terça-feira, 3 de outubro de 2017

os cães uivam desafogados


o dia é salvo
os cães uivam desafogados
em todas as esquinas os beijos ficam desamparados
no choro das cordas que vibram
há nesta rua um candeeiro que se apaga
de hora a hora
porque não me encontras na escuridão?
um país que se podia atravessar a pé
às vezes sinto que esta não é a hora
de se escrever um poema, ou dizer-se
o que fica por dizer, entre nós
que não são lugares, nem paredes
ou luares
a sombra, a cal
uma lanterna que carregas nas mãos
com a doçura das ruas onde foste
eram pequenas, mistério, desejo
onde corrias descalço sem o anseio
um dia qualquer dia acordares
eram pequenas, as mãos que encontravam no sexo
nos lábios nas costelas do peito
uma mulher que de outro jeito
andaria de triciclo, a cavalo, numa vassoura
estas palavras que atravessas de salto
as ruas nunca seriam só minhas
mastiga-las no vazio
transbordar-se de felicidade
porque há um eco, uma outra voz
que nos diz que:
não se pode esperar a morte antes dela
existir
que mais pode o passado
mas nós ainda não chegamos
e quando todas estas palavras não dizem nada
quero pedir perdão, absolvição
quero olhar-te na paz de não nos cobrarmos
já pertencemos, já fomos, já nos amámos
é só uma parte não iluminada que por agora
nos quer desesperada
a escuridão tem fome do nosso desespero
todos os dias são de luto
já foram e continuarão a ser a morte dos que vivem
em absoluto
um dia, retirar de nós os momentos que nos condenam
constelações que nos absorvem de céu negro
é só um sol que nasce fresco e liberto
de qualquer outro intuito
é só um sol que nos olha de outro jeito
porque lhe rejeitamos a luz
de continuar, de nos continuarmos
desalmados desafogados

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