quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

liláses


a poeira sistémica
gravando nas pálpebras o sol fósforo da manhã
para não dar tempo de cegar
passar a vedação em contra-luz
a profundidade de nos atrevermos
a sair das quatro paredes do quarto
compacta, parcela
a morte encontra-nos sós
consegue realizar-se de solo a solo
entre os mortos e os vivos
a morte anda à solta
a terra mutilada de sombras
o primitivo sonho de harmónicas
como se tudo fosse melodia
como se antes de partir aos ouvidos
soasse música
dormir no chão do quarto
carregando no sono o fardo holístico
dir-se-ia impossível reinventar o dia
ingressar numa solitude superior
cujo eixo paradoxal se poderia sublimar
o rigor intrínseco de uma acção sem fervor
será a liberdade completa
a completa desordem?
somos objecto secundário
da ociosa matriz descompensada
a alucinação ao símbolo
há músicas que são pessoas
racionalmente articuladas com a memória
que nos ficam notas de aroma
daquele pescoço, daquela boca, daquela curva
a nuca
onde o inverno sempre chega tarde
despossado de frio
um pseudo calafrio se tanto
ou um arrepio do tamanho de um amo te
há musicas que nos chegam do lugar mais estreito
do sexo, um tango, de uma lágrima, requiem
pântanos, afoga-se o peito em lume brando
o voo da ave rasando os subúrbios da alma
dissuadindo o horizonte quebrante
pela incontável vez o dia adormecido
inevitável
entre os flancos do inconsciente
o ruído do ventre marítimo
haverá sempre marés-vivas
e terras oprimidas sob a pressão do pensamento
terracota poliédrica
dessa vegetação de aquário
quando todos os rios tiverem secado
estamos sim perante quartos sem janelas
os que enterramos sem descanso
um biombo de aguarela, sensível
porque somos cristais de fábrica
e retratos toscos sem perspectiva
as direcções próximas são invariáveis
movediça, esponjosa
a mão levando a água à terra seca
a definição demorada das flutuações
a alma tem forma
quando encurralada
uma concha, um telhado, um fato
ao entardecer do ser
o instante é um socorro
mas para viajar basta estar de olhos fechados
ou abertos
quantos sóis fixam o tempo?
quantos sóis para estarmos juntos?
nas terras baixas as marés são imponentes
homens chegam aos pés
do grande fosso do mundo
lá em baixo só há areia e luto
e o estalar de nuvens opacas
assombrar a inundação
a nossa tarefa será colher os frutos do mar
o sentido estático de um jardim aquático
se o vivêssemos ao contrário
por momentos seríamos colhidos
o nosso pequeno jardim
como os trapezistas, 20 passos no céu
mas era uma terra baixa pontiaguda
de gravidade monótona
e de modo lento e arrastado
recitando como se fosse ladaínha
por lá ficámos...

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