terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Cripto zoologia

o enigma da malícia tem passagem no passado
de companhia cripto encefálica e além trevas
conduz-se na cegueira de um planeta virgem
porque mundo nenhum de amanhã 
De andas a imortalidade é pombosa
cratera de cidade de luas e espaço interior
somos assim príncipes de âmbar e cepticismo
às vezes dissipa-se...para-se de pensar demasias
ritmos do afago e formas de sentir de facto
hoje sinto-me estonteado
o mais sensato dos seres pousou-me fora do peito
se calhar foi sempre assim distraído 
torna-se claro como agulhas em noites de nevoeiro
torna-se mais claro por cair do peito
fecho os olhos com força, o pestanejar das ondas aguentam 
não há nenhum acidente torto nem ancas largas
deixa-se entrar a luz com injeção adrenalina
e rápido é tão rápido como tudo se dissipa
andar de edifício em edifício sem trancas
fragmentos de sol pela janela
estuda-se o caminho pelos corredores
e metros de escada em privação de narcóticos 
aquele nome nada me diz...tenho o desejo de o matar
como sina fosse ou outro motivo de raiva
assim que os nomes são motivo de arma
ou violação de lei ou morada
entre carvalhos escuros no interior da gota
ouve-se o eco sem roupa composto de esmalte
assim nunca serei biblioteca...apenas momento
encerro os maravilhosos olhos do pensamento 
pedaço de pão fresco na gaveta
que nunca me triturará com os dentes 

há um ruído perturbador no arder da lenha
no alinhamento dos cães fora da barriga
no resfrear das sombras sem luar
e operações cirúrgicas a seco
a mente entrem-se a folhear o caderno anatómico 
como um baralho de cartas por jogar
espadas por lutar e dívidas ainda por cobrar

Ajoelha e espreita..está lá fora tudo por estrelar








segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Individuum

 

a colina fria tomada por galhos de travessão 
gradações de negros e cabelos iluminados
pela via directa das estrelas o leito do alaúde
ecoa vocábulos e manipulação de mandrágora
utiliza-se o veio do infinito oráculo hiperligação
e as sombras flexionadas parece que dançam
na posse de um acordo há muito definido
nos contrastes do remanescente de outras vidas
as colinas assim descritas são alvéolos guturais
não há vivo ser que por aqui caminhe uniforme
trágica a massa visual da solidão flutuante
que património onírico foi detido
é o peso das linhas impostas e urbanas
 livre engolido ficando-se pelo mistério de nenhures
o natural quebrado
os insectos fogem para se infiltrarem na pele
gerados em cubículos do desespero 
com termo asas agora cimento
vectores à prova de variações oblíquas
esse sobreosso que depois nos originou cascos
a cidade dos mortos violenta
uma máquina de guerra em forma de torre
periscópio e radar blindagem e comando
tudo são viadutos robóticas de futurama 
e uma locomotiva atravessa o gelo...
as vigas unem-se no céu para cobrir de cúpula 
uma gaiola eminente e admirável 
impresso no peito de um ser pergaminho
das luzes que esparsam acima de nós 
visitam enfim a sua obra
seres e pedaços de nós...agora espaço 
como se escreve o passado sem futuro?
assim se criaram os homens das estrelas











domingo, 17 de dezembro de 2023

Uma nota necrológica

 No tuberculo da urgência um rigor ócio
 musgo de absinto na medida de um volume
sobre a branca paisagem formas de ferro
que exprimem a fronteira do véu manipulativo 
centenas de pássaros passageiros
na imóvel assinatura da insónia 
mão sem terras ou pedaços de estrelas
que dançam corporativa mente ou lavam
diz o guarda versos febril nas margens 
Liturgias...quadros de negros a carvão 
casas onde perfeitamente nos deitam
aquecidos pelo sol de leds em hematomas uniformes
dormem de olhos abertos...sem itinerários 
o tecto desenha opio do trópico de capricórnio 
um tigre manta que mergulha o corpo no pântano 
afagar de quente os pés que não se tocam
Bálsamo de leitura dúbia tamborilando
formas de barro incompletas da vida
a água corria subterrânea lava feridas 
e das fossas entubadas violentamente frágil 
a vida indo se a cada nova respiração 
os corredores são ossos de inverno
e na cabeça memórias cordilheiras cerradas
queria andas astrais para daqui evadir se
o guarda versos delirante rinoceronte 
luta numa voz tão crua quanto a lua
há monstros no céu...terror no cancro pulmonar
as janelas vitais vitrais de corte e rasgo
porque não se é de porcelana não se atira ao chão 
e as rosas brancas não são senão miséria 
heróis? ainda para abraçar a morte era preciso
pedir para dançar e rum..onde quer que esteja o céu 
e nesse céu se é só um
naquele céu se acredita...
Tinha na cabeceira um postal de areia branca
ruminar no silêncio do alvorecer para ver
que o poema se refez uma última vez
com o rigor ócio de um ofício terreno
para acabar com o homem enfermo









quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Almas Ígneas

 

o corpo luta contra as paredes no arranho afiado
do olhar pontos de luz agora ocre vivo de refração singular 
há barcos suspensos no mar e o fôlego da manhã por destruir
as paredes choram por dentro para o desmantelamento frio
há dias em que as lágrimas perturbam a objetiva
em que a poesia se veste de orações fúnebres
para bombear à bruta a pele fina das artérias
a tarefa do verticalismo é dolorosa para a alma inefável
as moedas criam desordem na algibeira da mente
ou peso consoante se pense ser mais ou menos flutuante
sempre para mais tarde moeda agora poeira para barqueiro
uma travessia para dentro, para o extraordinário magro ventre
tudo é próprio de si e até mesmo as extensões satélites
aqueles que nos habitam por perto no assintomático 
e descaracterizado cenário energético
continuamos a chamar por mulheres encantatórias
as sereias desse mar morto são mudas
ou são as vidas dos outros que são surdas
até Às estrelas..até às estrelas corpos de plasma luz
há uma hora de nascer..um lugar..um berço..um peito
assim a morte esse outro leito de fogo e depois frio
fica o tempo de entretantos ruminares 
a lava percorrendo caminhos antes de solidificar
proclamam-se suspiros em jardins de estátuas negras
de umas para as outras repartem vocábulos de saudade
homens, mulheres, crianças, animais, plantas, livros
a terra uma viúva corpulenta de estranha ausência de vivo
e um banco de jardim, onde bate um raio de luz marginal
pode crer-se nascer um coração protozoário 
ou uma palavra nova no dicionário
uma nota fora de escala um símbolo fora de saber

e a sensação final de repouso dentro da pedra
ou do corpo...ou da alma





quarta-feira, 27 de setembro de 2023

o mais tardar...


uma noite guilhotina onde se dorme de pé
os astros recolhem aos telhados vermelhos
o que escorre é a seiva da queda do fruto
no patamar invocado um ser em bruto 
durante o dia fonemas agora de ocaso
de perfume de mulheres que contemplam o chão
no derrame da bílis o olhar penitenciário
através das paredes grita-se em vão
são diálogos de portas que respiram
quem corria de avental pela escadaria 
pelos cantos melros negros e frascos bizarros
de palmos e arabescos gestos de iteração
os anos construíram jardins de negação
no improviso trepadeiras de cadafalso
um circuito de desgaste rápido 
para a impercetível matéria sepulta
que o céu e a terra em sedimentos de nada
e voragem respiratória do que é insuportável
filtraram, ao corpo em fogueira pagã
continuam os cabelos pelas sucursais do tempo
fica  a beleza extasiante do contemplamento
de um alpendre debruçado ao abismo
quer um baloiço apropriar-se do sol elétrico
multiplicam-se as sombras dos outros
os espelhos são celas e clarões incertos
a terra vacilante de se nos abrir
sinto a vertigem e os pés a fugir
a caixa torácica em aperto 
volta para casa, volta para dentro
para a distância inacessível das funduras
minha avó, minha mãe, minha tia, minha bisa
a quem só se revelam as palavras
citações sem premonição mordaz
as ervas morfina da alma deixaram daninhas
rebentam o chão de terrores fragmentados
batem portas escancaradas janelas sem vidros 
e andam descalços os espíritos

andam descalços os espíritos













quinta-feira, 21 de setembro de 2023

El número de la molécula - Tradução por Duarte Fusco

El número de la molécula
 
Como los artífices terrenos
el animal sin alma despega de una hoja de papiro
donde no existe ni enfermedad ni desmayo
ágil disonancia de vigor y sopor
el derroche en la belleza de ayunar la energía cósmica
la mano pata tenía fragmentos de nitidez bestial
sujetada con inúmeros desgarros en pedazos de procesos
y pasos que nunca serán los mismos
el arte común de los utopistas desterrados
y todos los puntos son fosa desguarnida
mi cuerpo..ultra marino varón
tres estómagos y bravos brazos de labranza
el alivio de los sin brújula y más allá
ajeno a la orgánica pobreza carbónica
comparo cilios cerebrales a propiedad abolida
promulgan leyes para desuniformar la tiranía de los filósofos
y el espíritu..el espíritu perverso y equivocado viste a todos del revés
vino el vacío y el saqueo de todo lo que cupiese en el bolsillo
el texto engulle horas y dolores sublimados
interpreto el cielo como el terror más duro
estrecho ruleta de ciclos interrumpidos
el príncipe de las tinieblas del ahora
el sol es un trono y la luna aurora
la paz de los antiguos en el lomo de una cartilla de hambres
la vida es pequeña pequeñísima
para que cada crepúsculo sea igual a sí mismo
sirve de manto a la locura corrupta de la edad
la memoria es un almacén de inutilidad
a las horas, a las horas del aburrimiento
del trabajo servil de ungüentos mecánicos
libre de tierra, el recipiente de la noche
que se arroja a semilla con un lazo muy fuerte
al párrafo más largo y más lento
del bienestar..se suelta una hoja sin querer
para el acelerador
y en el ejercicio vencido de los vocablos emboscados
el viento envuelve en la rueda de la espiral
fueron bañados de fervor de un dios cualquiera
faltaba la tarea de la historia vivida
y el tiempo punición para imprimir el último día
¿por qué todo acaba en la muerte?
no para el hombre que persigue la inmortalidad
 
no sabía si era el hombre persiguiendo a la bestia
o la bestia persiguiendo al hombre
 
pero en ese ciclo enfermo de persecutoria sensación e incluso emoción
perdió todos los últimos días de su vida

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Um lugar para cair

 é o limbo de morte nenhuma

o coração atropela-se de sangue bruto
a respiração ofegante de uma queda em sonho 

assim brincavam na areia pequenas criaturas
um dia de sol na beira da linha de água 
a água que ia e vinha num ciclo incompleto 
de pequenas linhas de espuma 
mas os outros desapareceram 
o dia cinzentou de abrupto..as ondas cresceram
a força da areia prendendo o corpo de gatas
um corpo incapaz de se erguer
o nevoeiro tapou o mar 
cobriu todo o espaço em volta do corpo adulto 
o dia escureceu de negro cinza 
e o corpo imóvel incapaz de se erguer trémulo
aos pés água e mais água com o ruído da força da terra
a força que rebenta próximo do ouvido e dos olhos que não vêm
as mãos enterram-se cavando poças de lágrimas 
o rosto irado de impotência 
querendo beber ar e não água 
que o sal amarga de próximo e mais perto de fim
há o silêncio desumano 
o coração bombeia-se de música 
soam as notas rápidas do forte macabro fundo
um denso de não entrega 
de não partir sem luta

mas quanto mais procura na areia a pega
mais a mão se desenterra

não haverá corpo para chorar 
nem testemunha do salto quântico 
Talvez o fundo do mar seja o início 
do tamanho do acordar











domingo, 9 de julho de 2023

O número da molécula

 

Tal como os artifíces terrenos
o animal sem alma descola de uma folha de papiro
onde não existe doença ou desfalecer
ágil dissonância de vigor e torpor
o desperdício na beleza de jejuar a energia cósmica 
a mão pata tinha excertos de nitidez besta
atada de números rasgos em pedaços de processos
e passos que nunca serão os mesmos
a arte comum dos utopianos desterrados
e todos os pontos são fosso desguarnecido
o meu corpo...ultra marino varão 
três estômagos e bravos braços de lavra
o alívio dos sem bússola e mais além 
alheio da orgânica pobreza carbónica 
comparo cilos cerebrais a propriedade abolida
decretam leis para desfardar a tirania dos filósofos 
e o espírito..o espírito perverso e errado veste todos do avesso
veio o vazio e a pilhagem de tudo o que coubesse no bolso
o texto engole horas e dores sublimadas
interpreto o céu como o terror mais duro
estreito roleta de ciclos interrompidos
o príncipe das trevas do agora
o sol é um trono e a lua aurora
a paz dos antigos na lombada de uma cartilha de fomes
a vida é pequena pequeníssima 
para que cada crepúsculo seja igual a si mesmo
serve de manto á loucura corrupta da idade
a memória armazém de inutilidade 
às horas, às horas do fastio
do trabalho servil de ungentos mecânicos 
livre de terra o vaso da noite 
que se atira a semente com um laço muito forte
ao parágrafo mais longo e mais lento
do bem estar..solta-se uma folha sem querer
para o acelerador 
e no exercício vencido dos vocábulos embuscados
o vento envolve na roda da espiral 
foram banhados de fervor de um deus qualquer 
faltava a tarefa da história vivida
e o tempo punição para imprimir o último dia
porque é que tudo acaba na morte?
não para o homem que persegue a imortalidade 

não sabia se era o homem que perseguia a fera
ou a fera que perseguia o homem

mas nesse ciclo doentio de persecutória sensação e mesmo emoção 
perdeu todos os últimos dias da sua vida




segunda-feira, 5 de junho de 2023

Pobre coitado, o surrealista

 

Há nos ponteiros do relógio um compasso inútil 
como se os pombos necessitassem de pernas longas
ou o fotógrafo de saltos para ver mais além 
tinha uma esmola sempre de parte na algibeira
na caixa de ferramentas uma corrente e várias ocorrências
olhos triplares e alongados para desconcertar uma armónica
debruçado no alpendre da cidade perdida
nenhum benzer, nenhum credo mais puro
o céu carregado de utópicas manchas 
e no banco de jardim, um beijo dado de peito fechado
havia foguetes a partir todos os dias sem dono
cada carta lançada á mesa vinha em branco
e de vez em quando um joker por graça
o leitor escorrega de sono no jornal
vendem-se colos e vidas do desterro
toca-me na película mais abstracta 
a noite cai como câmara obscura
revela caninos para miupes de longe
hoje casam-se-me os anos
aceitam-se trocas de agora sem atraso
as almas querem-se de fresco e ao léu 
as crianças girinos de aquário 
temos pressa de ver chegar o peixe à porta
aqui todos se afogam de lágrima
um tiro de roleta isolado na mão 
a mão rabiada de medo já não serve
das gavetas já só peças de faqueiro 
e de modelo um cepo de cadáver 
Assim desenharam-lhe o caixão em forma de estrela...
para afinal ser pó de sopro 

ou coração com sopro
dizem que a saudade não faz falta aos mortos
e nos dias de hoje nem tão pouco o caixão 
-disse-me para lançar as cinzas ao rio..rio de
prata, que combinava com a lua, diz que era
uma pessoa atrita a lados lunares ..para se
despenhar num qualqer compasso desmedido

O texto não tinha sinais de cruz 
nem razão, nem mezinhas..
Os campos tinham ardido, os quintais, os móveis 
nesse quadro monocromático de vazio
o estalar de um castigo que se vê
vê-se por fora incendiado
agente nasce com esta sina de cão vadio
para vir comer à mão do tempo
o corpo engravatado desencaixado

querem-se os sonhos para nos comer as paredes do peito

e as ruas para nos desaparecermos sem sombra
todos os textos nesta língua estão malfadados
nascer-se mudo depois de se ser soco
e nas escolas desaprender-se das tabuadas a solidão 
um mais um senão nenhum
e eu e mais eu, que monólogo do coitado

a culpa é do compasso...sim desse compasso...















sexta-feira, 2 de junho de 2023

Limbus corneus

 
nas costas de peixe, uma linha de prata
desenha no oceano o arrasto 
sente os espíritos pentearem-lhe as escamas
o movimento rasteiro da criatura predadora
na transparência atravessar, neste estar e não estar
coados do suor do atrito
os céus vestem-se de negros corvos
o prenúncio da desesperação
o despertar das pontes do apoastro
e o cosmonauta uma criança nauseada
andamos às voltas na terra
tombados da imortalidade que se separa de nós 
a parte vertical da viga cerebral
a alma escorrega felina cabendo em qualquer buraco
a pobreza de uma cabeça limpa
para as formas simples do horizonte
penteamos novelos de redes na berma do caminho
na contra luz somos figuras mitológicas do horror
da natureza do éter ou siderados na obsessão 
do massacre desse basilar oceano
haverá um dia em que não há peixes no mar
nem sonhos para colher no sono
no traumatismo do nascimento 
caído das ancas do mundo
vimos segredos depositados e o poema nasce fóssil 
está deitado na praia, a claridade alaranjada nas pregas das rochas
vigilante visitante do mundo das gaivotas
deitado e amnésico das técnicas do planar
sonhava com répteis e dentes felinos
as suas mãos sonâmbulas escreviam na areia
a fase larvar do abismo
vezes e vezes sem conta, o mesmo poema
acarinha depois as mãos 
acarinha a arritmia dos espaços
e o espasmo de um orgasmo
seguido de uma terrível sensação de solidão 
pode levantar-se, lavar as mãos e o rosto
benzer-se, urinar, gritar
pode... mas não quer






domingo, 23 de abril de 2023

Na margem de todos os nadas

 
Tinha os dedos amarelos de nicotina, as botas de poeira
o sol pelas costas e uma estrada de alcatrão sem fim
a incursão ao calcado medo dos mortos
o salto bate, na ardência do olhar
os campos engolindo a fadiga do ser 
o acelerador de um motor de uma sementeira de vagos horizontes
figuras espectros do cigarro que chega aos dedos
um pavão branco que se abre ao vento
liames de universos antes fechados
na beira da estrada uma caravana abandonada
como final de viagem anunciada
una lâmina de barba, uma lata de cerveja 
bibelôs para amaciar a vida
para a resistência de uma lição a giz nas pálpebras 
de uma ardósia infância entorpecida
plantações epopeias de caravelas de fruto
a uma pintura viril, apartada de cólera 
e a mão uma fenda no coração da guitarra
que vibra em jeito oblíquo 
bancos de ferro de beiras namoradeiras
talvez as mãos suadas de não conhecer o destino
quando se viaja sem mapa, o céu é desatino
ora trovoada mostrador da alma danada
agora reparo que não trazia rosto nem mala
que o corpo de minutos e horas autónomas 
acompanha o alívio dos sem ritmo
dos sem casa, dos sem página ou livro

cruzei-me com Kerouac
aflito de calos oníricos
de fumos que agravam a cegueira
a metáfora ensaiada despiu se na estrada
eventualmente..todos voltamos a casa





domingo, 16 de abril de 2023

"Os cavalos mordem a erva"

 

Da lente de um universo natural
o entardecer desce do pulpito expectante
filigrana de músculos felinos 
cada gesto é um ror de anos
posto em liberdade, para o azedo de quem se carpiu
toda a espécie de ser no inesgotável mostruário 
a mesma escória de um estátua de deus
batida contra a parede no rosto das chamas
voltamos à palavra como um rasgão na bruma
fiapos de diálogos de distância árida
por fim as mãos e os cabelos, a posição das pedras 
frases correntes de costas voltadas 
dir se ia que o céu nos apertava contra a boca 
faminta do mundo
e uma só alma hipotacada no raso das casas
das antenas dos telhados transmissão 
das traseiras de um qualquer prédio 
agora desabitado
sempre a ruina como cenário de ontem
Lôbregos eram os passos de um morto
Boas noites, para quem se ata de fitas 
um cão que uiva sem luar
talvez fosse sempre de noite, para cá ficar
uma das mulheres do velório canta
um fado visceral, chuviscam lágrimas 
uma tinta que nos escorre do corpo para borrar o chão 
uma gota de fel para acalmar a pele
e a desambição de um carrossel que já não gira
ou o baloiço que se quietou de ferrugem
Confessa a vida, barbaridade de vida
farta de conhaque, de fraque e malandrice
canta agora o fado dos tristes
para o temperamento de um artista sem tela
de um poeta sem musa
ou um corpo sem tusa
. ..estava debruçada no meu quarto de estrela
como musgo na parede..casa parede presídio
e o rumor cauteloso de uma corda vibrada 
a morte passa, sem uma palavra
sem aflições...para a queda brusca de uma conversa íntima 
quer o demónio saber do sol da meia noite 








domingo, 29 de janeiro de 2023

A terra removida...

Momento lúcido manipulativo 
o lago transbordante de interior
um pássaro levanta a asa babilónica
cozendo nuvens de origami
de inúteis linhas de pensamento 
munido de fé e mito galvanizado 
o corpo é eclipsado para dissociar-se em contágio 
uma libertação parcial da luz
dos seus negros lóbulos predadores
a manhã nasce de uma vontade extrema
e epifânica da grande deusa
concedem-se os dons das copas ásperas 
ziguezagues e piruetas mudas
um pássaro único e solitário 
Há uma cena de procissão ou enterro difusa
talvez de procissão  em que pirilampos são velas 
e folhas secas mortalhas
aqui tudo decorre na simplicidade da morte
última,  
e tudo o que vemos é de misteriosa histérica loucura
a nós não nos percebem as linhas dos pássaros 
o sangue é recolhido pelos veios esotéricos
da relação espacial da consciência 
demos os primeiros passos entrando na água 
ao contrário dos outros paridos de placenta
assim da alma anfíbia se perdeu a amargura
de não ter pés, ou cascos ou raiz
os cães de caça farejam, 
procuram ninhos de vento, composição pagã
a aritmética da serpente branca e o atributo da escama
dos esconderijos do ventríloquo esquerdo 
este impulso de ser mágico, 
mas o véu de ilusão é tosco, como a água parada e negra
e a beleza iniciática desse céu mais catatónico que nunca

é que nunca de lá saiu...
assim a linha da terra e dos lugares ancestrais
não dos vivos nem dos mortos
mas dos que em sua tese de presença onírica 
rasgam o ventre, mergulham no céu e escavam a água 


fizemos uma cova, bem pequenina e enterramos o sonho nesse dia