternas ensaiando
marionetas origamis de pantufas e rolos do cabelo
imaginar coisas por acidente porque se escutam
os estalidos das estações numa casa de cartão
o vento é o sopro de alguém que espreita
com o seu bafo quente de jovem curioso
lugar onde não crescem as figuras espalmadas
onde se medita a vida sem o peso da morte
a sala forrada de veludo azul,
como um mapa em relevo do céu
um canapé uma poltrona de cola e cosedura
e do candeeiro uma pequeníssima vela de aniversário
rema lentamente margem acima
margens que ardem em ruína
o cais de brumas num seixo solitário
o avesso e as direitas de uma paisagem
a última aldeia que fica para trás
e um enterro singular ao longo do rio
e cantam, cantam tão alto pequenos socos no peito
as palavras apenas começadas e tomadas pelo balanço
um véu de sombra entendido sobre o mundo
agora dilatado pelas chamas
era preciso descoser o forro e arrancar a pele
deixa lo em carne viva ardente
para que viesse depois uma seda macia e espessa
cristalina de seivas limpas
e a lua uma viuva corpo lenta de olhos secos
os violinos dão lugar aos pianos
e uma nova terra habitáculo neocaótica
dá lugar a berços
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