Ela:
A folha em branco é tal e qual a vida quando se decide recomeçar. E até que ponto isso é possível? Vai-se rabiscando qualquer coisa mas sempre se pára a meio lê e apaga-se. Porque de cada vez que se tenta, o início é muito mais complexo do que o anterior, e o medo e o passado contaminam toda e qualquer continuação do ponto inicial. Então entregarmo-nos por momentos é vertiginoso, baixando a cortina da defesa, como crianças nuas e expostas ao mundo, o abismo é medonho. E recuamos e fechamo-nos. Numa concha inacessível sem pérola nenhuma bonita por dentro. Só fantasmas. Ser livre. Que logo depois da liberdade o ser humano se inquieta e se prende. E como se fosse simples deixa-se levar. Ao sabor da corrente porque de início se sente extasiado. Mas aos poucos qualquer coisa debaixo do tapete vai surgindo sem ser pedida. E vai crescendo e corroendo o conforto que sente na ilusão. E vai destruindo-a. E volta-se ao isolamento, até podendo ser passageiro, mas recua-se para procurar a calma e a paz do nada. Da esperança, do acreditar, tem esperança de recomeçar na página seguinte ou até ainda na mesma. Dependendo do sentimento que desse isolamento consegue extrair.
Os caminhos da solidão conduzem-nos muitas vezes a lugares confusos, sombrios, inquietos. E o controlo tem que ser absoluto para não nos perdermos por atalhos fáceis. As coisas difíceis são de uma forma geral as mais prazerosas. Mas as pessoas simples não concordam com isso, afirmam que a vida é fácil agente é que complica. De uma forma geral, nunca a senti assim. Por momentos, enquanto me deixo cair sobre os teus braços. Fechando os olhos e apenas escutando a tua alma respirando em simbiose com a minha. Até que me levanto e a vida segue em frente. Ela segue e eu por qualquer motivo fico retida num limbo de pânico, em solidão. Já reparaste que o caminho a descer é sempre o mesmo? E mesmo assim insiste-se em fazê-lo às escuras para não o decorar. Para lá voltarmos vezes sem conta. Como voltamos a essa folha branca, porque branca não está bem. E se estiver? E se for a última página? E se a pressão rebentar com a lombada e as páginas se espalharem todas e por buracos do chão se perderem de vez. E se? Apenas mais um se, a juntar-se a todos os outros que nos paralisam.
Ando por aí, um pé aqui outro no além. E não digo a ninguém. Nessas paredes por onde escreveste, choveu tanto que não cheguei a saber, da cor das tuas palavras. Será da cor da mágoa? Será da cor da saudade? Será da cor do vai-te embora? Será da cor do não gosto de ti? Será da cor do medo também?
Ele:
Ela é gira, sabe fazer coisas doces nas orelhas, é meiga e calma. Mas será que é ela? Não haverá por aí outra que me encaixe melhor? Uma mulher assim e assim e assim é que eu queria. Vou magoá-la e encosta-la a um canto, pode ser que se vá embora? E depois, ficamos novamente sós. Entregues a um vazio impossível de suportar. Demasiado longo para não pedirmos ajuda. Infernal ao ponto de não suportarmos a angústia. E procuramos pelos suportes, os mesmos que sempre tivemos e nunca abandonámos para nos apoiarmos e não haver sequer queda nenhuma. Será que ela foi mesmo? De vez e não volta? E porque não paro de pensar nela? Se não me interessava...Estou fodido. Que se foda. Pode ser que ela venha atrás de mim. Se gosta vem. Sabia-me bem agora um carinho mas depois era uma chatice. É melhor é ficar quieto no meu canto.
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