quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

fiapos


homem tranquilo
pelo seu próprio pé
de cócoras budas de maus modos
diz-me as horas para que rime
quis abrir a luz e despedir-me
das microcoisas
e sair contente
diz que atrair almas boas
faz o coração sentir coisas fáceis
fogos fátuos
trapacear lágrimas de olhos rasos
bendita terra
abato-me exausto, de rojo
esta noite foram precisas altivas
amarguras
envolvo-me de criaturas de aconchego
espia-me o olhar sobre a ria
sumir-se dos patamares da exactidão
pára-os cacimbando o extremo
esse garrote, asfixias, morde
pula-se-me o pensamento no molhe
em franjas,pendente,
como se estivesse doente
o murmúrio do tecido subaquático
pausando-se à pressa no regaço
fiapos de terra
anoiteço
até que o céu seja claro
de ardentes relâmpagos
de alquimias mornas infernais
segreda-me uma voz
por minguados rascunhos
há os enamorados pelo lodo
travo que não sai do gosto
a flor vivamonstra
anatomia das coisas mortas
a última brava lição do estímulo
atalhar sobre a singular natureza
de tudo o que não quer repousar
para que todos os poentes sejam vertigens
nessa torcida passagem de um simples espirita
como galhos secos
o quebrar de uma vaga de melancolia
a dor é naturalíssima
como um travesso calhau purista
quando a vida é passadeira
em transe
acode-me a alma
onde se varrem sombras
a crua iluminação da lua
do esplendor completo do sonho

e que sonha um homem tranquilo?

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

esse verbo intransitivo



abro os dedos
são buracos de trânsito
triângulos de teia
convidando à queda da areia
quente, fecunda, o alimento
dessa tirânica forma de gaiola
impedir o eco da aranha
erotizando o espaço tropical
os horizontes são referência
tudo é solúvel no mar de deixas
num enorme corredor branco
das trágicas canções de adeus
filantropo sem gravidade
vejo-me escorregando
super-homem, ícaro
a turbulência de um desastre
mantenho-me dirigível
são segundos de aproximação
sou grão
nunca fui lanterna de farol
nem o dorso de duna virginal
imagino fita-adesiva
como medida pós curativa
desconjunte-se-me tudo
fios de nylon para coser cabelos
talvez os cabelos fiquem
este tango dolorosamente lento
um chão que nunca mais é céu
as garrafas enchem o mar
das mensagens que ficam por dizer
um dia pode acontecer
por razão puramente aleatória
que a minha garrafa regresse a casa
sinto-me voyeur da morte que não chega
a terra parece que se afasta
há qualquer coisa de impossível
vira-se a terra ao contrário
pareço regressar à mão
sou novamente buraco
atado em triângulos de linhas
sinto-me em trânsito
alimento, aranha, teia
desapareceste-me sem deixar eco
uma trágica canção de adeus
sem morto


sempre soube que por lá fiquei


cidades do interior como as amo
florestas submersas numa atmosfera de espera
os pés caminham lentamente por quelhos
onde nenhum pulsante mecanizado pousou
onde ainda quem chora com música
com as notas que pendem da luz conhecida
há uma paz encontrada nas rotinas
nas horas diurnas nos raios de sol e chuva
o olhar pode, estender-se por cumes e longes
em cadeia tudo movimento contínuo
havendo uma completa dissolução
da captura do amor único
tambores fervendo na companhia de uma vida
os olhos dos outros são aqui mergulhadores
qualquer coisa que se vai criando livremente
nas beiras do rio, às ombreiras das portas
quebram-se os moldes da sedução
quando aqueles que partem para a civilização
não voltam
a cidade não importa, é um sonho torto
de quem não conhece o compromisso da terra
que herdou tal como um nome
e o regaço inclinado da idade
o negro que cobre a jovialidade
pelo odor dos trapézios das copas
o bosque da saudade
revela-se o estar completamente só
como só a noite e o sonho de cada um
espaços entre retratos e quadros
pedaços de cal como os ossos para a carne
ás vezes penso que nasci ao contrário
que a minha vontade de contemplar é maior
que pudesse já terminada esta canseira de luta
e que num banco de pedra junto a uma laranjeira
tudo fosse sombra de uma vida inteira
não seria precisa uma sombra muito extensa
e se não fossem as dores para a cova
nenhuma outra idade seria tão atraente
das substâncias do passado a alma quieta
que pode haver para mais tarde senão ontem?
as aparências da ausência de mais querer
ou as forças que se encontram em dormência
mas das linhas luxuriantes do tempo
há o violento desejo de se rasgar o céu
o pensamento em caleidoscópio, daqui
que sei eu?
fixar a coloração e os deveres da morgue
para o mundo não despertarei amanhã
mas ele continua lá
invejo a simplicidade
da partida de quem morre de verdade
de quem parte satisfeito com a vida
acredito
que parte de nós é milagre
acredito
na face narcótica do paraíso

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

do zumbido um fado


ensaísta das circunstâncias do mundo
auto-retrato, esboça-lo
pluma, cautela, enamorando-se
para não acordar
de fantasia maleável
momentos oblíquos de lucidez
as cerimónias do dia
para se prolongar a vida
para além da felicidade descontínua
germinando em qualquer sonho
a saciedade envolvente do chão
cirandando pela curiosa geometria
do declive do tacto
a curiosidade do homem vidrado
como todas as crianças mimadas
regressei ao ventre de minha mãe
esgotada, amortecida, sem grito
a caligrafia de um feto
dando de presente o agarrar das coisas
parafuso, trinco, leme
tudo a meia-chávena de calmaria
todas as visões são originais
de horizonte uma cave sem janelas
quanto mais vivo mais difícil vivê-lo
o suplemento é o ingrediente
apanhar o expresso com tempo
a questão do prato quente
a página dentro de um embrulho
aparelhagem estéreo esticando os dedos
o sangue dos pulsos intermitente
ovacionar de pé os espíritos
no intervalo de tudo tudo é espiritual
opúsculo ardente sem pincéis
o fogo a toda a parte
ogiva, oval, exasperando
mais demãos no coração
auto-ampliada a humanidade inteira
a animosidade constante dos estranhos
faria do corpo conquista
se tudo não fosse tão pele de animal
a poesia é a mosca envolvente
mata mata

para se amar uma vida


sabes meu amor
como se fazem os passos ao revés
como se descobrem os caminhos
pela primeira vez
que ao envelhecermos nascemos
que os dias fossem mais longos
e as noites intermináveis sem sono
sabes meu amor
quando adormeço temo
que até assim é distância que não peço
quanto tempo já fomos outros
quantas vezes procurei pelo teu rosto
e a minha tristeza ecoava em retorno
agora sinto dentro de mim um aperto
um medo tremendo do fim
que partas
ou que parta eu sem ti
sabes meu amor
alguém me disse que amar é assim
foi preciso uma vida inteira
para querer vivê-la agora de verdade
foi preciso uma vida inteira
para querer que a vida agora não acabe
todos os momentos
passados felizes contigo
não são as memórias que peço
são as horas para repeti-los


terça-feira, 22 de dezembro de 2015



Avé a uma maria qualquer
todas elas fossem a minha mãe
e eu ainda assim filha de ninguém

fuso para adormecidos


era a cidade a respirar
quando em vez de oxigénio
o tempo fosse veneno

dos sítios altos das encostas
os braços que apertam o momento
contra um peito sem revolta
e submisso à direcção do vento
faço parte sou autêntico
espaço  neutro
e sobem direitas aos céus
as asas que aqui não tiveram lugar
de aspecto boreal
tudo são auroras içadas da palavra
que ninguém quis escutar

e a cidade assim subterrânea
essa penetrante catacumba
vai ignorando os aspectos híbridos
de um céu catatónico
mas às vezes lírico

damos continuidade à fundição
desse tecido de Inverno
a ideia de fome bio espírita
denunciada pelas copas despidas
o rigor da solidão avulsa
o halo poetico-melancólico
tudo é brancura fantasma
para apreciar a queda de um astro
porque o dia é uma representação
o que fica dessa autenticidade
a amargura é metafísica
o ímpeto de sentir aos sobressaltos
a infância escoada de luz
a linguagem da alma não falada
verdadeiramente o que nos atrai
pelos subterrâneos do ontem
sermos capazes de pazes
para deixar de parte deus e o seu drama
transgredindo-se a raíz da razão
eram coisas de pedras e homens do coração
irado, talvez esse o maior pecado
o sonambolismo da esclerose mundana
para que se empresta a liberdade
quando já não se quer ser livre
dos escombros da culpa sobrevivemos
passámos o inferno para o lado de cá
que somos senão seres antagónicos?
onde se desconstrói o céu debaixo de céu
há uma epopeia dentro da cabeça
pelo princípio natural do ódio
descompassar o tempo levado a sério
ao lhe chamarmos vida
somos substância da loucura
deformação sensorial barbitúrica


e a cidade assim subterrânea
esse constante berço
vai mergulhando o pensamento
de um véu amorfológico
mas às vezes...terno

que rebusco do fulgurante pôr do astro
sobre inúmeros abismos a dentro
ainda me encontro no incessante
movimento dos últimos que partem
para trás ficam sempre os amantes
há uma roca que os prende
assim como que desfiados
na beira do fio da vida









sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

números irracionais


nascemos no mundo dos números
depois de círculos primários
de se aprender a contar pelos dedos
o símbolo mágico formulado
do problema vital da constante
a solução correndo livre de variações
o ábaco quebrado do homem que chora
mundo gente sã conjuntos
caída da metrópole tabuada uma criança
o método clássico da vida desvirtuada
dança-lhe no quadriculado o maillot cor de rosa
metades de acção controlada
de bicos traulitar pelas cantos matemáticos
afiar o lápis e das aparas colagens no papel
há em todos os lugares pedaços que deixaste
elementos que não pertencem à equação
impossível chegar ao fim dos desígnios de pi
tudo são rabiscos dos movimentos solares
de dias de aproximação computacional
tudo é mera aproximação decimal
à hora marcada do dia mais longo
ou mais quente ou mais curto
depois de séries infinitas de divisões sós
rumores de sôdade caindo na conta certa
a primeira conta feita
o primeiro resto zero

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

o futuro é hidropónico


a hidroponia do pensamento
metamorfoses aéreas captadas
tempo lapso acelerado
corre uma nuvem espástica
o poente é o palato mais salgado
a densidade do corpo plenilúnio
afasta-se e mergulha na obscuridade
da migração o escapar de detalhes
limitar-se às ideias do imediato
é a sombra que é marginal
do amplo charco desaparecido horizonte
um peixe voador planando
em algo de mastigador do além
sincopado deixa-se deslizar
além há-de ser mais ontem
do impulso saturado...deixar-se
a corrente é um trajecto visceral
um túnel de vento
da aerodinâmica do pensamento
para voltar a mergulhar
tal totem da fé ancestral
fechar os olhos do mundo de estragos
as trepadeiras de deus são sacos de plástico
do derrame petrolífero a morte lenta
a barafunda dos alicerces oceânicos
um peixe morrendo afogado
são redes sintéticas de sonhos alados
um dardo de luz parte a superfície lunar
imerge-se o corpóreo na terra absoluta
que havia de perpétuo no fim do mundo?
sempre a mesma água para uma sede sem ciclo
talvez nem a sede queira saber da água
...o voo planante não dura para sempre

domingo, 13 de dezembro de 2015

sincronismo sem despertar


acordar
de animal anfíbio de estado
dos alicerces mais dispersos
as pedras caladas sem clamores
pelos flagelos da caminhada
a multidão, unidade, fusão
um corpo revirado de patas no ar
tenho pequenas lâminas de perdição
escamífero sou do coração
pertencer a um aparelho acústico
pregas e bolsas, anéis de tons alterados
na longa noite biológica, ruído
e tendões pneumático-delirantes
gira um pneu vazio no alcatrão
do chão do quarto há
palavras que não chegam
em dupla herança ser velho e principiante
do duplo pensamento articulado
como brinquedo electrostático
sonho o enorme vazio das horas
a vibração transparece, aglomera
montanhas de atmosfera saturada
um lento olhar em volta comprime
feições de um gigante incompleto
tudo é uma casa-jaula
em forma de losango
a pigmentação da tristeza
arlequim do afecto
talvez porque o mundo exista lá fora
com toda a sua frieza
a pele tece a sua seda
e as estrias da alvorada rompem
não se sabe se galopa se trota
balança, solavanco
o dia de puro sangue avançando
no braço de uma grua de ontem
mutilando a felinidade degustativa
imaginar fatias do dia-a-dia
fatias douradas na cama fria
um painel de parede
de cerâmica de cinza
carimbos de língua e sintomas de limbos
um bunker do remorso uterino
...impacientes os gestos da vida
nivelando o movimento ondulatório da massa
rarefazer a estética volátil da alma
o cimento sufoca
um bando de pássaro dá os bons dias
um bando de pássaros parece mais denso
uma maré de escuridão escorregando no céu
esse céu cúpula e estação
livre para aterragem na supressão
de asas magras
as aves andam suicidas
radar, um território elástico
vertigem iminente, bolha morfológica
temos tanto para dizer sobre nós próprios
arquejar o horizonte sem pálpebras
a concentração imóvel dos aspectos escondidos
dos dedos de ninguém premir o esqueleto
um conjunto de ossos recortado do vazio
catapulta de poços e crateras sem lágrima
capturar os invólucros do sistema
para um terraço azul de pássaros exóticos
e extrair uma ideia de distância
do reino subterrâneo da ausência
fixando fragmentário o ponto luminoso
esse mapa celeste a partir do zénite
a olho nu, o instante parece mais longe
giram satélites na perpetuação exacta
giram as minhas ossadas fora de alma

que acordar não é para todas







quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

o suplício de tartan


a estafeta das girafas de venda
um gorila albino disparando a pistola da partida
há que conhecer os canteiros de areia
terreno acidentado por serpentes e caveiras
alguém deixou uma pantufa desirmanada
e depois há instruções para não morder a língua
o mundo observa o mundo das bancadas
há que aprender a estar morto para enganar o outro
na leitura de uma onda, a canoa vai de esguelha
o assobio de um melro, por ali o prado é infinito
é a lua da tarde que indica o caminho
o olho clínico da contemplação das estrelas
a esta hora ainda em aquecimento
do terraço de deus uma barriga de osga acena
pista um, aos seus lugares, catrapum
o texto tende a desenvolver-se sem contracção
o tecido muscular tem preparação e pulmão
a cronometria velocista ensaiada
desde que as pernas não emaranhadas
o corpo sabe, só tem que seguir a pulsação
dilata-se a mente num esforço alienígena
dilata-se a ponto de não se lhe conhecer limite
todos querem chegar ao fim numa posição digna
se o tempo tem de se esgotar
que se esgote na ascensão ao pódio

no globo terrestre devastado, cristalizado
o último suporte material da memória
hieróglifos de calculadoras electrónicas
renasce das cinzas um jogo olímpico
pelas zonas desabitadas ainda do percurso
para que não se extinga a chama
de um céu que engoliu a terra
hão-de-se trepar pirâmides
dessa arquitectura interna de linhas mornas
do sofrimento, o alívio satisfatório
como uma ideia natural de estar vivo
fosse o apanágio dos mortos
a marcha da inquietação, passa testemunho
tudo é calma, tende para a calma
vagas contra a crosta arbitrária
do desenvolvimento do corpo lógico
o guia é pluralmente elevado
dentro de cada animal há uma medalha de ouro
que estremece e range por chegar mais longe
sem descanso, como pode uma girafa-atleta repousar
se o pescoço está sempre na lua e os pés na terra?

- há que colocar uma venda e deixa-las ser estafeta
estafada estupefacta depois com a corrida interna
interminável de agitação ansiosa pelo repouso
anestesiam-se assim os músculos do pensamento
para da contemplação de uma corrida nunca ganha
querer voltar a competir e uma e outra vez sem desistir
como se fosse a lua e as marés
motivação para lhe fugirem os pés





liláses


a poeira sistémica
gravando nas pálpebras o sol fósforo da manhã
para não dar tempo de cegar
passar a vedação em contra-luz
a profundidade de nos atrevermos
a sair das quatro paredes do quarto
compacta, parcela
a morte encontra-nos sós
consegue realizar-se de solo a solo
entre os mortos e os vivos
a morte anda à solta
a terra mutilada de sombras
o primitivo sonho de harmónicas
como se tudo fosse melodia
como se antes de partir aos ouvidos
soasse música
dormir no chão do quarto
carregando no sono o fardo holístico
dir-se-ia impossível reinventar o dia
ingressar numa solitude superior
cujo eixo paradoxal se poderia sublimar
o rigor intrínseco de uma acção sem fervor
será a liberdade completa
a completa desordem?
somos objecto secundário
da ociosa matriz descompensada
a alucinação ao símbolo
há músicas que são pessoas
racionalmente articuladas com a memória
que nos ficam notas de aroma
daquele pescoço, daquela boca, daquela curva
a nuca
onde o inverno sempre chega tarde
despossado de frio
um pseudo calafrio se tanto
ou um arrepio do tamanho de um amo te
há musicas que nos chegam do lugar mais estreito
do sexo, um tango, de uma lágrima, requiem
pântanos, afoga-se o peito em lume brando
o voo da ave rasando os subúrbios da alma
dissuadindo o horizonte quebrante
pela incontável vez o dia adormecido
inevitável
entre os flancos do inconsciente
o ruído do ventre marítimo
haverá sempre marés-vivas
e terras oprimidas sob a pressão do pensamento
terracota poliédrica
dessa vegetação de aquário
quando todos os rios tiverem secado
estamos sim perante quartos sem janelas
os que enterramos sem descanso
um biombo de aguarela, sensível
porque somos cristais de fábrica
e retratos toscos sem perspectiva
as direcções próximas são invariáveis
movediça, esponjosa
a mão levando a água à terra seca
a definição demorada das flutuações
a alma tem forma
quando encurralada
uma concha, um telhado, um fato
ao entardecer do ser
o instante é um socorro
mas para viajar basta estar de olhos fechados
ou abertos
quantos sóis fixam o tempo?
quantos sóis para estarmos juntos?
nas terras baixas as marés são imponentes
homens chegam aos pés
do grande fosso do mundo
lá em baixo só há areia e luto
e o estalar de nuvens opacas
assombrar a inundação
a nossa tarefa será colher os frutos do mar
o sentido estático de um jardim aquático
se o vivêssemos ao contrário
por momentos seríamos colhidos
o nosso pequeno jardim
como os trapezistas, 20 passos no céu
mas era uma terra baixa pontiaguda
de gravidade monótona
e de modo lento e arrastado
recitando como se fosse ladaínha
por lá ficámos...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

no limiar das sensações físicas



fórmulas a que obedecemos

o eixo da bússola trémulo - parece que estou parado
reúne-se no presente algo de concreto - sou
qualquer coisa que eu próprio ainda desconheço
sem ordenação morfológica
temos sorte em transitar de linha
e por décadas de respiração submarina
sermos estâncias sem pulmão
lugares de fé contracorrente
fora de trilhos de ser gente
tão-só a natureza morta
em sintoma material
há um desarrumo próprio do universo de acaso
presságio, esparso, substrato
evanescências fantasiosas
no limbo de uma simbiose acrescermo-nos
das circunstâncias do rés-do-chão
cedendo às iminências das raízes que rompem
é só uma construção virtual
da histeria de conversão do banal
estrofes que morrem de pé
o tronco, os fios de cabelo, os cílios
pode o coração minguar-nos de frio?
de uma ressurreição estruturante
em romaria pela quadrangular esfera
de conhecermos todos os cantos à casa
o código, os moldes de definitivos alicerces
o escudo, a pátria, os mistérios da fauna
os desígnios de áreas assépticas
uma simples gota de sangue e - sou único
dos jardins interditos
humanos percorrem alamedas de extracção
operando na pedra, no metal, na terra
o conceito de velocidade meridional
espaços nostálgicos que nos chegam das extremidades
anatomia da fixação dos pés
o desejo despertando de caminhar
decibéis cismáticos: ando, corro, voo
o embate de contradições metafísicas: o que sou?
a aceitação servil das mãos só dor
escavando, perfurando, mais fundo
sublimando a essência ela própria do submundo
de uma memória subcutânea colectiva
que tecem as imutáveis redes venosas?
lentamente somos célula suicida
a asfixia persistente do dia-a-dia
onde o hábito solidifica o silêncio
volver um bom-dia em sofrimento
damos corda ao dispositivo por necessidade
horas fantasmas sem massa óssea
cópias, transcrição para lugar nenhum
a figura negativa da curva da procura
de uma cornucópia sem creme
a vida um casulo dormente
mas as raízes vão desabrochando do chão
desapegadas em escada desajustada
os pés implorando a aproximação ao céu
porque no céu o tempo é inútil
e tudo o que foi orvalho hoje é algo de vago
de um mundo informulado mas obediente
um mundo que não é real mas sobrevivente
o eco de um aparente sono nutriente
a sonoplastia de uma cultura in vitro







terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Dó maior



poema-diapasão vs. versos livres
braços erguidos sem cabeça
girando, dançando, mirabolantes
espirais de repetição cósmica
cabeça solta sem braços raízes
saltando, procurando, segmentando
lâminas de sonho e fragmentos
sem cabeça nem braços...ideia
um cabaz de sensações químicas
introduzidas por sonda lambda
a parte imortal do ser humano, mecânica
que fica das cinzas do corpo?
os músculos dorsais em atrofio
quando nenhuma asa rasga a pele
contemplar sem boleia o espaço breve
há um sistema que funciona entre a gente
metamorfoses de céus rústicos sem deuses
diz que somos feitos de essências carbónicas
e que as emoções são elementos
que podemos compreender na alquimia do peito

sou um pedaço de carne e osso
lançado às mandíbulas do universo
por isso sou estatisticamente na maior parte do tempo
um poema monómetro
que o vácuo também diz tanto
diz cada vez mais do que de nós tem sobrado

somos estética, dinamite ou consciência
que só existe no imaginário de um instrumento
para uma dimensão intergaláctica de uma página

por isso, vibro
uma só nota em uníssono
mas o meu tom é apenas em sentido figurado
nenhuma nota que se encontre numa pauta
numa única pauta terminada
pode traduzir o estado livre desse poema

a dor liberta, na dor se encontra a nota certa
a dor ama depois em amor, dando amor sem ela própria
sustenida, a nota natural elevada por acidente
a paixão assim só pode ser acidente...