quarta-feira, 5 de junho de 2013

O harpista

numa cidade sem cais
tocava desafinado
um harpista
com estremeção
aqueles dedos de gesso
encostados às cordas da tripa
soavam como juncais de ruído feio
e aos ouvidos a densidade era tal opulenta
que a cidade ficava deserta

o harpista não tinha ouvido
e tão pouco aprendido música
sentia que o ruído era mortificante
mas falante da sua arrogância
considerava-o deslumbrante

esse amor tão a si próprio
que tantos invejavam por não tê-lo
porque os seus espelhos não mentiam
era tão verdadeiro como vital
já dado morto logo ao natal

o harpista teve um filho
pianista
mão leve como papagaio de papel
ouvido absoluto abissal
tal arquétipo ainda não existente
mas como gente não se amava
a alma tratava a chinelo
como tapete para o ego

que fazer
se o universo não é perfeito
arrematar-lhe com a  ironia
própria de quem não tem
um nem outro:
o invejoso
e diz então assim:
-o primeiro é um vaidoso
  e o segundo vaidoso é

não é assim?


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