quarta-feira, 27 de março de 2013

Alma


o meu nome é...alma
o meu corpo é calma
o meu sonho é página
o meu par é..palma

por isso, não discuto mais verso
mas se entre tudo isto ninguém entende
desafio a cada instante um parente
com mais juízo que me explique

o meu nome é quem. quem te esperou
com sorte, te levou pra certo
persistência e muito dialecto
um dia quem sabe, da tua palma voou,
e tu superaste o peso do sou

então se somos dois, e depois?
perguntas? eu respondo! ombro quero
olhos nos olhos perfeito e sincero
resolvi isolar frases que não entendo

por exemplo a título de conversa
sabes quanto pesa uma moeda?
como aquela cena de alma gémea
se sabes porque não compras uma?


falar de alma, palavra validada
porque me parece interessada
em ser explicada, dissecada
retribuída ou emprestada

aliviada de tanta dúvida, duvída
de lima, com a devida ida lida
porque cada pagina é perfeita
porque na escrita foi vivida

uma barco no cais aguarda por destino
para te levar ao fundo, um submarino
aéreo porque é lá que tens mundo
nada disto é serio se não fores contigo



o meu nome é... aviso
o meu medo é...delírio
o teu segredo é..comigo
o nosso destino é...não sei


e porque tão poucas coisas sei
deixei que a discussão fosse mais longe
entrei um pouco nesse horizonte,
dei um toque na ambição e na fonte

descobri que entretanto me perdi
se consumi demasiada palma?
sempre vivi na calma da página
como se uma alma fosse assim ...

Ama Lia


Uma  nota quando bate, sozinha é pouco
É sinal de que alguém, já abandonou o posto

E o destaque instala-se,como fogo posto
e na outra face, estão todos os outrosssss


se não me entendes eu explico, bem devagar e fluído
sou laboratório no infinito, teste melódico e impreciso

e preciso de universal, e de uma gota de sal
e de uma roupa que sirva e de uma voz que a vista


melódico frenético, do zero ao inferno
quantas vezes já sentiste que o chão não te resiste?

serás tu quem decide? és escolha ou improviso
se dás luta se resisto, sou teimosa só contigo

batemos certo como verso solto,
encaixamos um no outro, e sabe sempre a pouco

silêncio...do silêncio faço um grito
ela disse que o céu... hoje já foi recolhido

aqui faltam estrelas...na solidão das vedetas
adeus oh amargura, que é no palco que está a luta

e é na rua que ela se cruza, que é do povo que ele abusa
e do silêncio se alimenta, oh grito, fala mais alto que o medo!!




que tudo pare à nossa volta, que se misturem as notas
agora é que eu percebi, que a paz não está nas horas

nas vagas, nas mortas, nas rápidas, nas lentas
que é no entretanto, enquanto me foge o tempo

mãe terra, deixa me estar, eu fui plantada à beira mar
numa gaivota, rua deserta, numa encosta ou à janela


Um sonhá cantá num palco, Um estréla corrê na céu
e eu fui atrás do meu, como se sem ele nunca nasceu

amar ao verso, não tem regresso, vicio qué vitalício
corre na veia, é como teia, ele respira, nós é o ar

vai dar tempo pra crescer,entre um verso e um som disperso
vai ter espaço pra arrumar, vai ser bom é como amar


é agua morna de salgada, cada asa que na mágoa se deita
se hoje é fria, sem esperança, amanhã encanta porque romântica...semântica..mágica!!

EXpresso da Madrugada


É o Expresso da madrugada
sobem passageiros              
assassinato de um conhecido
vêm jornalistas e curiosos
muita notícia especulativa
alguém matou gente
arma branca, esventrou garganta
no peito, uma facada afiada
o motorista fugiu pela calada
e o bófia faz de conta, que é nada


É o expresso da madrugada
       
vitoria correctiva
Cosmofobia, raposa velha
o cego e a venda
o leitor e a legenda
avante na ponta da lente
Quem lá passa não leva nada
Quem lá passa não leva nada
que a desgraça, pesa tonelada
é tragédia, em terra sem rédea
notícia sem sílaba verídica
medida que peca por tardia
cosmética para magistrados
o crime tem novos retratos

memoria colectiva, vitoria correctiva
Cosmofobia, raposa velha
a venda
o leitor e a legenda
avante na ponta da lente

Espero por ti, sigilo, zelozo
arranjos ou concertos,
trabalhador, honesto, procura, executa,
vidente ataca ladeira,
semanário, quadro idílico,
mediação, cabecilha,
100 km de fuga, perdeu-se, controlo
é crime, calote,
eu número, de sorte
fantasma, assinatura de um crime
lei pouco severa
enforcou amigo e saiu para comprar vinho
Assassinato de um conhecido


Deixo no páteo uma carta
na teia de uma tarântola
Ecléctica, Esquelética
da cartola sai fonética
canais, temáticos
pombas, macacos, palhaços mágicos
sigílos, bancários, vasto património,
negócio fechado

É o expresso da madrugada
quem lá passa não leva nada ( objecto usado)
É o expresso da madrugada
quem lá passa não leva nada


Séculos e Artigos, e uma garrafa de plástico
ampulheta invertida, lógica do guardanapo
veio a coca-cola e o hamburguer no prato
e a vermelho o passeio, silêncio temperado
o inimigo está entre nós, falemos de perigo
contágio, suicidio, contacto
oremos pelo consumismo, longa vida ao capitalismo
um brinde ao sensacionalismo,
isto sim é jornalismo


Jantamos aqui, ao lado, aquário peixe-mecânico
os anjos respondem, querida entupi o processo
de fato e gravata, casamos, nesta quarta
amante, filho e sarilho, ao fundo da página
isto sim é vida prática

É o expresso da madrugada
querida mãe da velha guarda
onde escondeste a chapa
da máquina que movia batalha

Ultra-Leve


é legitimo perguntar, quando está de partida
ultra leve tao fragil, assim é uma vida
como este sonho no limbo, acima de mim um fado
como se fosse só mimo, em bebedeiras de abraço

e uma nuvem escura,  cresce sem levedura
tontura de mistura,  ja nada nos segura
a queda e o voo, e o vou em queda
tao depressa lá em cima,e à terra convida

ultra-leve material, como folha de papel
ultra som animal, na frequencia do mel
e não não digo, descobre tu sozinho
cinza na coisa, se queres coisa extinta

ninguem te vai roubar, o que nao tens pra dar
ninguem te vai querer, o que nao sabes ser
no delirio de um sopro, eu corro como louco
fecho o livro do ciso e abro o riso do ismo

a palavra é candeia,na farsa da aranha
vou ficar de centinela, ate mim ser certeza
nao me passem a perna, nao me façam de parva
nao acredito na fada, nem na bruxa da desgraça


doce ou travessura, no amor e na revolta
utopia a armadura, babilonia sem cura

e dura e dura....cinzenta
humanidade concreta, deserta

vai e volta num pé, tenho fé numa bola
tenho o campo vazio,solta e joga comigo

e e é tao suave e leve
e é tao doce e breve
é é tao alto o voo e é tao longe a queda

mas se assim nao fosse nao valia a pena

Miss Tédio


eu conheço-a, ela Miss Tédio
haverá algum remédio?

Ela Miss Tédio, Mestre de Bloqueio
toma conta de mim, em dia de volteio

e tudo é tempo, que me prende no casulo
on mundo prefiro,
cidade feliz, París que Deus fez
fantástico circo,

diz me quem sou, nesse mundo de mentira
sim clone e fotoshop, avatar idealista

e no terraço, de uma casa na praia
diz me que me amas e serei apenas tua


ela Miss Tédio, mestre de enredos
haverá algum segredo?

ela Miss Tédio,    que me suga e envolve
3 da manha conecto,   hoje sou o Alberto

Tóquio ou Madrid, procuro por ti
donde teclas?tas vivo?
tecla comigo, indivíduo esquisito
bola oito,

alvorada fantasma, desacredito de ti
tenho calos nos dedos,e olho fechado

não quero mais filtro, realidade pirata
janelas sem rosto, oh vida programada


e no terraço, de uma casa na praia
diz me que me amas, e serei apenas tua



Vida de Insecto


as memórias são flashes de sensações remotas,
sem resíduo diurno,os silêncios são devotos

ca dentro tudo se cala, declina ao absurdo
atrasada penetrância de uma suave fragrância

sinto no corpo do outro o perfume do estranho
quero entrar, não quero deixar,
quero voar, não quero largar

escapam-se vozes sem contradição
disparam-se defeitos  contra muros de betão

a paralisia encara de frente a multidão
clicks em formas de susto, o medo alimenta a custo

cortes, abusos, surtos de engenhosa capacidade
 na vertiginosa cidade que nos ensina sem método

o ponto da imagem que não sustenta o corpo,
 a fuga da persistência no sonho

passo a passo, o recuo é gravidade, ao centro perfurando a origem
sinto vertigem em tudo isto, o buraco é mais fundo quando acredito

são voltas sim senhor, nas voltas do senhor, às voltas por favor, não voltes

paz.. é tao dificil sossegar, o sopro no zumbido da inquietude em aviso
tenso..doloroso,é um processo extenso, demasiado pesado, em suspenso

fecha os olhos, dá-me colo,avisa-me quando for a hora de partir...


deixa, deixa que aconteça,hum, deixa  deixa que aconteça

 em viagens, em queda sem rede, são teias
conjugados trapézios de sedas perfeitas
 baralhados em piruetas de volumes perfumes

deixa, deixa que aconteça, deixa, deixa que aconteça

já coleccionaste postais em branco? quero ser o destinatário
sem eco pelos cantos é barraco sem tecto,
avança escuta avança escuta
é vida de insecto, é vida de insecto

em viagens, em queda sem rede, sao teias
conjugados trapezios de sedas perfeitas
 baralhados em piruetas de volumes perfumes

deixa, deixa que aconteça, deixa, deixa que aconteça

atraído envolvido pelo entulho do mundo,  
é profundo afirmar: como é lindo estar vivo!
avança escuta avança escuta
devagar, hum hum hum  devagarrr

Pregão

e as bruxas la do sitio, dizem que se apagou
coisas que se mudam, que se trocam ou se vendem
sabes quantas patas ,tem um gato ou tem um cão?
então porque não contas, os dedos da minha mão? 

são cincoooo, cinco sentidos em colisão
pirilampos de néon, a luz cega na escuridão
sou víciooo, e demência na multidão
quem dá mais, último prego em leilão
quero tudo, tudo é meu, é meu
não dou nada a ninguém, é meu

olha sardinha, boa bela e fresquinha
olha a sorte grande, só sai ao vigarista
olha a colher de pau e o cv emprestado
olhó cuidado o bolso, é a pata do coelho 

mér-c alecrim, mérc ao molho do nabo
mé cá restia de olhos vivos
meca à vista, bacalhau com espinhos
ricos marmelos, ó par de melões
pere lá  patroa, a vintém o quateirao
ricas pernas, a que horas fecham?

a que horas fechamos...
o lugar do depois, deixo reservado  na folha
nunca terei horas solas,  nocturno opus 2

versão infernus caotic now,
ele está em toda a parte, e ninguém diz não!

Basta, basta de loucura implantada!!
por cima da minha cabeça paira o país do nada
e as bruxas lá do sitio, reclamam a conta
coisa que já não muda, que se assume como certa

sabes quantas patas tem um gato ou tem um cão?
não interessa pois não, é o pregão do apagão

Pisado, usado e festejado sem afecto. 
Agora tudo faz sentido, com este cravo no peito
 

Meu País

Onde está o meu país? E se eu me chamasse Alice e o meu melhor amigo fosse um coelho? Trocando Chopin por Bach, onde me sento em teclas e elas viajam-me para trás. De costas, lá no alto, as nuvens são continuidade de céu. Para trás, de costas, e deixam-me sentada numa cama, baloiçando as pernas encostada à parede do quarto. O meu coração quis viver e enganou-se, enganou-se e partiu-se em mil pedaços. Nesse tempo era eu criança, e o amor era uma coisa estranha. Nesse quarto o nosso espaço era crescendo, era descobrimento sem vontade ainda. Para sempre. Como as variações nos mudam. Tricolor voo com dor. Não quero uma só fatia, quero o bolo todo. Na cafeteira onde a malagueta apimenta uma paixão adormecida, tu pediste tudo, depois de eu ter ficado sem nada. E eu dei-te apenas corpo. Uma última vez, com gosto de sal, e uma ausência total de amanhã. Oh esse meu país, estrategicamente mágico! Onde estás tu agora? Não te vejo na rua, não me cruzo, será que ainda vives aqui? Rodopiando em arco-íris de vida, a minha saia gira à tua janela. Já tão pouco resta na minha memória. Como se a nossa vida fosse um novelo de cordas, abertas, e eu escolhesse chegar à ponta de cada uma, uma a uma, esta vida seria tantas e não uma. E tem sido. Ora Alice, olha agora. O coelho moveu-se para a esquerda. E lá estás tu, a passear o teu filho. Nessa rua não seria feliz nunca. E o quarto fica às escuras, está na hora, eu vou. Nas teclas negras eu assento e para a frente viajo. Ainda não posso avançar mais. Então eu desço à minha porta. Despeço-me do vento e das notas. E subo as escadas. Sem olhar para trás. O meu país...não tem maravilhas não, mas tem um coelho branco que me sopra ao ouvido...dá-me a tua mão e vem, está na hora. Não consigo ainda, porque não consigo ver em frente, lá estás tu...num quarto escuro baloiçando as pernas numa cama de amarras eternas...O meu país..não tem maravilhas não, mas ainda me tem a mim. Mesmo assim, sem querer viver, enganando o coelho branco.  

terça-feira, 26 de março de 2013

Rebel

Santas. Mantas. Tem batom no colarinho. Beijo na boca indecente meu menino.
E essa flor que trazes na mão, chamas a isso arranjinho? Mel. Azeite e Limão.
Enervam o homem que não dorme. Abraços melancólicos por baixo do colchão. 
Capítulo de uma biografia inacabada. Palma lavada na beira da estrada e então?

Não sabia dançar e não cabia nos sapatos. Esse pé não é Cinderela bebé.
Obviamente cada um iluminou o chão. Lanternas intermitentes, stop op 
Por pouco não pisavas o meu coração rapazote. Anda puxa a alavanca .
Lá em baixo os labirintos são brincadeiras de criança, policia ou ladrão?

Mega Rebelião. Gorjetas para o ego do último a chegar ao intelecto.
Calma, dois dedos e uma boca ainda molhada. Giratório, abyssus isso!
Agora, cobre-me com a manta, beijo na boca já sem sentido, santa?
  


 



Vem comigo

Vem comigo. Faz a tua mala e parte comigo. Aqui as luzes da cidade deixaram de brilhar. Eu quero ir contigo. Mesmo que nada disto faça sentido. Enquanto escrevo na minha sala sozinha e a cadela dorme à minha beira, o tempo encosta-se na linha. Espero. Não tenho muita paciência para esperar mas espero. E enquanto espero escrevo. Escrevo para que o tempo passe depressa e tu decidas partir. 

E o comboio corre. Para trás fica uma paisagem de desespero. Árida como planície alentejana. O futuro não importa porque não existe. Aqui e agora, é tudo o que temos. Os sonhos caíram na derrota. Uma luta que foi perdida à nascença. Viajantes, é tudo o que podemos ser. 

Não sejas um estranho para mim. Quando nos embalamos no silêncio escuto o teu coração. Ao contrário das tuas palavras, os teus olhos chamam pelos meus. Ligação humana, é só o que te peço nesta tarde de chuva. Há muito tempo que chove aqui. Mas nós temos tempo, quando não existe futuro, temos todo o tempo do mundo para nos embalarmos. Não partas, se queres saber o que penso. Anda, faz a tua mala e parte comigo. Não penses mais nisso. Para trás fica tudo o que não foi possível. Mesmo sem sonhos, podemos viajar dentro de nós. 

E o comboio pára. Saí sozinha na estação. Eu  e as minhas palavras. Saí pesada, carregada de mim mesma. Corro sem olhar para trás. Corro tão depressa que vou perdendo tudo o que trago..roupas, dinheiro..livros..identidade..sou só corpo em movimento..correndo. E também a minha mente se vai despindo...de tudo..livremente vazia. Corro até cair de cansaço e adormeço. Em qualquer canto do mundo, durmo. Livre, como criança no ventre.   À espera, de renascer. 

Por isso, peco-te uma última vez, vem comigo. Na próxima estação, o comboio espera por nós dois.


sábado, 23 de março de 2013

Valsa Final



E o piano começa a tocar. Abismal, sinto a beleza nos seus pés.
Escuto a respiração de alguém, olho para trás..
a casa está vazia e a voz regressa..tão bom, tão bom..
Eles avançam. De mão estendida escolhem a sua bailarina. 
Ela branca, na delicadeza de um sopro rodopia pela sala. 
Afunilando cada memento, todas elas são ela. 
São jardins de begônias regadas de frágil atenção. 
Ela dorme agora no embalo de um adeus.
Que pode ele escutar senão a saudade? 
Talvez, talvez...uma última dança na quebra da folha...
Segreda-lhe ao ouvido, amor.

E o silêncio começa a quebrar. Quieto, sinto a paz nos seus olhos.
Escuto a respiração de alguém, olho para a frente...
a casa está completa e a voz regressa...tão bom, tão bom..   
Elas avançam. De mão estendida escolhem o seu par.
Ele negro, no triunfo de um gesto,corre pela sala.
Abstraindo cada momento, todos eles são demais.
São desertos ardidos de paixões feridas.
Ele sonha ainda no aconchego de um adeus.
Que pode ela escutar senão a solidão?
Talvez, talvez...uma única dança no virar da página..
Grita-lhe ao ouvido, agora.

E a palavra começa a faltar. Inferno, sinto o frio nestas linhas.
Escuto a respiração de alguém, olho para dentro...
a casa está de rastos e a voz regressa...tão bom, tão bom..
Eles não existem. De sombras varridas escolhem outro lar.
Transparência, na ausência de tudo, foge pela janela.
Absorvendo cada momento, tudo foi e partiu.
São lugares possessivos de verbos proibidos.
Eles não sabem tudo isto...
Que podem eles escutar senão a ilusão?
Talvez, talvez...nenhuma dança nesta vida...
Silêncio ao ouvido, nunca.

Verso Solto



Deixa o meu verso solto.
Peço-te, parte com cuidado.
Para que não se estraguem
as imagens desses dias
das carícias, das palavras,
mas eu peço-te com carinho
parte, antes que seja fraco.

Que eu não posso viver envolto
não conheço senão outro,
este verso solto.





Sem sono. Dentro de um livro de um poeta amigo estava uma folha solta. Intitulada "destechãopisado", comecei a ler e as palavras pareceram-me familiares. Sem assinatura e impresso, não consigo identificar se é meu ou se alguém o deixou dentro do livro. Talvez seja meu. Poeta amigo. Não nos cruzamos há anos. Nas tuas palavras reconheço ainda algo de mim.."separamo-nos nessa noite tão frios    na proximidade inventamos uma distância". Que distância é esta que nem as minhas próprias palavras reconheço? Que abismo esse que me consome o tempo e me deixa desconhecido? Talvez não sejam mais minhas se não as reconheço mas aqui ficam...

in "DESTECHÂOPISADO"

Já se ouve lá ao fundo o estertor carregado do vagão bruxuleante. As cabeças cirandam entre o túnel profundo e o grande relógio digital. Sinto dentro dos casacos, dentro da pele transpirada dentro do cansaço, dentro das dezassete horas que o relógio marca. Sinto a inconsequência trágica de mais um dia que termina...
Chega então com o zurro estridente do metal: as portas abrem-se, as pessoas atropelam-se com uma impaciência desastrosa, como se a pressa lhes reservasse um lugar. 
Ninguém fala. Escorre vagamente um rumor insólito, entre o atropelado egoísta e o "Deixa passar que a senhora vai grávida!" Deixo-me ficar para trás, sou o último. Não entro. Liberto a minha falta de capacidade para os convívios absurdos. São dezassete e dois e consegui decidir tudo isto nos últimos doze segundos. Começo a ficar afectado.
A estação devolve-se novamente ao vazio deste lugar subterrâneo. Nada, de facto, aconteceu. Restam meia dúzia de pessoas atrasadas resmungando para se justificarem a ninguém. Nenhuma delas compreenderia o que acabo de fazer, e cortariam um dedo para estar no meu lugar e ter entrado. Faltam agora dezanove minutos. Não tenho sequer coragem para folhear o caderno que trago comigo religiosamente. Felizmente ninguém repara consideravelmente em mim, ao ponto de desvendar a minha ansiedade. Para estas pessoas sou apenas mais um, não passo de uma parcela da soma. Resolvo sentar-me no chão, salientando a minha indignação contra este mundo deprimente. Desço a cabeça sobre os joelhos marcando a minha atitude não passiva. Resta-me ficar nos azulejos frios. Não faço nada que nunca ninguém tenha feito: desapareço na sombra estagnada dos dias.  

terça-feira, 19 de março de 2013

Vejo que a aranha me deixou intrigada. A teia emaranhada de catarse pós colapsante.  Desafio esse animal a contorcer-me de estabilidade. Cada intersecção é na verdade um paralelismo embaraçado  de repetição. Crer que seria a primeira vez é a inocência a rir-se de mim. Na malícia do veneno fantasioso, que afinal temos todos. Mas nem todos ousam penetrar no território dela. Medo petrificante de ficarmos cativos na ausência do livre arbítrio. Aplausos para mim. Insectos hoje enchem a casa de inveja. Mas qual é a estratégia? Rede de trapézio conjecturada numa ideia tão pouco convicta. Uma máscara que não convence a quem  está do lado de dentro. No improviso de cada filamento de graça, ela apresenta a próxima estrela. E eu estendo o dedo e apenas lhe vejo a ponta. Estava ao alcance de uma fé tão pequena...Esse gosto pela perdição, faz de mim tão fácil presa. Sou eu o buraco da teia, em mim caem os segredos da plateia. E nela ficamos suspensos de vida, suspeitos de termos sido apenas uma farsa. Mas se assim não fosse, não valia a pena. Avaliando o risco, deixo apenas uma vénia e um sorriso. 

Na mão de ...

Pedaços de partes que partem sem darmos por isso. E a água corre pela terra a dentro. De volta a ela, como filho ao ventre. Tudo tem um sentido e um movimento que lhe assenta bem. Se nos deitássemos por momentos na mão de Deus e repousássemos o espírito... Como um colo dado a um tolo. Só os tolos precisam de amor? Ou só eles acreditam nele? Vejo que um anjo me pergunta a idade? Sentado na minhas costas..respira em comunhão com a terra. E eu também quero estar assim. Em paz. E as nuvens cinzentas baralham-se no céu. Cobrindo e envolvendo a imagem da perfeição. O piano toca insanamente. E o calor infernal toma-me a pele. A queima por dentro. Levemente, ele deixa-me cair. E a queda é rápida e dolorosa. Sinto cada parte de mim quebrar-se no embate da terra. E sementes regressam a ti. Pecados apetecíveis passados em horas contigo. O carrossel da vida, circulando colorido pelos momentos em espiral. Os meus dedos percorrem os teus. Procuram o rosto dos desagregados. Deixados ao acaso do caos instalado. Ah Chopin nocturne, é assim o amor no teu corpo. Leve e triste e terrivelmente tentador! 
E o anjo pergunta..onde deixaste o teu coração? E eu respondo..na mão de Deus! 

Amor de Irmã

Ana sobe e desce. Num raio de sol, os seus cabelos desenham pedaços de sonho no céu. Para cima e para baixo, as suas pernas empurram mais depressa. Se fossemos duas não estaria a olhar para um lugar vazio. Fechou os olhos e procurou um rosto. A sua irmã apareceu, pequena e gordinha como era aos cinco anos. As duas sempre pela mão uma da outra, como se fosse o seu bebé. Eram inseparáveis. E tinha por ela um amor de protecção que ás vezes lhe dava vontade de chorar. Como quando via outra criança a chorar, chorava também. Mas se fosse com ela mordia os lábios e nem uma lágrima. Catarina podia sempre contar com a irmã para tudo. Hoje...senti-a distante e indisponível. De vez em quando, em situações muito difíceis a irmã aparece e como quando era em criança, dá-lhe a mão e o coração. 

Esta noite tive um sonho. Em dois momentos diferentes. 

Uma casa pequena anexada a uma grande. Agora Ana recorda que foi a primeira casa dos seus pais onde viveu os primeiros meses. Mas aqui, a casa era sua. E morava com alguém. E tinham lá dentro tudo o que precisava para ser feliz. 

A casa é agora grande com imensos quartos, quartos tão grandes que cabem duas camas gigantes. Como quando partilhava o quarto com ela. E ela estava lá. Mas aqui é uma irritação grotesca que lhe toma o estado de espírito. Não tens o teu próprio quarto? Porque tens de estar no meu? E essa é a minha cama..já te deitaste? Não, sai daqui! Vais trazer convidados? E ficam para dormir? Trinta pessoas? Estás completamente louca!

E num terceiro momento, já entre o acordada e o sonho ouve alguém dizer-lhe: Tu sempre foste o ídolo dela. Ela sempre quis ser tão boa em tudo como tu, ela só quer estar contigo. Ela só quer a tua companhia.

 E aquelas lágrimas que as outras crianças provocavam nela em pequena, essa vontade imensa de chorar sem saber porquê voltou. Como uma imensa piedade por alguém mais frágil e que precisa de protecção. 

Acordou. Com a cabeça pesada e uma necessidade enorme de ligar à irmã. Estás bem? Estás a trabalhar? Quando nos encontramos? No outro dia ao telefone disseste que estavas a sentir-te só e sem amigas e eu não liguei nada, também me sinto assim..porque não nos encontramos? Lembras-te de como éramos tão próximas? Sim. 

domingo, 3 de março de 2013

Pela janela penetrava borialmente, como se convidasse o frio a entrar. No quarto o estado de espírito era escrito com luz. Suave na transparência de uma cortina esvoaçante. A fragilidade dela sobre a cama. Despida de sombras, as palavras deambulavam obliquamente adormecidas.

- O meu corpo é uma bola de cristal, adivinha-me o seu desejo...desejo...desejo...
Sente melancolia sem definição. É um quarto onde esquecido ficou todo o amor do mundo. As flores que não eram para si dobravam-se no tempo de uma espera infinita. Roubadas aos anteriores inquilinos dessa cama. Nos lençóis amarelos o perfume da mulher era lugar de mofo. Antigo, tão antigo como essas horas que antes foram segundos. Na mesa de cabeceira o relógio quebrara-se nas duas horas da tarde. Ao lado, um copo de água.

No parapeito da janela está um pássaro cor-de-rosa do tamanho da sua mão. O mesmo que noutra história lhe mostrou a maravilha de não estar só. Enigma do abandono da sua imaginação. 
 - Mas se está a janela aberta, porque estás só?

Insolvência dos muros que compunham essa redoma. Acreditou tanto nessa ideia que acabou consumida por ela. E ela convidou vários a entrarem, tantos que o seu corpo já não distinguia o corpo do outro. E dentro de si encerrou toda a imaginação. Na fantasia de estar mais perto do mundo concreto. 

Dorme ainda serena. A sua alma é uma viagem rumo incerto. Presente mas fria. O pássaro avança e toca-lhe no rosto. Pálidos, os olhos abrem-se e encontram-se. Os dele movem-se como se lá dentro girasse o tempo de uma vida. A mão dela toca-lhe. A penugem é doce como algodão. Levanta o lençol e pede-lhe que entre. Que se deite sobre o seu coração e o sinta. Ainda o sente. 

Bebe um golo de água. E o pássaro avança para o copo. E no limite do vidro, mergulha de cabeça. E o coração dela bate, então, acelerado. Levanta-se, com o copo na mão e o pássaro lá dentro. Abre a torneira e enche a banheira. Água quente. Deita-se e junto de si, despeja o copo. E os dois mergulham e nadam agora avançando pelo profundo oceano. 
Dias, semanas, meses...subaquáticos. 
No silêncio é o choro da baleia distante que guia.
- As baleias também choram, não sabias?- e ela respondeu-lhe que nunca o teria imaginado.

Dias, semanas, meses...subaquáticos.
E aos poucos ela começou a sentir o que antes no quarto lhe tomava o espírito. 
-Quero regressar? Tu ficas?
O pássaro olhou para ela e sentiu uma enorme compaixão pela sua perda. Não havia caminho de volta, não havia como regressar à vida.

Nesse momento, a sua alma partiu.