segunda-feira, 31 de agosto de 2015

violinos sem cordas



remoinhando sobre si mesmo
rés-vés a condição
um ser nulo, mas são
esse o timbre do farrapo humano
que muito bem vestido se apresenta
titânica a alma um peso morto
do ultra-sonho narcótico
e as lembranças fantasmagóricas
para uma hipertensão tacteante
as veias rasgando-se da pele apertante
para uma radioscopia do que vem lá dentro
um trampolim hermafrodita: um pé cá outro lá
alforrecas nocturnas ingerindo todas as formas
o pensamento-borboleta não se demora
de todos os cantos da mente há uma nausea simetria
a bigorna do mundo metafísico: palavras com sete vidas
da fossilização uma campainha matutina
tacteante, a vida dolorida palpitante
essa tensão hipnótica que nos rebenta o arco
que antes nos dobrava em silêncio

que antes nos dobrava em silêncio
remoinhando sobre si mesmo


domingo, 30 de agosto de 2015

que fazem messias aguardando na esquina?



o corolário natural é uma ideia-limite
onde o compasso se fixa
à boca de um pelicano radioscópico
e o espírito em emulação de deus
as purgas do ébano misantropo
pendurado de braços recolhidos
nascer e renascer dentro da sua própria natureza
a nostalgia da imortalidade
o homem de carne parte
se adregam ossos de animal enrolando papiros
essa fome de animal hibernado
dessa imbecilidade epicurista macerada
retoques e andaimes
para a filosofia do sonâmbulo
ares blindados a uma existência carunchada
e o condão de uma visão cósmica
de flor em flor a semente
o suco do vagar atmosférico
do som oco do nascimento
a cotovia mastigando vidas cadavéricas
também as cotovias comem não comem?
devorando restos de imaginário para provar além morte
e há um campanário dentro da cabeça
onde o sermão e a esmola se revezam
o umbigo do mundo onde tudo é terra de ninguém
o fósforo é sonda para o esmorecimento
há-de tudo ser cinza para sacrificar a exactidão
dessa vida estacionária
e na clave da vibração interna
quási enigma
minar ou minguar
do miolo à casca a catatua floreada
ao império do esquecimento
caem enfim as sementes em mão alheia
o cinzel do escultor decifrando o invólucro humano
à míngua do tempo
sempre o resgate da tarefa
catadupas lacrimo-génias
a língua rotunda, praça
pelourinho para morrer no primeiro naufrágio
rufa ao longe essa alma que se deixa partir
que volúpia!
essa azáfama de transferências
para um parto lento
quebrado pelo irritante martelar das teclas
o passeio elaborando-se mental escadaria
onde casulos do bicho da seda estão
à exaltação intuitiva
à gestação do poema
em morfina, mofino
deixado aos pés do cristo
para um dia ser um fura-espanta-céus
sagrado coração que sangra!


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

partem altas e possantes as caravelas



ao ângulo morto da vida
-exit now
caravelas postando ao horizonte traído
água-mágoa
tanta terra inóspita vencida
a conquilha onde o criador vivo será
caruma depois das sendas da criação
e uma jangada para ficarem as coisas de pasmar
mil voos sem memória inacabados
gente infinita, gente que se infinita
de acrobacias rasantes
o medo ainda de voar, trespassando, caindo devagar
aragens, sóis prestes a rebentar, poeira
detritos, lamas, o fundo das gentes
c´est ma tournée!
as fontes do desassossego revoltas
a linguagem de um homem só
em redor do improviso um ninho maldito
se elaborando uma saída ponteaguda
os veios da natureza entrançados para cutelos
desfiladeiros em formas estranhas
de significados desconcretizados
e a palavra seduzindo gota a gota
quando a sede é o único desespero
há coisas estranhas que nos deixam saudade
uma ideia proveta,
bolas de trapos pelos antigos aquedutos
e cardumes de multipensamentos dando à costa
mas há uma rede de estagnação imposta
onde só podemos sufocar de boca na areia
do meu peito partem caravelas rumo ao mistério
espécie de pesca de abismos à linha
na forma de universo inteiro eu respiro
o pensamento esganiçando-se
chamando às palavras vãos
apreciando as coisas mínimas
cifras da crosta emocional de verdade
e do encontro sem querer com o fundo
a existência sempre mal ancorada
ir ao encontro da cripta mais dura
de rascunhos precários erguer a vida
em pleno oceano o porão pesando a recordação
e o poder de continuar a navegar
enchendo os pulmões de ar novo e puro
talvez o mundo esteja enguiçado, mal contado
surripado...morto
que a minha caravela não chega a costa nenhuma
artefactos espalmados no céu mentindo
maus ventos levando-me para terras de cinza
e o dia que está no fim
as ondas que começam a aveludar
deitando dúvidas ao tempo de anoitecer
os últimos raios que escorrem no soar da hora
do despir da alma de tentativas
uma e outra vez de me mandar borda fora
fiando sem fim finais imperfeitos
homens, fantasmas, ecos de dentro
ecos desalmados de impérios sem sonho
tirando ao âmago das entranhas as raízes telúricas
para paisagens sem cura

tirando ao âmago das entranhas
o que não se acredita não se alcança
partem altas e possantes as caravelas
batendo nesse peito pedra
a ancoragem aos céus sabotados
desta inóspita existência
porque partimos?



sábado, 22 de agosto de 2015

Há um carrocel a que chamamos de viver


berros, urros de leão
ar esgazeado
meio apagado meio saliente
antever a magia do mágico
arfando de esguelha
se todo se parte
ventos ciclónicos
e horas mortas por renascer
Descrição: não caí do céu
ondas murmurando umas nas outras
lampreias etéreas
sensação de ter ou de arranjar-se a paz
guarida perpétua para leões marinhos
voajando por retratos terrenos
procurando núcleos,  membranas
produto anestésico do absurdo
Descrição: canteiros de amores perfeitos
subversiva memória que nos vaza
no porta-retratos dos sacrifícios
a ordem é inversa a um furo de parede
para mentes lubrificadas a douta palavra
bate o pé, pirilampos desorbitados
em contra-senso esparramado o mundo
a negra escuridão multifacetada
de soslaio enjaulada a raíz petrificada
de soslaio o sol penetrante nutriente
o pensamento dirigível saindo da casca
Descrição: a hora de dar contas à vida
Estando só e unicamente a viver.
Descrição: e tudo o vento levou
pedaços de tempo estratificados
anos cilíndricos estriando na pele
engrossando a casca rija da idade
deixando a mente adormecer infeliz
nas mãos de uma mãe-te ambígua
a voz de embalar ao fim da vida
Ainda indecisa. Não sei se viva.
Uma imensa catedral ainda de pé.
a saudade uterina
passos elefantinos
Todos os dias a morte cruza e descruza as pernas.



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

catchy souls



dos ocos carvalhos rasgam deusas horas
filhas auroras de shiva inerte
a mãe terra diz que ninguém se pertence
alimentando-se apenas rumores alheios
partes de todo sem todo que se repete
e a terra dá as suas voltas
se tivéssemos na fonte unidades lexicais
messias hospedeiros para ciclos em tédio
a tiro anafado da raiz se esgotar o fado
se escutássemos do fundo o ronco surdo
de um coração entalado nas paredes
de arranha-cúpulas deitados abaixo
que contariam as estrelas do topo desses telhados?
talvez pequenos milagres agregados aos sonhos
e que sonham os que dormem em ambígua apatia?
a rufar a película do peito deixa transbordar
pequenas linhas de apraxia mental
odara a cria que nos escapa de tanta arrelia
esse esgar donde não se consegue mais parar
e nessa frequência a velocidade aumenta
bombeando nas artérias da cidade a cabala perfeita
para dela ou nela se desaparecer

anónimos apanham todos os dias comboios




domingo, 16 de agosto de 2015

tudo somos tudo



a firmeza da linha depois de chacinada
a curva ascendente cuja figura evoca a obra
o desabrochar da colheita depois de pronta
e em branco, mais tarde, campos de neve
a paisagem sempre companheira vigilante
do despojar das imperfeições, estações
pela segurança do compor do traço
a exprimir as coisas dos seres
de tarefas complementares: vida e morte

mas às vezes
do esforço sobre-humano há uma certa
apoplexia
ou o aborrecimento da época
onde o narrador é atraído pelo íntimo
de uma obra que não chega a nascer
e a natureza complacente
de golpes de misericórdia
ao contemplar das esculturas clássicas
ao plástico das criaturas enclausuradas
como um demónio desencadeado
um fresco lírico desenfreado

e o sol do meio dia paira acima das alturas
dardejante
das cristas dos prédios e das antenas parabólicas
tão vestigiais como apêndices maciços
as muralhas de pedra ardem por dentro
atingem verticalmente a massa compacta da gente
de uma nuvem de pó surge o sinistro poder do céu
encolhendo a paisagem em línguas de gelo
suspensas
recortes de violentos rasgões para adormecer depois
dos clarões
como tantas outras noites de penumbra
a cidade perdida
o silêncio calcificado pesando sobre todas as coisas
no movimento do bater das asas
uma andorinha arruma a casa
e o que fica
o grito agudo das gaivotas figurando a eternidade

talvez há mais de mil anos
que ninguém por aqui desafie a gravidade
o que as intempéries fazem com facilidade
a água da chuva abrindo conchas nas calçadas
a água límpida depois de caída
repetindo-se em eco o sufoco em fios de prata
de feitios bizarros
o lenço branco, o suor do rosto escavado
de todos sermos pedaços em construção
e adornos de espíritos curiosos
para
a firmeza da linha depois de chacinada
a curva ascendente cuja figura evoca a obra


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

uma cabana espacial



Diz-se que temos lágrimas de S . Lourenço
a página tribulada de passageiros incómodos
mas o alto-mar é livre
o sexto continente estéril
e vestidos de vocabulonautas
em banda desenhada
a unidade do voo
rasando magma lunar
ao grande telescópio solar
Deixaremos o subúrbio da terra.

Seremos satélite paradisíaco
onde não haja viva-alma
nem Andrómeda ou galáxia mais próxima
que tudo são cúpulas envenenadas
de morte indolor
O flash priva a sombra não é meu amor?
É preciso longa exposição
e sistemas de abastecimento do coração

Antes sempre um ponto de partida
que um ponto de chegada.
Não é meu amor?

a colonização do cosmos



o primeiro pensamento depois da aterragem:
tratado em testemunhos do passado
depositário ainda de corpos celestes
as correcções terão a força letal
ratificações de órbitas
o espaço desenvolve-se extra atmosférico
a liquidação da espécie humana
mutei-me de perseidas

e tudo contaminação do espaço inestético
da utilização pacífica uma miragem
disformei-me de alienígena
a lacuna moral, a imperfeição moral
Alunei-me por fim no teu peito

E hoje ao reviver
Somos satélites espiões
a nudez da espiritualidade
O homem começou a civilizar-se,
mas não acabou.


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

ao largo há uma onda que vago


como uma vaga de pacífico ângulo
o oceano mental é um espaço
onde primeiro há a escuridão
depois, pequenas notas de vegetação
e soberbos seres nos visitam
o tecido é plástico espástico
a resiliência ondulatória
onde se permite repousar
numa concha madrepérola
os canais do mundo submerso
são inertes e acaricia-los
criando a vida movimentória
mentora de si própria
como uma maré de pureza
chegar à praia
onde sereias podem caminhar
e saltar barreiras
fugas atrás do pensamento
que se quer cá fora
para investigar a cor da areia
e o desenho da sedimentação
num diálogo de criação
mística
podia ter-se partido numa pedra
um pedregulho lá do alto
atirado por mão severa
em tempos, se calculava a terra
e um farol para a viagem

dentro do navio encalhado
que se abeira nas areias secas
o mastro esguio tombado
para estados de um acto desesperado
almas que caminham no limbo
-e depois ficaste fria

dona dos canais sérios do mundo
olhos cinzentos
em acordes de causar arrepios
-vamos embora, disse-lhe uma última vez
os últimos pensamentos em golpes frágeis
as mãos por onde ela anda
pêndulos de tamanha tristeza
morria no horizonte a descoberta
o veneno deste corpo esperando
no chão de terra batida caminhando

o tema da pureza se esgotara na morte do artista
os anos fogem para serem mortais
-ando à procura da minha alma
numa esplanada projectada num jardim
numa ombreia de uma entrada sem porta
num quadrado do jornal de amanhã
no bilhete comprado com antecedência
porque ela partiu antes de mim
para me lembrar de segui-la
antes de me amargurar com a vida

e dormir na paz verdadeira do refúgio
onde o mar é tão profundo
como se o tempo parasse dormindo
e a viagem estivesse concluída

o ano da morte do artista
porque será tão importante?
é a recusa da vida que lhe faz sombra
que a vida é o sol que nos envelhece

supondo que não havia tempo
não estaríamos do mesmo modo
deambulando como carcaças ao largo?


sexta-feira, 7 de agosto de 2015

zoo lógico



em ebulição lírica crepitante
avestruzes ao contrário
lesmas, serpentes, lagartos
para permitir a visão
em muda contemplação
a hipótese de dormir de estômago vazio
-quem dorme, janta
o peixe deixa-se à rede
como brasa faúlha cegueira
a pólvora também precisa
do fixar-lhe da cauda
a corda
pele de verde acastanhado musgo
dentes aguçados
se há água no inferno
enguias eléctricas que nos tomam o corpo
há um peixe que produz fogo
para atingir qualquer margem
sirvam-se esporas
desses bichos sem guelras
como temem os ossos bizarros
da boca em uníssono
estremecendo da cabeça aos calcanhares
o próprio curso da água
remoinhos indecisos
mais adentro
do descobrir profundidade mergulhando
numa espécie de ribeiro lento
a tormenta tem a duração de uma respiração
galopando será mais fácil
caminharmos às cegas se for necessário

há um furacão nas poeiras
o dilúvio em curso
e uma lágrima de recurso
ao compreender do impossível
de profundas águas

mas vamos em expedição fora
o grande império continua
planando nas alturas
pertencer ao céu e à terra
sem fazermos parte
esporas e asas densas
pelos arreios do sonho

terras infindáveis sem ponta
instalados na sela, tudo é posição estranha
a tez do tecto é plural
o tom do céu é extraordinário
o clima meridional planetário
acordado, adormecido, cego
os olhos comandam o que as mão perseguem
o monólogo é um por-do-sol fictício

plataforma, colisão, salvaguardar
embate, militante, digressão, criatura
concorrente: bicho-louco

estenda-se à nossa vista uma rota
o fixar dos olhos na confluência das vidas
desse rio afluente
os olhos colonizam o sonho
habitando-o de figuras de dentro

sobre os estribos da alucinação
simetricamente alinhados
a vastidão rompendo a vizinhança
largura e caudal visceral
a grande artéria que alimenta
para revolver o espaço da tormenta
atrelar dos pensamentos
a tarefa de certos odores
retemperar forças milenares
em primeira água
a purificação dos ossos
em redes melancólicas
as horas gotejantes
uma interjeição que parte do ventre
o voo em liberdade
numa só vista de olhos
a paisagem que parece ocultar
o tom imperativo do coração

da outra margem
da outra margem aquém da linha
a ave que respira
esse axioma da alma
de cor nacarada degradação
o andar térreo
há uma paleta de indícios

sobre os estribos da alucinação
que não admite réplica
A tenacidade incansável do horizonte
a quem possa restar essa contemplação


Gran bestia submarina



pesadas lonas alcatroadas
rijas como lixas
estado de tensão
abandono de si
os ossos da bacia a quererem furar
a melodia trágica do dia-a-dia
como um murro no estômago
e esmagar o pesado cronometro
 a sangue-frio
sem instrumentos ou bússola
com o dedo permanentemente no gatilho
latitudes, longitudes
navegará até onde
perfeitamente quieta
o gesto haverá de ter ido mais longe
plano-mestre
vigiar-nos de binóculos

apanhar a corrente principal
altas dunas movediças
patas de elefante
cascalho miúdo
linhas de referência
nivelamento
capitão de mar-e-guerra
o guiar do bote
vagabundear
gesto melodramático da sorte

e de olhos fixos no esqueleto
olhos despidos de três sombras
três viajantes chegando de longe
o terceiro era cipriano

ao duplo sol de inverno
o odor bafiento
areias rijas
marcas de sal
agarrar de súbitos compassos
há um nativo fora de radar
gerar a rédea a bombordo
à tona danada da  água
se encalha
de um vagar elefantino
mortal barbatana do destino

e há o contrabando
parlenda
plexo-solar
o veleiro pendente
ancorativo transtorno
temos pesadas algibeiras
e da rebentação
fanicos de duro cascalho
pingue pinga pongue
as coisas empacotadas
do arrastar dos fardos
debaixo de água

era um homem mau
por isso não se derrama lágrima
cuja lição
é um par de mágoas
quanto a ser peixe, era um peixe como outro qualquer


Hibernáculo



o transpor das montanhas
passos de guerra e paz
um código único escrito no interior de cada tronco
fusão
o evitar da escoriação
Constantinopla
impérios de antiguidade
homens cobertos de autoridade
alumiar
a podridão chegando ao âmago
o reter dos despenhados
a descarga de uma só passagem
rota à última vontade
usurpação da verdade

e da claridade matutina o espelho
a arte criminosa do espírito mau
esse espírito obrigado, enrodilhado, entregue
ao espelho, género nado morto
anjo tutelar do desalento
desse mundo amplo que não sai do corpo
ao pai comum de todos os comuns mortais
me ajoelho

e lágrimas alheias, deixo
ao calvário agoniado espírito de sangue
tão despida a vida de recompensa
que só o sonho extraordinário
às portas do templo, esse clarão matutino
com quem me entendo

estar vivo dá que fazer
é preciso abandonar o espelho e espelhar vida
na linguagem dos homens
no amor sincero
na terra colhida de gratidão
com a mão firmada na poesia
profetizando para multidões de criaturas sem reflexo
ainda.

pergaminho de fel
o segredo das inspirações
de curta devoração
a mão que recebe sucessivamente a chaga

o martírio de uma alma repelida
em transe consciente transeunte pela vida
que adormece num túmulo de silêncio
e acorda aos pés do precipício terreno
o fazer das pazes com o espírito vestigial

porque o verbo é um acto de rugir silencioso
nação sepulcra de indecisas golfadas
numa fortaleza de recordações
que se espreguiçam no aposento de trovas arqueadas

ri e chora
o homem-criança que se despede cadáver
haverá paz depois de tudo?
a braço de ferro contra a terrível foice da morte
esquadrões de gritos das estrelas relâmpagos
para um novo romper da alvorada
no batimento cardíaco de uma criança

mas o céu reservado ao desbarato
um coro de finados desafinados
em toda a blasfémia de se crer
nas expressões sublimes do verbo
quando ele ainda conjugava o caos
a ave e o verme
passageiros incertos ne leme da poesia

e que voltas abolição rebolição
no fundo dos vales, raízes carcomidas
raios de sombras pendidas
: o contentamento do momento
a hora absoluta e tétrica
os campos andam cadavéricos
devolutos de mão fértil
esse o acordar fel do poeta
o horror de uma luta entregue
o espírito atira-se
das torres centenárias da memória
uma luta inglória
para uma queda nunca perfeita
ao melancólico viver de outrora
enquanto tudo não passar de cinzas
a recusa do vencido
esse género de tirania
que é o espírito encurralado
o punhal do inimigo é um espírito quebrado
nele vive e respira
a morte bárbara da vida

ao crepúsculo magnético: a energia
musgos de electricidade epidérmica
o solo não se comprime, compartimenta
as águas do céu não se choram, alimentam
a robustez da alma alevantando-se
searas maduras ao arrebatimento
fincar os pés para colidir a tempo
movimento maquinal anti-envelhecimento
raízes torcidas como membros doridos
aspirar revoltosamente o ar
a derradeira prova de respirar
e sermos multiplicação de caminho
nos dias seculares de não atravessar
a fustigar pálidos cabeços

como nus esqueletos de gargantas e vales
uma fera-fantasma caudal
espaços distorcidos de veios combativos
onde jaziam ao chão, pêndulos caídos
que haviam sido proféticos

o sangue, a pele, a hora apetecida de cair
nesse espaço que não se encolhe, não se escolhe
da vontade estacional da alma pura e mistério
do repousar eterno
ali, o precipício é um caos nascido
iniciático
de claridade e noite, da convulsão do fantástico

em catadupa a solidão fugitiva
as gradações das sombras dos homens
o próprio crer e largar das rédeas
galgam por cima as estrelas também elas
conspirações de promessas vivas

expira sem combate
picos agudos de hemorragias líricas
tanto a fuga como a perseguição, são em vão
os píncaros dos montes de perenes folhagens
nodosas, alvas, as nuvens são escalas
de criar a grande distância
num quase imperdoável sussurro
voam despidos os absurdos

rochedos esculpidos
entidades íntimas de inversão
e poder imita-los de braços estendidos
e o tropear confuso do vento
e o tilintar de portas giratórias
onde habitam criaturas sedentas
entre nós e a assombração
retardando-se a si próprio
o gemido filho de vultos
debaixo dos nós pés
condutas do pensamento
a erguer da cova a quietação amorfa
todos somos estátuas das circunstâncias, escravas

livrai-nos das palavras que nos guiam
em torno de um eixo sem retorno
aventai a vista ao abismo
e olhai para além do submerso
donde se alumiou
o primeiro raio de nascimento
-somos perseguidos. semimortos escritos
tropeados em espirais sem capítulos
-se já o virar da página...

espalmado sobre o tecto um passageiro
incrédulo
algumas palavras são súplicas
púlpitos inarticulados de loucura
outras pontas de punhais
de brandura e energia nazarena
há as solidões, robustas, proféticas
tudo se encantando na cabeça
e viesse arrancar-me do cativeiro
várias de um lado para o outro
para o alojamento junto ao peito

a ponte estreita
sujeitar à lei do poeta
brutalmente volvido ao poema
do semiselvagem nascimento
desenfreado

são enfim interruptores mortiços
restos de iguarias antigas
esforçado pouco filho de musa

as disputas ardentes
que correm de mão em mão
a submissão
o esforço brutal para a afronta mortal
se multiplicar de sangue
-resigna-te ou confia
o cometa segue a sua órbita
e o seio insano de deus, a palavra
teremos dormido na última ceia?
o silêncio é ansioso
querendo deixar cair à terra e não conseguir
a férrea cadeia do nosso obedecer
a uma lei que nos é estranha
uns valemos mais que outros?
nenhum de nós voltará
não há mundo outro
se podeis contar as estrelas que habitam o céu
são essas que lá estão
nos transpomos dos passos que nos levam
o único facho que alumia os olhos altivos
pelas choupanas dos corredores sombrios
vossa filha, vossa, mãe, vossa irmã
já partiu
e olhar ainda o dia que vem do vazio
como uma criança tímida
o conhecer dos cantos à cripta fundamental
pelas cinzas desse coração ainda virgem
deixar-se salvar do martírio de caminhar
através das grades, lutar, as suas armas, suspensas
e derrama-las, de rama insana, ama-las














quarta-feira, 5 de agosto de 2015

versos rompendo águas



o coar melancólico da luz
volúvel, mutável, arrependida
o carácter meridional
a poesia evangélica
insulação
exaurida
no celibato da escuridão
charco
e olhos raiados de sangue
a perda do esplendor
nobre animal à escuta
da pulsão do banal
um homem colossal
no atravessar do pântano
a ciência do céu
o triste vácuo do coração
amputação existencial
completar a espiritualidade na terra
crença viva
o mundo-paraíso

a existência dos anjos impressão
o repelir da alma no altar
o verdadeiro desterro de estar vivo
agonias íntimas
o obrar da lógica grosseira
crónicas de amarguras
sepulturas de padecer lento
tribos de províncias do íntimo
os vastos domínios de povos sem raízes

o cemitério da saudade
esmagar de tributos prostituídos
a terra natal fadigosa de solidão
vamos narrar, habitar não
recôncavo
os tabuleiros da morte
para onde nos levam às fornalhas da decadência
a noite húmida e fria
farrapos de vida
e o bailar solitário das folhas misteriosas

há uma catedral crepuscular
coada de mil cores espectral
e o estampar das sombras
têmpera do homem antigo

farrapos que se erguem ímpios de recordação
das frestas do coração
ainda cristão de arquitectura
do culto de Ódin
o submergir da esperança para os miseráveis
do sublimar da poesia
do despertar de lullabies
mudaste tristeza
o desengano do mundo
o pagar do sorriso em tabuadas de vício
sorriso decorado cantado esquecido
o tempo moldando a solenidade
de uma conjugação vestigial

aprumado à beira-mar o poeta flutuante
o sussurro ondular de trémulos versos rompendo
o trepar dos precipícios
sumir-se nos rochedos
lá ao longe, imóvel, a linha do poema horizontal
e à mercê do vento
palavras movediças de afogamento
subir às alturas do céu
até que o planeta saudade seja seu


e toda esta ira intrépida




curvas e contracurvas de alcatrão em estrada
andar pelo prado, seguir os fios eléctricos
rajadas de vento incómodo em sinal de protesto
na cancela do equilíbrio um corte natural
estampado de flores um poema estando só
para dedos esguios pautados de nylon
mercurocromo em bocados de carne
o polegar pedindo a ignição
somos matrículas de ferro-velho
o miar aflitivo de um felino automático
a tarde de sol chega ao final
os freios accionados
para o abrir-se de um silvo
como gerador
os espaços entre as casas são linhas nos mapas
viajar no silêncio
depósito
esboço histórico de origens
república social numa ideia perseguida de conquista
tinto de sangue
crer fatalmente nas ruínas
que pode formular um órgão?
gigantes de espadachim
a fé sagrada dos ramos enérgicos
acessórios de família
o abuso das perspectivas
a vaidade do imaginário
tudo bons instintos

o palácio das musas
alva nascente nos vitrais da mente
carácter dominante
plúmbeo de coisas ocultas
quando se queima um filósofo na fogueira
a origem divina nas colheitas
o grito proveniente da utopia
recusa e recusará
a condição orgânica
conduta
quando a bruma da cinza mortal
cedendo à corrente ímpea da vida
o alimento da obra de deus
e rumores sinistros
impassibilidade glacial ou glacial patriotismo
a sinergia das convicções
chefe de seita
à Minerva
primo, secundo, tertio
desmaiar no ar dentre braseiro
arruaceira caveira distinta

Dominios, Dominós
o vigor da natureza
azedou-se pouco a pouco
as fases degradantes da ruína
pecados sem freio de um espírito limpo
animal bravio
o atractivo da maldade
se declamasse contra a tirania
praguejar
a expressão brutal da fraqueza
pregar contra os rigores
irmãos infelizes
agente secreto do império traçado
no coração o triunfo das matérias informes
o drama animado da obra revelada

em nome da emancipação dos povos
o comum amor pela liberdade
sou órfão, sou exilado, sou paz
um perverso assunto grave e sério
as palavras desfilando figurativas
esse modelo de pessoa que habita a terra
varrendo para debaixo da pele
a rebelião tem o sabor amargo da solidão
o movimento popular a chegar à hora
e como um bom perdigueiro de caça
escudo para servir de bandeja cabeças de sedição

a ventilação das nuvens
biombos no lugar de portas
poltronas e cambalhotas
o amor fendido em cólera
para dominar a impaciência
o pensamento inteiro e inquebrável
amar aos seus credores
enforca-los na assimetria
de um homem do mundo-fúria
afrontando a morte e o exílio
o duro e frio egoísmo das acções
ao caçador furtivo, o caçador negro
ao som da sua trompa
almas colhidas pelo medo
que sabeis a respeito?

emendai o espectro que nos guia ao abismo
singulares efeitos acústicos no peito
-grito
explorar da superstição de nada
néscio de tamanho médio
ácidos e mordentes
sob o escarlate inferno das alamedas mentais
"Hic motus, atque haec certamina tanta pult is
exigui factu compressa quiescent"

se deitarmos um pouco de areia...
como castelos na areia...
o mar cessa por ti...

as grandes vigas do conhecimento
vergando-se os efeitos do instinto
a faísca razoável das coisas
ao anunciar surdo de uma morte próxima
do mundo




O prédio


o recorte na parede é fidedigno
a silhueta das grades sombras
mudando de posição, pessoas
os pés cobertos de folhas
raios de luz abrindo do céu
lâmina de deus ao sonho

nos vestígios da poeira
enfiando os dedos à película
a janela ao empurrão
agradando o salto a contrapelo

e semiescondido entre as árvores
um velho edifício oficina
de traço sujo degraus de pedra
a luz acesa vermelha

a estranha cúpula
uniforme de ponto branco
o santo lavado a esfregão
como se estivesse atarefado
o quase adormecido rosário
no embrulhar das coisas intermitentes

como um gigante vomitando as entranhas
ondas de granito ao contrário
à velocidade do vento, à velocidade do tempo

fê-lo lembrar de quando era criança
o último alojamento da memória
a última moratória antes do céu

agora a vibração do carril
de uma fascinante intimidade
e pequenos lenhos no rosto

num campo em fogo aberto
a figura atacante da solidão
e dessa massa barulhenta
                 o esquecimento

facilmente o chão podia engoli-lo
não fosse o silêncio ainda senti-lo
                          vivo

o ranger do aço no aço
o chocalhar de uma bengala na escuridão
o invisível maquinista
apertando os lábios à medida
da vibração próxima da terra

as nuvens giram em céu aberto
o som harmónico do vento
a fragilidade em águas agitadas
irregular mas quase musical
carrilhões de vento
o fosso lamacento inóspito
as partes leais ao todo
vigas gastas cobertas de colmo
tubos de latão e a corrida galopante

mas o estalido agudo do vazio
cada compartimento um canto
um resto de uma mesa
um despertador sem corda
e uma prateleira torta

foi uma bonita silhueta
vaidosa lisboeta, no átrio grandes olhos negros
duas vénus ao encontro e uma poltrona de espera
verde opaco floresta, rosa mármore e princesa
o portavoz de uma sociedade de gala
o tiquetaque a cada nova ascensão
que poça escorregadia é a vida

E o corpo dela inclinado ao seu
masmorra
sensual nas articulações de uma arquitectura moderna
de incrível equilíbrio imaginário
nos tendões das suas pernas alicerces antisísmicos
e das suas varandas os mais tísicos seios

das mulheres que não existiam nos passeios

como se fosse um vestido, azulejos
hoje apenas um cobertor de tapumes

quando estavam a retirar os mortos
as moscas voando com um movimento rápido
ficando abatidas pelos esforços
como se um saco de areia, quatro tiros
e longos cabelos endurecidos
nessa mesma manhã as paredes estavam em fendas
vertendo lágrimas
e das madeiras manchas de um santuário
no ciúme da montanha sempre mágica

o cão continua à porta