-Ela só está com uma quebra de tensão já lhe passa.
E a outra coloca-lhe a mão sobre a cabeça e insiste
-Agarra a luz. Não te deixes esmorecer. Agarra a vida.
Embalada pela voz, confortável e calma, deixa-se ir e assim voltar pouco a pouco.
E o enevoado da realidade vai-se redesenhando conseguindo perceber os contornos do que está à sua volta. Eu comecei a sentir me tonta e deixei me levar. Talvez quisesse partir.
As pessoas iam chegando e viam o estabelecimento fechado. Não compreendo, hoje é dia de estar aberto. E ela vê na sua mão um rolo de papel higiénico riscado azulado. Levanta-se devagar e começa a andar deixando a ponta esvoaçar pelo jardim a fora. E mais intensamente, começa a caminhar mais depressa desfiando o rolo todo como serpentina, pensou, que coisa linda. Dançando enlaçando-se de cor e vida. E ao olhar em volta, já não estava no jardim e sim na sua cidade natal, numa rua estreita. A porta é agora a porta de onde se escutam instrumentos afinando-se e cartazes vermelhos anunciam a festa pelas paredes. Estão a preparar-se, a cidade inteira vai estar em festa. Estou feliz por estar aqui. Percorrendo as ruas sente o contágio da azáfama da vida. Flores de papel enfiadas em cordel elevando-se pelos cimos das janelas, música crescendo de todo o lado, gente correndo carregada de comida e bebida, tábuas, muitas tábuas para se construírem cabanas na praça. Agarra te aqui, pensou, aqui, onde cresceste, onde já foste feliz, agarra te à luz da infância e dos momentos de criança. Dança com todos eles, esvoaçando te por entre estas paredes caiadas de branco, floridas e musicadas de gentes boas.
E a voz de antes regressa. Anda, tenta levantar te filha, devagar para não caíres, apoia te em mim. Hoje está fechado. Tentamos outro dia. Vamos a outro lado. De qualquer maneira também não te faria bem vir aqui tão cedo. Não tão cedo. Vamos eu ajudo te. Venha tia, ajude aqui a menina.
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