sábado, 29 de junho de 2013

gosto de olhar
para as minhas tralhas
como tu dizes
aí descanso o meu olhar

e aí tu foste colocando
nas prateleiras dos livros
bonecos e robots

então tudo
vai fazendo sentido
não esquecer de brincar
porque poeta
não é só livros

meus olhos que levem

a carruagem deslizando nocturna
zigue zague e zombies de fraque

tanques de combate em magia
e coelhos saindo à ultima hora

batendo de frente papel de cenário
que ao rio se entregam horas de vidro

do outro lado o oráculo de Deus
onde rosas ao manto acostam

meus olhos que levem
meus olhos que levem


a carruagem deslizando nocturna
a morte maçuda a trote

e amendoeiras desabrochando
chibatas e pistolas em ácido

na febre a lebre de batina
a língua pastosa fendida

criaturas das entranhas
entrando e saindo pelas traseiras

meus olhos que levem
meus olhos que levem

a carruagem deslizando nocturna
mistificação de dor física

trevas reais ao longo da pista
tépido céu de lunetas à tona

cidade pecadora extensa
na linha divisa persianas

de crença paladar sentença
entrando e saindo depressa














a baixa está escanzelada
nada de definido surge na bruma
quero sentir-me limpo

nódoas de sebo vejo
nesse paquiderme emoliente
a procuração do demónio

assente: eis que penedos
em pleno teleférico
seu riso histérico passeio

arcanjos vencidos
de trigo moídos a nada
e na última badalada

a parcimónia alada:
quero uma poltrona
de pedra
quero moelas
e grilos em caixas
de fósforos









-estás a escrever?
-estou
-então des creve me
-és delicada, pescoço esguio
-e como guio?
-ora bruta ora doce
-queres entrar?
-já passa das onze
-sendo assim ...

ficamos por aqui

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Inflexões

Polícia Internacional e de Defesa do Estado a.k.a Autoridade Tributária


Cluster Portugal

Ai Portugal Portugal
ser o tal cereal
que se afunda na malga
amolecendo-se a alma





O serralheiro

O serralheiro tem andas
e telescópios nos olhos
e carnívoras plantas nas palmas

O serralheiro é hipnótico
encantador de ócio
sanguessuga de alternativas

O serralheiro é penetrante
incansável gigante
faminto de fantasias

-corre! foge! esconde-te!
no labirinto da fonte, perde-te

só não sabendo para onde vais
o serralheiro podes iludir
sendo fantasma de ti mesmo
ao serralheiro estás a perseguir





quarta-feira, 26 de junho de 2013

da cama para a mesa
da mesa para a cama
a bateria a ferver
e a chapa da máquina
a explodir

ela e eu
não corre uma puta de uma brisa
diz que a culpa é do telhado
quem me mandou a mim
só vê-la por dentro

e em dias como este
duplico a inquietude
de noite anda tudo pela casa
que a cama parece fornalha

sem dormir, sem comer
a escrita não sai senão palha
Deus o valha que o tempo é canalha
é o sol a ruir ora a chuva a cair
mas onde ficou a Primavera?

-está fresquinho!
é esse mesmo o termo
e ao fechar os olhos o mar
a sombra e o vento

e na minha cabeça
não se calam coitadas
como se agasalhadas
à lareira fumadas
queixosas as palavras

e não se pode desejar
chuva
porque a miséria aguça
então água fria
no regador os pés
e na bacia, a cabeça!

ai pronto

com este calor o que estarão eles
fazendo no parlamento
claro o ar condicionado
mas ainda assim me pergunto
se será suficientemente arejado

estarão a apanhar moscas
ou fazendo barquinhos de papel
comentando o passeio do Herman
aos galapinhos de descapotável

estarão à procura do éden
trapaçanco a matemática
partilhando anedotas no twitter
e apreciando as fatiotas

estarão a pensar em inaugurar
algum hotel top à beira mar
ou nas férias em comitiva
para comentar a situação crítica
pela última geração do iphone

ai fome, ai fome
ai pronto ai pronto
que tédio no parlamento
-senhor deputado
mude de assunto

e porque não cair o tecto
no parlamento dos anafados
como no concerto de toronto?
sim, eu pergunto










abanico

abanico abro e fecho
com uma mão me arejo
e a outra escrevo

abro e fecho
nesse leque de palavras
manco observo

imagens dactilografadas
raio x imaginário
de vidas passadas

e nelas tenho a certeza
de o ter usado apenas
como acessório estético

tal é a aversão
que tenho ao Verão


etiquetas andam às aranhas com letras
como se tudo não tivesse sido já feito
as recombinações de dna emergendo
a cada novo momento alguém nasce

e se uns têm cabelos vermelhos
outros acontecem ser espelhos
e se uns têm comichões lá dentro
outros acontecem ser tranquilos

clássica, metálica, jazzeada
cada alma tem
um ritmo, uma nota, uma pausa
um instrumento que a toque
um ouvido que a entenda

caixa de música torácica
vintage ou moderna
design coração de madeira
onde uma caneta dança
dando-lhe corda e vida

e andam às aranhas
as letras que se acham estranhas
à procura de etiquetas
tocando ao ritmo de outras caixas

que pena
não é a alma que é pequena
é a escuta que é surda



jigsaw

e soam picaretas ao ouvido
homens despidos na obra
a rádio toca piroseiras
e a casa cresce hora a hora

e a miúda aparece à janela
- que é esta merda?

e a campainha frenética
ignorada como é hábito
e a vizinha grita lá em baixo
 - sou eu!

jigsaw abraçando a intrusão

a cidade está braseira
e a paciência já deu tostão

voltando lá dentro
e um cigarro para o tempo
que inferno de aquecimento
tudo rima com ardendo!

jigsaw abraça-me o cénico
cliva conciso o periférico
faz-me silêncio ao ouvido
tudo rimando com íntimo!










pixel de um puzzle de dentro
retrato de um acto cadente
amorfia em pedaço de gente

pincel de um génio doente
colocado debaixo do tapete
o ventre do soco do medo

e é já tempo de um enredo
na definição de um segredo
que quer sair do carrossel

pigmento que te deixas
perdido nas deixas do vazio
do momento te levanto

e é já tempo e é já tempo
de te remexeres por intento
e o livre arbítrio volveres

a ti mesmo
agitando tudo junto
e da cinza feia sopa
viveres

anda à roda nada anda
puxa a corda que te atrasa
anda arranca anda zanga

e afoga nessa mágoa
a primitiva essência
da sequência que condena

a tudo transforma
e tu tudo sem forma
que renova sem escolha

ou tu mesmo
negando tudo que sabes
e da cinza feia sopa
acordares

acordares





quinta-feira, 20 de junho de 2013

Babuínos..

são babuínos
roubando ruidosamente à vista de todos
propriedade, orgulho, honra
e a identidade perde idade
nesse entulho de vidas perdidas
tudo em saldo numa montra de mentiras

e numa selva de invejas
de domínio de força de papelagens
vamos dobrando as costas
andando de face junto à merda

não será muito diferente
de um cena de guerra
mas silenciosa e manipulativa
disfarçada de medidas
em nome de uma dita dívida

estamos todos exaustos
e completamente desacreditados
de nós mesmos- não vale a pena!
e a revolta daqueles que fizeram história
não se contém mas a idade já não perdoa
e os novos andam por aí deambulando
ao sopro do que os pais podem ir dando
e enquanto assim for, tranquilo!

os outros, os trintões, os quarentões
andam vestidos de pânico
levando ao colho os novos filhos
e o medo, porque uma família
já implica juízo!

então os babuínos
andam à solta
saqueando tudo em volta
livres de toda a culpa

ditadores de cérebros formados
em cursos de gestão e mau carácter
bem apresentados, bem falados
mas se for preciso, até a mãe leva no rabo!

 - não vale a pena!
A dívida está quase paga não é?

E quem vai realmente solda-la?
Os filhos, os netos, os bisnetos
quando ficarem em casa
e a escola for transmitida
porque professores já era
ou a consulta for telefónica
porque hospitais já era
ou a comida for de plástico
porque a terra já era

já era
 - mas não vale a pena não é?
Ainda vai havendo subsídios para o gasto
empregos e carreiras só emigrando
e de resto, eles é que sabem
porque eles é que mandam








Em Marrocos..

- deseja vir conhecer a nossa feira do livro?
Seguindo o moço, reparei que a porta do meu quarto estava aberta. Olhei lá para dentro e vi acessível a roubo o telefone, o meu e o dela. Escondi-os na pressa e quando saía olhei para aquilo que me pareceu uma estrutura de suporte de um berço. Ao redor procurei por ele e nada, pensei ser para casais com filhos. Havia uma poltrona de verga e uma cama, tudo decorado com o maior requinte. O hotel era um forte em Marrocos. Nunca lá estive. Segui então o moço e sempre à volta chegamos a uma sala varanda redonda. Do género de um primeiro andar com diferentes compartimentos abertos onde se vendiam latões de tudo. Azeitona preta, atum..pensei, então era aqui o bar do hotel. 
Voltando atrás, tinha deixado na praia um grupo de pessoas que vinham comigo. Tínhamos trocado de sítio porque a água estava a subir. Toda aquela paisagem era de uma brancura cegante. A areia, a água transparente e o sol. Como se um sonho fosse dentro do mesmo. Quando o moço nos abordou e eu o segui chegou-me o pensamento de que não era desta que mergulhava, este ano não tinha ido à praia ainda. Mas qualquer coisa naquele convite era mais forte. Um mistério como se eu estivesse em busca de algo que nem eu sabia o quê mas de uma missão urgente se tratar. Fiz por acordar quando chegámos ao fim do primeiro andar do bar de latões porque me perdi com alguma coisa que já não me recordo. Acordei e estive a rever para trás, perdendo precisamente esse momento. 
E uma estranheza no peito tem-me acompanhado no café e no cigarro da manhã. 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

a vida é só de passagem não é?
pavão para que é a última colecção?
tesos até ao osso e cheios de ouro
perdão, latão, blow this bling that
ma dread olha te ao espelho
já sabes o que tens por dentro?
os putos não entendem o exemplo
e se te copiam o estilo, ai cristo!

a vida é só de passagem não é?
o que diz a tua mensagem?
tenho procurado entende-la
mas tirando a roupa e o flash
a pose e a vaidade, e a verdade?
quem és tu? não sei se cheguei
algum dia a tocar-lhe e se amei
um homem que despido, era bonito

o rei vai nú
vamos leva-lo ao colo

















não serão precisas falas
nesse diálogo de corpo

nem lençóis ou cama
céu estrelas ou tempo

palavras bonitas ditas
prometidas e fingidas

não serão precisos
sequer olhos abertos 

mãos que sabem o caminho
seguindo o ritmo cardiaco

gemendo suando em delírio
de um encontro tão desejado

não será preciso um adeus
nem sequer sentir saudade 

ou um nome uma data
para ser lembrada 

não serão precisas mais vidas?
que as espirais se vão contorcendo

e de tempos em tempos
pontos convergentes nos vão 

                    encontrando













Gesto Seco

rimas gémeas fazendo parelha
tal acendalha na minha malha
frente a frente agente se entende
mão na minha quebra de página
-fuck them all
she can say

4 por 4 como quarto de papo
bota parágrafo solta o agrafo
parte de marte a nave da arte
quer encontrar te ser devorar
 - fuck them all
she can say

mostra cosa nostra aposta-te
do ovo do mosto entende-te
que outro rosto seria oposto
fazendo o mesmo por gosto
- fuck them all
she can say

gesto seco esse de ser avesso
ninguém entende se corrente
anda presa alma pesa pensa
liberdade a cada frase faz-se
-fuck them all
she can say

fuck
fuck
fuck







locomotiva vida

passa passa passagem de nível
locomotiva louca sensível vida
coma com pão à mão não dão
seja seja a cega leva desta seta
pega cresce pegada sobe desce
anda à roda andamento à cova
unha que se desunha de cunha
lua lullaby bye bye spider guy
passa passa pássaro rouco oco
triângulo semântico ficou giro
se seu sorriso quântico eu tiro
mãe tem veneno e demoníaco
olho clínico o cínico tísicú-cu
bate a hora cabe toda na boca
lulu a cachorra da senhora D.
memé a carneira e da carteira
cai conta da torneira da água
e a saia que descaia à menina
passa passa meia volta à rua
locomotiva puta de vida suja





conversas com Deus

as contas do meu terço
escutam o que vai cá dentro
Deus, se te agradeço
é porque me sinto em paz

faz de conta que aceitas
que sou tua filha de berço
porque não crescem as plantas
e o meu leite seca no peito

orar se me acalma
estou cansada de lutar
em todas as linhas
há-de haver uma rima
tão certa, tão minha

és tu? que me assumes raiva
estás em toda a parte
e não te sinto em nada
ingrata?

não saberei olhar
então ensina-me

não falo só em meu nome
o que fazem os homens de si?
o que fazem eles aqui?

guerra, fome, doença, morte
ódio, inveja, roubo, mentira

deste inteligência e afecto
a animais que coleccionam
materiais

controlo, poder, fronteiras
identidade, cultura, leis
sociedades inteiras

doentes

aqui faltam profetas
que falem da terra
da partilha
do amor
da vida

Deus, acho que o limbo
é aqui mesmo

dividindo, os que têm
dos que sentem

que importam os meus pecados
diante de tudo o que te falo
diz-me lá se relatividade
não faz de mim sua santidade?
se não te agrada manipulação
porque me há-he agradar a mim

é isso que fazes não é?
para que haja equilíbrio
és tu o céu e o inferno
é isso que somos
projecção desse espelho

como te disse
eu entendo
por isso, estou em paz
e tu sabes
que são sempre compassos de espera
para outros estados inquietos
não foi também essa inquietude
que te fez regressar?
a morte é demasiado
silenciosa
antes de todas as palavras
estarem cá fora
...



velas que ardem ao anoitecer
nota-se a cassiopeia a acender
milagres boreais escrevendo
no céu
tudo é teu, tudo é teu

onde a seara se torna negra
nos toca pela cintura
animais se escondem
à terra
somos era , somos era

a árvore da vida
o sol incendeia
nos corre na veia
a volta inteira

de braços abertos
comendo de força
a vingança nos versos
desta vida e não outra

velas que ardem ao anoitecer
queimando o ar que respiro
quantas auroras para estar vivo?












sexta-feira, 14 de junho de 2013

uma colher de papa
uma história de fadas
ou será de sopa
e a história tem farpas?

mimo e embalo
crescer de um só trago

dois passos e já tirou a fralda
e vai para a escola carregada
mundo da lua e um balão na rua
não aprende porque é distraída

volta ao lugar e mais uma linha
composição primeira e magia
e depois dessa, nunca mais fim
letra a letra, poeta assim...






Kali Ma
degrau a degrau
ainda agora aqui
e do nada já não

e lá em baixo
os teus braços apertam
os versos

Como se o corpo
se fosse enrolando
e com as mãos
se esticasse em fio
até invisível chegar
ao vazio

porque sopraste
como se vento
andando por aí
por cantos
batendo de frente
com estranhos

por um ouvido
ou uma boca
uma janela
ou uma ferida

entrando
de clandestina
ficando por acaso
por ser leve
a existência

nas dobradiças
dos dedos
se esconde terra
de tanta força
a insistência

fala comigo
causa materna
lava a alma
na água sagrada

Kali
dá-me vida
do meu sangue
se já levaste
devolve!









e fazem-se carregamentos
upgrades na motherboard
novas linhas ao evangelho
pontos que se limam no ego
revisões dos dias passados
cabelos brancos madeixados
notas acrescentadas na pauta

versos maduros caem da cabeça

à espera que algo aconteça

rodopiando a vida
numa feira de acontecimentos
nas voltas de gente atarefada
que a força desenha nos céus
asas de querer chegar longe
que lá a vista é mais grande

rodopiando os anos
de dentro da memória
saltando momentos
enaltecendo outros

já disse antes,
andar para trás e para frente
ser viajante

de paisagens felizes

isso é ter saudade
a toda a hora
do que já foi
porque tudo é vivido
em consentido ecstase

aquele brilho nos olhos
que se renova de íntimas

histórias de gente








Tenho frio
aqui faz escuro
está na hora
tem mesmo de ser?
não sei o que está lá fora
oiço gritos
mãe está a doer?

vou nascer
que é isso?

estás à minha espera
com amor?

 - todo o amor do mundo


sábado, 8 de junho de 2013

arrasa
rebenta-lha a asa
que caia na minha mão
não conheço verbo que o contenha


mata-te
dessa forma tão leviana que vives

reboot
renega a alma
reduz a nada

só assim
só assim

new Tu


Para uma tarde de chuva

Para uma tarde de chuva
posso querer enroscar-me na cama
posso querer comer marshmallows
derretidos na lareira ou misturados em gelado
e ler um capítulo de um romance
ou depositar o olhar sobre o gato
horas a fio esquecendo-me do tempo
ou fazer amor contigo
ou deitar a cabeça no teu peito
ou ver um filme antigo
penteando o cabelo
posso procurar versos pelos pingos de chuva
ou desenhos abstractos nos novelos de nuvem
posso fechar os olhos e imaginar-me
passeando de sombrinha
numa rua cinzenta lisboeta
posso dormir a sesta
posso fazer bolachas de amêndoa
ou beber um copo vinho
e fumar a onça a eito
tomar um banho de óleos
pintar o corpo a henna
ou fazer festas na cadela

posso













que eu quero refinar te, ó tu que existes
fora de leis destes tristes mortais
caso de seres tão à parte

que eu quero e que batas descortinado
nesse descompasso severo
elefante sagrado do meu terraço

quero ir mais alto, gritando do telhado
passageiro clandestino rasgo
da raiz apenas um trago amargo

quero a teimosia de criança  mimada
piloto automático e travão
avariado tudo em caso de aflição

ó tu que dizes que és tu
que directrizes pus para que batimento
fosse do tamanho do oceano

devassidão de vontade dilacerada
aquieta-te aí um pouco
enquanto o voo se alinha

ao horizonte





quinta-feira, 6 de junho de 2013

a verdade dói
a maioria das pessoas prefere
não saber não entender
a existência passa a ser
uma máscara que acalma
linear e discreta
ser por dentro um lugar
quieto e simples
de quotidianas tarefas
estruturando o desconhecido
empurrando os dias
que passam iguais a si mesmos
mas tranquilos

a verdade dói
sobretudo quando insistimos
em não vê-la como é
raciocina-la, racionando a felicidade
que afinal não é assim tão plena
que afinal longe de perfeita

e em última instância
o derradeiro ansiolítico:
a realidade não é o queremos dela
por isso, aceitá-la como é
resignados, mas calmos

e aos poucos vamos
deixando de lado sonhos
ideias futuradas de nós
da nossa única vida
vamos deixando de parte
a existência consciente

porque não queremos mais
porque não há mais nada
porque...quem disse?

a preguiça, a fraqueza
o conforto, o conformismo
o estado, o dinheiro
tantos nomes para a
negligência do compromisso
único ao nascer:
ser!

e nada disto é simples
porque dói,
magoa uma porta fechada
magoa um amor iludido
magoa um filho diferente
magoa a conta a vencer
magoa a hora a matar-nos
no emprego que tem de ser
magoa os anos voarem
magoa as nossas limitações
magoa as limitações dos outros
magoa

mas sem dor
como podemos sentir
o prazer?

prazer de ser
EU!








Palavra do dia: monofobia

ilhéus negligenciados pela degradação do homem
unhas que crescem selvagens enrolando em caracol
a pele que seca como sardinha ao sol, salgadeiras
entorpecidas pela ausência do tempo que não passa

totem de carcaças, frutos caindo à gravidade
silêncios que nascem de madrugada, desertos
que a morte não alcança porque está sozinha
memória de peixe a um destino desaparecido

e caindo de balão, o chão crescendo veloz
o coração que é lenitivo, e a maré encolhe
esse corpo que dorme imóvel paradigma
de um repouso imposto pela chegada à ilha

traficando depois fluídos inquietos de dentro
às pedras aos troncos às grutas aos tombos
e crescendo um abrigo nas amarras o cabelo
lá vem chuva e trovão passando-lhe ao lado

tudo isso é em vão
na impossibilidade o paraíso encantado
de não ser livre por não ser capaz de só
existindo cambaleante à mercê do alheio

tudo isso é em vão
lá o mar engole, carrilhado na angústia
aterra, que a noite acelera o entremeio
escura a lua, tapada da tua veemência








quarta-feira, 5 de junho de 2013

As pessoas como eu não têm memória
como o mar na areia as coisas se afundam
as palavras que descubro guardo-as logo
já sei que em pouco tempo, serão esfumadas
tal como nomes, conhecimentos, história
esse tipo de coisas são efémeras
e ás vezes depois de usadas as palavras
anos passados e já não saber o que queria dizer
donde meu auxílio são dicionários de encanto
palavras que leio e que acordam em mim
uma beleza profunda e guardo-as para mais tarde
tenho muitos, muitos cemitérios de palavras
à espera de serem vivos na minha memória
instantânea

tenho pena de assim ser, seria tão mais culta
tão mais talentosa, tão mais inspirada
não serei eu senão chula da palavra
que depois de usada volta a ser desconhecida
depois de lidos, tantos outros vão ao vazio
depois de ouvidos tantos são os que se vão

mas há coisas que a minha memória retém
selectiva a cabra, momentos e pessoas
palavras faladas, ditas por bocas que eu senti
em horas que com elas vivi
essas, cá ficam, algumas delas até indesejadas
mas que fazer? treiná-la, medicamentá-la?
ignorar e dar-me por satisfeita por saber
usa-la na hora certa, perdão, na escrita
porque falada, infeliz, vem sempre errada!



O harpista

numa cidade sem cais
tocava desafinado
um harpista
com estremeção
aqueles dedos de gesso
encostados às cordas da tripa
soavam como juncais de ruído feio
e aos ouvidos a densidade era tal opulenta
que a cidade ficava deserta

o harpista não tinha ouvido
e tão pouco aprendido música
sentia que o ruído era mortificante
mas falante da sua arrogância
considerava-o deslumbrante

esse amor tão a si próprio
que tantos invejavam por não tê-lo
porque os seus espelhos não mentiam
era tão verdadeiro como vital
já dado morto logo ao natal

o harpista teve um filho
pianista
mão leve como papagaio de papel
ouvido absoluto abissal
tal arquétipo ainda não existente
mas como gente não se amava
a alma tratava a chinelo
como tapete para o ego

que fazer
se o universo não é perfeito
arrematar-lhe com a  ironia
própria de quem não tem
um nem outro:
o invejoso
e diz então assim:
-o primeiro é um vaidoso
  e o segundo vaidoso é

não é assim?


Parties e Groupies

Parties e Groupies
de mãos dadas como loopis
este governo tá na moda
como uma guest list
preenchida com a best shit
Na Sagrada Assembleia
onde não falta a pança cheia
é diário o live set
no canal 5 o livestream
aos comandos o selecta
Mão-Leve

e tá na moda o comment
e o like e o share
e até o discurso na wall
of infame!
e tá na moda ser against
e postar paródia pseudo
tá na moda
EXistenZ

fomos transferidos para O sítio
com pseudónimos bonitos
onde somos todos anarcas
porque isso da esquerda
já passou afinal, de moda!

Ahh, Parties e Groupies
desfilando de litrosa
a chama acesa imperiosa
de INEXistenZ






Sakura Mente

Cerejeira Japonesa
a minha mente navega em botões de rosa
quantas são as pestes da babilónia?
nesse sortido de cénicos movimentos
o pátio onde os teus pés permanentes
a capicua desfiando o comulativo
de motes abreviando pensativa
essa emergência de seres descrita

Cerejeira Japonesa
a minha mente navega ilesa
nesse jardim centenário
o subverso abissal
explicando a amplidão do universo
afinal em ânforas de intelecto
tudo em pétalas desfiado

quantas são as pestes da babilónia?
ser hospedeiro gramático
da frívola mão um escravo
de cuco gatilho a diesel
ou arlequim analógico
no carrossel da assincronia
tal Inverno despido
minha Sakura de plástico!








Excertos de um Diário de Bordo

I
e em tudo um acorde que o levante ao longe
no alto do monte um avião vai rasante
tocando no peito o arvoredo, quase corte de cabelo
ainda procuro vê-lo com os olhos no horizonte

ainda procuro vê-lo com os olhos do mágico
com que brincas inquieto na plataforma visual
e encontras um canal, nesse voo de ágil Gaio
...

Olha ali os carros tão pequeninos
parecendo miniaturas
é a cidade se movendo em arquitecturas
como anéis de formatura, ela promete
uma cidade tão grande, há-de ter lugar para toda a gente!
...

e o deslumbre aconteça, descer o rio e a praça
e ao invés de lusco fusco, o tempo seja uma farsa
aqui sinto-me em casa, nessa manta anti traça
não há frio que m´invada nem brinquedo careta
...
Excertos de um Diário de Bordo
      -Tentando sair do mundo cibernautico