terça-feira, 20 de dezembro de 2022

dura máter

 

do silêncio olímpico levantam-se

as esporas vulcânicas verbais
com toda a velocidade dedilhando
o poder infiltrante das medusas
que o tempo nos devora e mastiga
céus muito negros de vagos encontrados
no calendário dos vazios os fios sem troféu
o chão enrolando-se como língua de tartã
uma boca sem saliva uma íris que termina sem céu
elétrico de humores de alertas para patinar
no espelho salgado sem oxigénio
tudo o que se quer dar sem existir
numa barreira hemato traumática
ídolos do frio, do córtex sombrio
e tudo o que era preciso era próprio do
inter sulco da guerra de criar para se abrirem
as rugas do agora, essa aurora despojada 
de milagres e que milagres feitos de latim
a estrutura óssea para um arranha tectos
daqueles que contamos nos núcleos
dos corpos nus mais belos atirados ao fim
são as cordas fios de nylon 
escovas de pétalas de epiderme
na transição vítrea que chora de melodia
nas engrenagens de polímeros de ódio
para a fabricação de mais pedra
de mais homens metálicos
e crianças nascidas de acidentes verbais
assim se calam as últimas fórmulas
no arco reflexo do poema já sem verso
livre em absoluto de compasso e de batuta e 
de coluna e de peso e mesmo de reflexo


e é tão perene 
uma nebulosa de intermitentes violetas
que nos atravessa de corpo radiografado
ver por dentro o que se está escancarado
e rasgar-se a pele desse fado tão quadrado
 
para alcançar o tamanho dos planetas
que não chegam a nascer
e por isso, nunca a morrer






domingo, 15 de maio de 2022

Exercício do porão

 

Deixa-se uma brisa tépida 
no peito desnivelado das águas do mar
a perda irreparável do que é ser onda 
do que é dissipar-se à mercê da sombra 
e de todos os ritmos cardíacos da existência 
reparaste na distância quando se ficaram tensos
os músculos do instrumento lúcido 
sobra sempre partes de detalhe fora de tempo
mossa suficiente junto à pele
para os afazeres do mundo em brasa
nalgumas estrofes o sabor ácido da página 
mórbido nas têmporas do latir da juventude 
falta a leitura do excesso em mim
a máquina do mundo engrenada na tortura
da engenharia universal da loucura
o poeta interpela a própria aura do caminho
no singular exercício do debruçar no horizonte 
em micro espirais, ordem de soltura e desmedida 
como um ponto é uma ilha, a salina poça na sedução 
e roça a crueldade sem mais revelação 
sublinho as omoplatas de um pavão 
selando o voo sem mais vacuidade
o nosso sangue é de verdade, vamos morrer
e o massacre de inocentes sedições
os homens sentiam a tempestade nos ossos
a fragilidade nas escamas e na espinha mole
o monstro dormia lhes nas entranhas
chibatas num repto de dor
querem as sereias que requiem sem má fé 
lhes dobrem a viagem de pé 
o meu olhar vacilava, vítreo 
fustigada por não dúvidas projectada
a explanação do mal em noites de convés 
notas menores, torturando almas de porão 
que se afastam das pessoas pelo odor da exaustão 
a viagem será sempre marginal
para o terrível estado de catatonia terrestre
e íntimas provocações do inferno

Mal o homem guiava o mastro
já o fim estava ao milímetro do sol
era-me fronteira já antes de nascer


era o estado mental que eu conhecia 
para sem mérito, sem redenção 
Jaz a obediência sem mais não 


Deixa ver, deixa ver!







domingo, 24 de abril de 2022

Fios de sol pontual

 

À beira da mão que colhe

carcaças de corações contraídos
estrelas serenas enegrecidas
das sensações coladas ao domínio da faina
da casa do credo
um anjo debruçado na lápide em branco
labirinto de armação de sombras
anda rastejo o terror doentio
paira jasmim e incenso
e o veneno transladado para a fermentação 
tenho as palmas ressequidas
de escalar ao terraço colando me às costas
no silêncio de quarto de satélite 
um sonar fausto de fronteiras de ar quente
anda o pensamento a fazer nos gente
preocupa nos o consertar das coisas
a parte perene da vida inteira
que só o contacto dos dedos satisfaz
tenho apetites enormes e faro
disparos de dimensões oblíquas 
para engomar o Céu de mais liso
havia compostos de caudas de pavão 
animais de mais azul petróleo e verde pântano 
procuramos por nós na casa em ruínas 
no canto dos sapatos, na dentada na parede
no buraco de lençol agora cortina
procuramos pelos sonidos ambulantes da terra
nas plantas envasadas de caules afogados
hoje um fio de sol encalhado na testa
abre a terceira casa das coisas gerais da vista 
e abafadas pela afasia do absurdo 
como um afecto que se fechou sobre si
cai o tecto pesado de extractos de euforia 
fundimos em cantos de página números 
coordenadas poéticas do nascimento à morte
e nunca satisfaz o resumo 
hoje o templo parece arquitectado 
o odor do ferro do vago do próximo passo...
Havia estilhaços de afectos caídos no caminho
como migalhas que alguém no desastre da distração 
não guardou para mais tarde
agora o pastor era coveiro
o comboio disparava para a Foz 
nessa última viagem sem freios
e a nós quem nos guia para depois do desastre
a nós que a morte sinistra parece carente de mais pista
quem não aprendeu a voar em vida...






domingo, 10 de abril de 2022

Câmaras de oxigénio

 

um labirinto de artérias de verdes 

com uma espécie de candura luminosa

espaçada de lugares e coisas para sobreviver

guardam-se pérolas em ferida

as forças do ludo magro e negro

um oceano aquilino abismal e primitivo 

para engolir o sangue dos anfíbios 

um sonho povoado de prata lunar

e mistérios  inominais

andam de gatas sem guarnição 

de olhos aguados ventres caídos 

e peregrinações de vago

fica-se farto de fronteiras

quando se emerge do aquático ao aéreo

Aqui tudo muda, o nosso corpo pesa 

blocos de pedra outrora pantanosa

o sol escalda sofre-se de suor 

e um cão invisível persegue-nos as pernas

o som escapa-se de latidos furibundos

faz-se uma pausa para enterrar os barcos

na areia desenham-se passos

e fanfarras de pássaros comitiva

somos fragata de ossos suicida


semanas de divagação cerrada a bordo

de uma carroça cilíndrica voadora

uma matilha de nuvens carregadas

correntes de inesgotável dor

para urinar de dentro para fora

ser sitiado de memórias encardidas

desciam do além céu para restos

bocados de braços, unhas, cabelos

que uma e outra vez foram sedimentados


Fica o riso de uma gaivota em improviso...





domingo, 27 de março de 2022

Que te fulmine o espaço

 

Temos algarismos em rodapé 
em direcção ao crepúsculo 
nas cristas da aeronave para dispersar
a milhas de altitude
inspira-se e o corpo larga o chão 
comparo a sensação à partida desta vida
parte-se do corpo terrestre em ondulação da alma
agora o corpo repousa-me na cama de hotel
repele sem tréguas a imagem de outro corpo
num trote diferente 
tinha a palma da mão sobre o peito
no lugar da câmara obscura
a imagem acabada de vagar 
um fósforo tosco para preencher em trânsito 
na crina luminosa do planeta carmim
afasta-se a trote pesado
lá em cima mais acima a noite pende de armação 
linhas de constelação para uma primavera 
de olhos claros de vidro
sacos de bagagem para a digestão 
de parturientes aos pés do sol 
a boca ligeiramente aberta para a transfiguração 
todos temos um cosmos infinito
que percorre insessante a ordem natural
o gemido débil 
o vasto campo dos mortos 
entre as sepulturas de pássaros estáticos 
que por acaso ficam colados ao vidro
temos algarismos de adição, a matemática da solidão 
filtrar das pálpebras a hélice e o rasgo
doia lhe o peito do lado errado 
o coração já na frequência da despedida
e o calor intenso do dia que cá fica
Tantos números que nos compõem esses dias...
e não encontro qualquer teoria matemática para a noite galáctica 
por aqui tenho comissário de bordo, piloto 
tenho ainda pulsação e sensação 
tenho ainda tanto que atravessar na escuridão 
que por missão me descrevo avião 










domingo, 27 de fevereiro de 2022

a lapidação é urgente

 

torres de cristal para o homem escalar
no dia depois do juízo final
necromante em missão sem terra
onde as estrelas seriam negros anos luz
um cemitério de lunáticos 
desviante de espíritos dorsais
que no impulso da noite são entidades 
que dizem respeito ao céu 
flutuou o dia transbordador
as arestas do sentimento fadigado
no ultra espaço deixado ao luar
a viagem no camarote diplomático da morte
virtualmente o corpo é membrana
o lugar esbatido sem amanhã 
sempre nós ao serviço de Proteu
vou mergulhar num sonho de reversos
o destino de outros quaisquer passageiros
porque andam as lendas difundidas
num enxame de astros fora de órbita 
um gesto de violetas pálidas 
que se abandonam de visita à campa
um dia o dia deixou as suas aparências 
e a sua beleza em estandartes 
a âncora mental próxima dos limites 
abriu os braços respirando fundo de livre
o dia livre de mundos sem escala
após o fulgor desértico das palavras
há sílabas na neblina de metais pesados
aqueles ventos que nos ficam 
as partículas que por estatutário acto
nos ligam ao silêncio fragmentado do mapa
pequenas mortes que deixamos no abraço do outro
sempre, se compara o corpo ao espaço 
quimeras quânticas de contacto
os velhos deuses que nos derramam de frio 
nervoso, um rosário trémulo 
de posse, hedonismo de uma galáxia civil
desfigurado o tempo e o clima ancestral
herdeiros de enclaves da urgência 
era míope a alma e o coração nunca tarefa 
sanguíneos capazes de surtos 
da exploração da metáfora ao vazio
da tomada da forma ao abstracto
do formidável ao derrotado
Há sempre um inverno dentro de cada homem
e uma nave pronta para forçar o abismo
mas da lua nunca passou
assim como a sua rua nunca atravessou 
a vida uma trepadeira que nos coroa
que nos quebra o caule de solene júbilo
que nos cresce dos pés para calejar 
vive-la de arrastão 
os seus gordos pássaros acorrentados 
a cabeça uma espécie de masmorra 
para se escalar no controlo absoluto
torres de cristal bruto, 
assim se partem tantos em bruto








domingo, 20 de fevereiro de 2022

Cordeiros de Zeus

 


no silêncio cataléptico
a indiferente presença estrelar
na quase transparente lâmpada atenuada
a roupa de fino metano capa voadora
emergido nas fissuras da pele
com a saudade de um demónio vivo
bolha espacial moldada
evanescente monitorizada sem gente
A planície acaba. Ali.
primária e macroscópica 
nos rebordos de ligeiras inversões 
sinto os passos depois de adormecido
o olhar resignado do sombreiro
a neve com os seus olhos vítreos
na órbita dos animais que pastam em círculo 
nos soberbos vocábulos do gado nocturno 
a célula até á última membrana
com todas as lágrimas caídas da cara
secretamente eclipsado nas partículas do tecto
débil de inclinações enevoadas
instrumento animado de extrema solidão 
para mergulhar todas as tardes em pântanos de transe
o golpe emocional de conchas aleatórias
hoje a máquina esquecida na planura
faminta, de febre de espectro
nemhuma espécie de céu 
a paisagem paralela mais que perfeita 
e a pessoa vívida, parida de sangue frio
animal seduzido de titã 
nos segredos do peito guarda catacumbas de medo
campo desertor de vigia raiada
as ervas dormem fechadas sobre si
mil léguas de silêncio sem tréguas 
a pastagem que lhe devora a vida
o pastor, que na tarde extensa sou eu
ou a sombra maciça de terra nenhuma 
num plenum dimensional de ânsia 
de comer o animal




sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

dark web

 



Alveolos de terra são balões de oxigénio 

para nos revolvermos de acento 

a placenta que nos escapa dos pés 

efisema dérmico que nos atravessa de nós 

um conteúdo estomacal para ser revirado

na varanda de uma venia gatos desparasitantes de uma cidade acrónima

fios de abóbora parquimentados e cactos  espinhados de dormência pendular 

parecem trombones de alarme nuclear 

a mente um pedaço escrotinado de horas

milagres que vendemos, paletes de remos 

sem oceano

às tantas, dizem que estamos perto do fim

assim, gritando ou sussurando

dizem-nos que está tudo feito ou tudo pronto

e assim para nos entregarmos ao ponto 

numa plataforma aérea levanta se o corpo avião 

alguns já avioneta

como uma seta, uma linha aritmética 

porque nos falta o ar, escrevemos em qualquer porto, qualquer encontro

qualquer aborto do que nos fizeram

serve de porto, porta, aberta

todas as portas estavam escancaradas

quase que não foi preciso baterem me

e ainda assim levei porrada

de todos os flancos de mim

porque só assim, de amasso

poderia ter nascido

uma e outra vez do começo 

uma e outra vez de perfeito 

ou pelo menos, todos achamos que sim

os canais fonéticos da alma são poros

as luzes trepam pelas paredes

parecem cílios retorcidos ao vento

as nuvens em baixo são tecido ou lençol 

que um voo é muito mais do que vertical

a teoria desenvolve se no atestado de um mito

o livro é uma Bíblia ou um caderno de contas

o recosto da cadeira é um posto

e quando nos encostamos

o objecto tornar-se espinha dorsal 

corda de instrumento tocado fora de pauta

alienado  de cinzeiro onde o cigarro

é buraco no tempo


também encontras muitos buracos no tempo?






sábado, 29 de janeiro de 2022

Magenta Pixilizada

 

Olho no espelho límpido supremo
a imagem única de que não padeço 
duna, gradação, vermelho vivo
queixam-se os músculos da criação 
nas dúzias de dias que afinal foram felizes
porque se reduz à pobreza só porque são ordenados
sem folga, 
entenda-se a cor do sangue amplo
do animal capelo que  deixa a pele de inverno
no interior salgado
deixa -se a alma secando ao sol
no silêncio e na luz do dia torturado
deixei-me em tons demolhados vezes 
nas nuvens que fogem quando chove
alguns moinhos de papel caem na sua sombra 
a ampliação deserta de se chegar a velho
porque também é preciso envelhecer
o momento em que a onda nos quebra
nas balizas do tempo
e as pancadas do mar revolto
são assim a espuma que fica no canto da boca
exausto de tanta pancada na cabeça 
hoje somos a mira, sem filtro brando
é como se a noite se fosse calando 
numa ânsia de pescador sem rede
sinto tantas vezes marulhar
a vida parece que não desembrulha
bato punhadas no peito
poucas vezes esteve suspenso
o instinto espacial de um corpo
que com o hábito se acostuma a morto
o faro, as costas do homem que se vai polindo
endoideço com o barco enxuto 
com o céu que não muda de cor
na grande jornada 
no inverno acolhemos a casa
 que nos acudam
as janelas fechadas sem brasa 
que nos fixam no dia morto
que nunca se vestiu de mortalha
no leme que segue sem mãos à barra
com os dentes todos dentro da boca
com o horror e a ternura de que tudo 
se há-de acabar






segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Habitat celestial

 

denso como a atmosfera de Vénus
algo incógnito latejando no espaço
o volume da planície comporta-se fibroso
os anos entrelaçando-se de tempo líquido
origami desdobrável a vida rotativa 
das impossíveis observações óticas
à velocidade da sua própria degradação
lâminas de um véu que se vai desfiando
o corpo frio pousado sobre o banco
um banco de pedra que amanhã será areia
qual afrodite sem campo magnético
personagens encerradas no efeito de sufoco
magnetosfera induzida de dor
os cabelos cobrindo o chão solar
uma paz em desambiguação 
objetos celestes em posição fetal
comprimindo e dilatando 
num sistema de crenças frágeis
saber que olhando para esse falso observatório 
a morte espectral surge de um horizonte
cada vez mais digital
relógios sem calma cães raivosos sem festa
naves que derrapam acusticamente 
em gritos de falsas cordas 
o desentendimento das linhas do vazio
que nos coseram o corpo de dogmas
e falsos profectas para curar feridas
que só podem estar a céu aberto
livres, sinto nada de alma envenenada
leve como uma pena leve como uma pena
sinto nada que valha a pena
a atmosfera é um buraco negro
uma amostra sem missão à deriva
assim um bote encalhado no seco
assim é a astrometria do medo
a astrometria do medo

Hábitat celestial
denso como la atmósfera de Vénus
algo incógnito latiendo en el espacio
el volumen de la planicie se compuerta hebroso
los años entretejéndose de tiempo líquido
papiroflexia desplegable la vida rotativa
de las imposibles observaciones ópticas
a la velocidad de su propia degradación
láminas de un velo que va deshilándose
el cuerpo frío posado sobre el banco
un banco de piedra que cras será arena
como afrodita sin campo magnético
personajes encerradas en el efecto del ahogo
magnetósfera inducida de dolor
el pelo cubriendo el suelo solar
una paz en desambiguación
objetos celestes en posición fetal
comprimiendo y dilatando
en un sistema de creencias frágiles
saber que mirando para ese falso observatorio
la muerte espectral surge de un horizonte
cada vez más digital
relojes sin calma perros rabiosos sin caricia
naves que derrapan acústicamente
en gritos de falsas cuerdas
el desentendimiento de las líneas del vacío
que nos cosieron el cuerpo con dogmas
y falsos profetas para sanar heridas
que solo pueden estar a cielo abierto
libres, sin nada de alma envenenada
ligera como un pluma ligera como una pluma
siento que nada valga la pena
la atmósfera es un agujero negro
una muestra sin misión a la deriva
así una barca encallada en seco
así es la astrometría del miedo
la astrometría del miedo

Tradução por Duarte Fusco