domingo, 29 de março de 2015



QUÉ feito de ti? grainhas


Tirar os pés da Terra





anda levanta-te
não percebes que tudo são andas de muros que
nem se sabe porque preferiste erguer da pele
que te havia de febrar e delirarmos em conjunto
porque são? a vela está por cair ao prato um fio
tudo na cabeça são fantasmas de facto e assim?
depois do clarão há uma expressão pura de laivos
de agente que se engasta de tantos ais e ousarás
da maré uma constante de fé de que tudo é sim
pequenos empréstimos à fé, automatismos à ré
anda carangueja que agente escreve como fala
agente dos campos estéreis e das falas mansas
porra! andamos fartos de ficar ao deus-dará
e de estender a mão e nem o pão de esmola há

anda levanta-te
homens como este branco estampado na pele
de fome, este branco que é um buraco retalho
por onde escorre todo o sofrimento coalho
que não o dá a conhecer como inteiro costurado
manto de rezas que os joelhos não suportam
porque se não acredita e o silêncio é um poço
mais chão de arrasto que a promessa é secura
um borrifo astral de pedaços de terra sem chuva
de atmosfera e lugar onde cresce coisa nenhuma

Anda. Quero cumprir-me dessa promessa.
Tirar-me os pés da terra.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Extintem-se-Nus



são os extintores dos louvores que nos calam
quando a cidade se cobre de mal-sucedidos
é grão privilégio a chuva que tudo leva ao rio
iluminando o sol o espaço que fica de desvario
no trabalho que pende de pregar um interlúdio
para andarmos então contentes de cabeça no ar
e os orvalhos nas tascas são sábias calmas
que nos engolem as horas depois da labora.
Há tanto de lacónico como de incógnito
das mãos um estado óptimo de não estar
como as rochas que estão para o mar
os olhos fechados são o apoio para continuar.
E na escuridão progredir.
O caos se inspira de pontos soltos
perpetuar o calvário de um pensamento quebrado
se vergam perigo-nos de sermos o contrário
onde não há destinos, apenas trabalhos.
evaporando-se-nos a aura da infância
no lume que arde sem diques de interrogação
amostra de qualquer coisa que podia ter sido
outra.
Andam os autos entisicados de homens
é o próprio diálogo um parvo vocabulário
de se ser um unicórnio sem fantástico
perdido nos torniquetes do tempo alheio.
Ah borboletas do zodíaco
os pilares ossudos do mais oco dos mundos
e mirradas nervuras que nos forcam
qué das forças que nos alienam das covas?
adianta a seiva ser nutrida de ofuscada vida?
nas madeiras intermitentes das entranhas
onde as nossas mãos serão sempre estranhas.
mas diz que a morte é catana inquietante
e a ventana carece de sinos que nos chorem.
Adianta.
a penugem dos nossos corpos veste-nos
de uma animação marioneta de ser criança
se oferece selvaticamente a película do gesto
a fervura da ira de uma fauna fausta de nada.
porque se carrega nas costas um peso
um peso nublado de ascendentes de teimas
de termos que ser todos mais alguém
histórias bíblicas...as gaivotas em voltas
concluídas. Corresponder ao amor e à lei.
Mas a propriedade de regressar à original
forma desformatando matando a forma
se recuar e suplantar e superar e ar, Ar!
Adensa-se condensa-se.
Saber da arte de nos evaporar este estar
é muito mais além de caminhar
só por caminhar. E nus. Que tudo o resto
há-se pesar.







terça-feira, 24 de março de 2015

Ainda em desbloqueio. É feio.



I

Os degraus a tropeçavam, não havia outra hora para expirar uma manhã que afinal começava. Tanto de si se perdera nesses saltos que a pouco e pouco, a lua se esboçava de transparências que a alma cuspia de noites sem sol.
Míria se encostava ao poste. O autocarro deveria estar a chegar e no seu relógio pouco sono poderia alcançar. Tudo poderia ter sido de um outro universo a menos que lá muito atrás, tudo tivesse sido diferente. 
E em todas as línguas o seu corpo exprimia o mesmo desejo de se elevar como um anjo. E não tinha passe. E não tinha outro rosto que passasse despercebido para no torniquete do turno da manhã as olheiras se desconectassem. Esse analógico avatar que insistia em se projectar de dias que ninguém queria acordar.


II

-Mas porque me estás a perguntar se fui capaz de ler? Não estava já tudo cansado de ser?
O sol se erguia de coragem. Lutantes de alma esfriada por tempos que ninguém mais queria ter dentro. 
-Sois comunistas pois então?
O mundo se compelia de barulhos. A infância extasiada de mundos que não foram sonhados por estas cabeças. Ideias que se emprestaram de capas de super-heróis onde a queda nunca foi mais de primeiros andares, 
-mas e então? Estais convencido que algures me comeste o dom?
Mito para além do som. Porque o silêncio é um estrado onde ninguém se chega à frente. Deuses que não têm vontade nenhuma de ser gente. E depois, todos andamos um pouco às avessas de estarmos fartos destas roupas. De nos entornarmos de notas falsas. E ainda. de nos aventurarmos por montanhas de malgas infâncias perdidas. 

-talvez tudo tenha sido um crime. E nos tenhamos alienado de um papel de cenário. 
Pois foi por isso que correu colina a dentro, antes que o sol fosse noite no Alentejo. Enfim um espaço se definia, daquela janela tudo se corria como a flanela que o frio protegia. 
-Mãe, teria tanto para confessar-te na igreja. Mas o Cristo parece que se embriaga do nosso sofrimento e quanto mais água, mais afogamento.

III

Por isso, por fim o cão tinha o nome de Napoleão. O primeiro de uma geração que haveria de estar em comunhão com um quê de ainda quero escutar a canção da manhã e por outro lado, não quero dormir a teu lado, meu mais querido futuro enjaulado. Estamos sempre do lado errado não é? Pois se assim não fosse, esse monte Alentejano nunca teria sido o meu predilecto abrigo. E no janelico, onde tantas auroras nos havemos amado apenas com beijos roubados nas grades que a mão haveria de acordar, esse janelico, haveríamos de recordar. 
E eu posso correr colinas subidas enfim. Até que o sol se canse de mim. E de que me vale tudo? Se afinal nunca seríamos melhores amigos e muito menos donos de uma terra de frutos. 
Vá lá dança. tudo nós nos cansa de tanta vida tão intensa e depois. Pequena,

IV

Haveis feito uma pausa em toda a vossa oração a nossa senhora? Talvez toda a palavra tenha sido corsária de uma alma perdida sem infância. Todos sofremos de uma certa ausência. Como se nada nos chegasse e tudo nos parecesse uma capa de super-herói que na hora da queda, é animada. Haveis feito as pazes com o vosso passado? Pois isso é mais do que necessário. Depois, tudo para a frente é um armário onde se arruma o que se quer para nosso estádio. E tudo tem de rimar? Não. As ruínas que nos deixaram os nossos pais são tão ingénuas. Não somos nem donos de uma qualquer presa. Somos só pessoas que anseiam viver demais. Hoje era para se escrever um conto, em prosa se haveria de descrever um outro. Tão ouro para quem se deseja num outro universo que não este. Mas que pode este de tão pouco? Pois parece que já vivemos tudo e a morte não nos chega senão no luto.


V

É tudo tristeza de estarmos para aqui a falarmos sozinhos a estas horas. 
Mas as lágrimas são a mais bela prova de estarmos ainda vivos. 


VI

Míria vivia numa casa térrea singela mas familiar férrea. Onde os seus irmãos queriam tomar posse, ela ainda procurava que a mão fosse um cordão de dois mundos em colisão. Só precisava de tempo e dedicação para que o nascer se revelasse novamente no seu olhar e perguntasse - que estou afinal a procurar?
E depois se vestia, depois do banho, se pintava e penteava de senhora do dia. E para ele olhava enquanto dormia. Tudo de uma terna calma que a deixava anestesia. 
-É que no tempo em que vivemos, alguns de nós têm de ser dois dentro do mesmo.

P.S.
Porque Míria aguarda ainda pela sua história. Dentro destas memórias de desabafo de impasse por tanto que não se passasse. Mas está quase. Já move de dentro um rápido alento. Como se tudo estivesse encubado no tempo. Apenas apurando o melhor de todos os graus de um tango que se tem dançado sozinho na mente de um sem-aflito porque a poesia lhe tem sido, abrigo. Calma, quase, passo a passo, a letra se encosta na linha e a história se chama, chamando, chamamento de suplício de vindo por dentro ter mais um deus a falar pelo vocábulo ventre. 

segunda-feira, 23 de março de 2015

super-homem



costumava pôr flores na cabeça do pai
dizendo que a primavera lhe ficava bem
e lhe tirava o cigarro da boca
porque a doença não tanto.
À mãe lhe puxava o avental de choro
tudo queria a seu gosto menos a colher
de óleo de fígado de bacalhau à boca.
todo vestido de negro e uma capa azul
assim se recriava de ser homem à janela.
de concórdia. todos tivemos a idade
de uma outra monstruosidade pelo menos,
dentro da nossa memória.

à luz do que permanece imperdoável
se deixar de lado o entendimento
avançaremos pelo chão a dentro.
de pára-medos a segue-ventos.

Em nós



o estado continua a agir como céu
e agindo sobre ele um seio diagonal
sem parar de olhar, tudo banal
e no oleado de plástico chovia
um lacrimal torrencial
autógrafos de uma tristeza asfixia
e um chapéu de abas a condizer
Ai, que é a blusa que se está a descoser
são margaridas que estão por florir
e noites ao lado de cruzeiros que chegam
inquietáveis anos de doentios poluentes
de completamente inteiros rios
onde afluam almas ainda adolescentes.
as animosidades dúbias das palavras
de ver passar o tempo em distâncias
de tudo ser seguro nos detalhes.
os mamilos inchados e húmidos
a carne inquieta que agora dorme
o cabelo eriçado apaziguando um interior
que nas coisas simples se inverte de dor.
laçadas e adornos de momentos magníficos
perdidos depois no sussurro dos pés rijos.
Por quem ou porquê? se não propaga o calor.
de uma impressão tudo a sair da boca em vão.
turbilhão de afazeres por estar vivo
picando de vez em quando o verdadeiro sentir
num beijo, apertão ou escorregar do corrimão
mas tudo em asseado controlo.
que isto de estar em voo dá quedas

Esta cidade qué tu


deixo um pedaço em quem levo
essa amante intermitente cidade de gente
eterna que nas tabernas se esganiça
do ponto de vista de quem lá fica
o pregão da pior das vidas
ou porque se descalçada despida de vultos
na mais sombria das madrugadas de velhos
e um género de escritor a cada dois mil anos
adormecendo no panteão dos veteranos.
tresloucada peremptória de pormenor
da grosseria a pronúncia do antigo fado
onde ainda se encontram tímidos
gaiatos apaixonados e corações descalços.
versos que se descolam em aviões de papel
mapeando jardins pátios varandins terraços
candeeiros  jornais cigarros e travesseiros
assarapantada de santos padroeiros
e cinquenta idiomas arruaceiros
o caloteiro promete: um sofá à beira Tejo!
e um vestido de veludo para as noites de Inverno

não se julgue no direito de a sentir como minha
quando do topo da colina se chora a saudade
um jaguar deambulando nos campos de romaria
de querer ser travessia e melancolia
de nem saber mais o que querer
porque sou eu que sou dela a poesia...
um pedaço de paisagem, de cromatografia olhar
que se reflecte em lágrimas de um choro seco
que se bebe do mais tristes dos passeios sós.

Cidade que depois de vista e despida
és enfim pequena
e te nasces a cada chegada batina

eu a mim, já me conheci como tua
não tenho nem quero outra beira de lua
outra ponta de vento outra nota de fado
sou mercado e mercadoria, colapso
tudo à beira de uma adiada retina rotina

e só posso dizer que me lamento
se tudo o que digo não se justiça ao pensamento



domingo, 22 de março de 2015

Os amores batedores



agudas notas infiltrando nas paredes
os olhos que vidram à guarda
lugares sem poços que recaem sozinhos
e hexágonos da boca para fora
extra-darmo-nos e sexta aurora
a alma sendo algo deixado
e algo agora enclausurado
dizendo que é o fundo que se quer em vão
o perfume que nos sai da pele subscrito
à atmosfera do a deus
tudo à sua espera de exaustão

doravante
a trova só pode triunfante
redes que pratam o céu
no sossego de se levar para casa
se fosse apenas um pêndulo
e as redes um degrau
´
o portão de casa escancarado
algo nos prende ao chão
de andarmos como que versos
num outro plano mas paralelo

e todas as bússolas serpenteiam
meta-corpo êxtase efeito
na instância brutal
da esquina que se contorna morna
a noite é uma menina
que o tempo incompleta de sozinha




terça-feira, 17 de março de 2015

de tudo


do conhecimento das coisas escritas
indígenas que acorrem à fome das cavernas
a um deus jurássico poema
nas clareiras da nossa mente algo se inventa
e se escapa da garganta jubileu
desse peito lacrado de tantos nascer de novo

essa pantofobia onde todo o momento
é primeiro ainda de magia

e zaragatas de enxames
mil espigões para pregões do adeus
bordado de dor em estafetas orientes
e biombos para esconder as gentes

a superfície é uma coisa frágil
acqua di cérebro mar morto
onde um corpo flutua olvido

mamífero que suga o soro possível
o módulo tísico do trilho felino
de ser apenas um pedaço de caminho

assim, tudo ser mais suave
quimeras e quedas de breves sonhos
onde peças se conjugam com mestria
para dar luz à poesia

e andam tímidas as sombras
os lábios roxos e as línguas cristalinas
escalfando as células dos andarilhos
de arranha-seres e antagónicos bravos

que volta dar ao cubo soturno?
e enfim estar em saturno por engano



É tão



as tochas se acendem com um cigarro nos lábios
de imperfeitos círculos se rasgam da boca profetas
as cordas se trepam com milagres disciplinados
e um cadeado na cabeça para não se cair em doença
há tanto de só como de pó
e depois há as carruagens de silêncio onde se repousa
nas horas invertidas somos ambidextros da fortuna
La Justicia de estar. os dentes cerrados na distância
se evita o gume de cair ao lume a nossa esperança

o pescoço tenso, desconcertado, deitado
como se fosse preciso calor para o descontrair
o inimigo é tudo o que não quer partir
num duelo frenético febril a corrida contra margem

os verdadeiros amantes da morte, amam a vida



avessos cura



as mãos amarradas. estais encapuçados de ideias fracas
as palmas às vezes são estalos de chicotes
e grossas as vigas de telhados de morte e divisões nuas

dar-lhes o vergar das pernas. e os sabres ao cuidado do pão
há-de ser tudo em vão
à guisa da advertência, uma pistola à cintura para a eloquência
há-de ser tudo loucura. e tudo uma forma possível de cura

essas adivinhas de matanças com que te assustas
a única regra é a ausência de regras
andar às cegas nessa calha decrépita
e apreciar a técnica do equilíbrio
de tudo ser uma janela para o mundo

corpo a corpo. linha a linha
Meia hora mais tarde - Acho que me bebi e estou vazio.

é o esgotamento da boleia
de se ser mesquinho com as ideias
tudo areias nos olhos de quem se perde na teia
e lágrimas
de tudo se ter despido
e tudo ter um preço
- regatea-lo com o nosso avesso
o canto do ganso à compaixão
de estarmos tão perto do chão

Andam aí como pardos



Luta cruenta. Gente endurecida.
piruetas de punho de menor esforço
tudo coisas indispensáveis à viagem
e um par de badaladas antigas se conhecem
à chegada. se sente o cheiro de várias línguas
léguas de um barco a ser sido um fardo
e o herói se veste de pardo horrorizado
a fruta podre é a aproximação à terra
em ondulações de dois mastros cruzados
que vamos usar para o assalto ?
a figura da proa é um papa-mitos
e o homem do leme um aflito

e um estado físico com várias flexões
de incursões nocturnas, trapos ruídos
de lugares e abismos que nos vestem de frio
o melhor dos mundos
como um orangotango bruto
às vezes nos celam do busto
máscaras de luto

brutos sim
armados de adagas de pouco alcance
estar surdo, em transe, longe
o regaço de deus finito

e retiram-se por fim as lanternas
o latir de um cão sem osso
dormir um par de horas antes do fim
e dos janelicos cinzentos de chuva
já ninguém sabe do provérbio da arrima
ninguém se ousa de outra coisa
e há todo um uniforme que nos cega

pela nossa guerra
aflorar o dormir da terra
que nunca há-de estar quieta
nota, repara:
os nossos tabus notificaram-se!

segunda-feira, 16 de março de 2015

aterrar



deixar de vez o nome familiar na gaveta
desprender-se de aromas lúgrubes doces
ondas de cutâneo em estuque branco
as últimas varandas para o amanhã
ser exportado além-dor
dos agoiros insanos de uma alma que plana
ficando o espectro de um heterónimo
sobre os lábios câmara lenta
que em tudo se é anónimo de saudade.
uma lufada de metamorfose surreal
semi ventres donde caem anjos doentes
palmas vivas as dos bravos de ser ausente
e suores de animal de muitos males

os gritos são roncos do banal
já tudo grita na verdade sem o toque mortal
se desbrava luarenta uma tragédia de tédio
e as tábuas são por certo folhas de ébano

e tudo saudações alucinantes que vidram
de febres uma travessia sem passado
e o vento que fustiga sem acusar um acto.

da maior vigilância
esse nome que ainda não é criança

brisas



de olhos fixos no abandono de um amparo
tal o cão aos pés do prato e o periquito-comum
que nas gaiolas das circunstâncias condenado
um bairro algemado onde ainda se julga livre
-tudo uma quadrilha de gatunos é o que é!
é o lado negro da montanha do avesso
e um expresso que atravessa sem revisor
donde ninguém sabe que a bordo se vai
talvez um falso nome ou um falso torpor
e um barulho por baixo da roupa martelando
um espaço oco donde já se foi vivendo.
falam dos livros e da música com saudade
a sesta onde se veste da escuridão o culto
falam dos apitos e das garrafas de alívio
das cascas de citrinos e dos números pi
falam das criaturas que habitam de fora
e dos ângulos que os espelhos não falam.

e depois os passos afastam-se na orla
de um qualquer campo de figuração leve
os embrulhos das nossas peles às costas
fecundos na boca ainda por abrir
-nunca se sabe o que pode vir!
e numa espécie de vocação de estar
o ruído próximo ao de enfim, respirar


domingo, 15 de março de 2015

Náufrago



sobre nós uma nuvem de flechas
de nome de águas próximas
caminhos de cascos e à superfície
um cálculo arquitecto dormindo
dobrando o nevoeiro de sangue
voltando-se para mim fluindo
e todos os fenómenos são raízes
donde os nossos corpos se dizem
redondos e ornados de alucínios

e raios de sol de espantosa brevidade
pendendo nessa viagem a passeio
um ou outro estrangeiro
que dentro de nós de vez em quando
se acorda

Nautilus não receando a profundidade
pela primeira vez o mergulho
de se envolver de tudo
e tudo ser um pedaço de fundo




sexta-feira, 13 de março de 2015

as escamas do meu lugar



a dado passo, um polvo negro no regaço
nos quatro cantos do quarto, ásperos
onde os joelhos roçam e rebolam calhaus
a coisa sobressai do búzio corpo lenta
e borboletas se entrevoam nas clareiras
tudo é visível e ao mesmo tempo sensível
quando se deixa pagar o fogo selvagem
pelas mãos de areia, pelas sereias de terra
e em permanente contorno metálico triste
de farrapos
que enfim nos servem de aconchego
em que todos os quartos são estranhos
em que todos os círculos são abertos
e espirais se desenham no tecto espelhado
um corpo quebrado
e três são as madres que espreitam
lágrimas que se escolhem no peito
tudo um inferno de glaciares beijos

agora as trepadeiras são de aço
de um cansaço, de um fracasso. passado
de rosto para rosto, um encontro pouco
gémeos que se procuram a meio caminho
cai e perde os sentidos
para termos a certeza de não sermos.
e desprende-se deles um fumo tenso
da carne cataclismos de renovação
só pode ser o fardo da maldição
esses leopardos pardacentos
parce sepultis
tântalos seres que nos dizem adeus
e a altura estapafúrdia com que sonhamos
de entre eles nos juntarmos
longínquos e fora da terra
onde os cabelo e as unhas já não servem
e os dentes se deixam na almofada
oito horas por dia.

ainda o zumbido das moscas
tão bem na linha um furto à escuridão
a alma escabuja de horror
nos vitrais berrantes das catacumbas
se verga um coração entregue
ainda cambaleante de febre
e nenhum ruído mais que breve
se compõe da espera a loucura

vai errante o buda sentado
numa nuvem radioactiva
tudo é aveludado pela saliva
se fosse outro braço outra perna
quem sabe num outro teorema
se editasse a sua presença
num elemento ainda por alcançar

tudo moitas sem escolta
ao desabrigo de um investimento
onde não tens mais volta
mais e mais são as linhas guias
daquele retrato antigo caído
mas essas não se escolhem
nem tão pouco nos servem

a fera perseguiu-nos
num mergulho de estarmos pesados
debruço sobre atalhos ao fundo
o polegar sem gravidade
de nos encostarmos por um momento
e o sangue ainda quente
se começa a dispersar na lente de peixe
se fragmenta a noite de impenetráveis escamas
e o visco que se deposita contém um escorregar
de um verso

parar porquê?
não há um idioma contraforte
quando é a morte que te cala
inspira de abraço contraído e revolto
tudo um abismo encantado de silogismos
e meados onde te esqueces de sentir
as pedras do teu regaço

conhece-lhes o traço
às pedras do teu regaço
que as reconheças a cada passo
esses tentáculos que não te deixam
o livre corpo nado fluir

haverá verso maior que o sentir?



segunda-feira, 9 de março de 2015

filhos de ninguém



um ou dois andares de cana de açúcar
são as cabanas de improviso
pingos de licores arroxeados de malvas
são as mini saias para o frio
nascidas de uma esburacada falha
arrancadas aos solavancos e engasgos
a carruagem andando de estanca e engano
num apeadeiro de desertos de dunas
onde elas despidas fazem rolamentos.
e se enrolam de cambalhotas e risos
esses filhos da areia e de um céu impreciso
nunca viram as estrelas nem calçaram chinelas
feios como penhascos sem fundão
os dias de amanhã os esperam sem dentes
porque nada mais que peixe seco e água sal.


são as cabanas de improviso
donde mais e mais se engolem
genes repetidos e dilacerados
pela imperfeição de não haver mais chão

são as cabanas de improviso
donde ninguém nasce bonito
dentes partidos e apodrecidos
pela impossibilidade de haver mais sabão

mas sempre
malvas arroxaeadas




Três pássaros voando



quando os primeiros raios de sol caíram
nas fachadas dos corpos agora ígneos
três pássaros no céu um triângulo semântico
atravessando a avenida já vigilante
para se juntarem ao bando
na animosidade de um para-peito
e o olhar regressando ao que se deita
no mais frio dos lençóis de betão
de uma cidade sempre  branca.
é a viagem do elefante
essa besta que levita dos sonhos diurnos
brava errando em mil aspersores
de boa noite, bom dia, minha vida
e tê-lo ao ouvido quando se cerram as pálpebras
é todo um compromisso de lhe ser sincera

as chamadas sanguinárias
batem as doze badaladas de meios dias
ao relento um castelo de cartas
são as brasas dos resquícios da madeira
donde esculpiram as nossas asas
e agora são as pegadas que enterram
um tempo que não flutua
na solitude de uma pedra
ou de uma alma empedrada
ou de uma estátua esquecida numa praça

mas de uma tromba arqueada
o elefante derruba a arquitectura
e da sua ampla nuca tudo mundos extensos
na abertura do seu terceiro olho
tudo mantos de idílicos momentos
que havia vivido sem se dar conta
e assim, transparente aos rasgos da morte
autómato no seu passo consciente
pega de empréstimo a vontade
a um avião de partida no aeroporto

apenas para ver a cidade de cima
descrevendo
triângulos de voos semânticos





sábado, 7 de março de 2015

O terceiro dedo



o passo adiado pelo cinismo do livre
quem se amordaça de norte falso, lince
de mil patas que perseguem formigas
completamente alheadas, morte aos pombos
esses profetas porcos são mais que muitos
qué das fontes que escorriam água cristal?
a humanidade virada a roupa ao contrário
tudo abrutalhado no armário dos adiados
há que acertar no alvo, furo e ganho o tacto
qué das forças que alavam essas pernas?
ilusão é tudo o que parece reflexo de céu
conteúdo de frasco de mil células de asno
carrasco fácil numa sociedade de carrossel
andam as fissuras entupidas de alegorias
é a temperatura que nos assa a coragem
de sermos donos dos nossos dias
antes isso, somos qualquer coisa que se vicia
num deixa lá Maria que podia ser tragédia.
e a viragem não pode ser senão a comédia.
naquele tipo de riso que se ironiza
naquele tipo de viagem que se mortaliza
andam as margens a enforcar os idealistas
e o que será das ideias sem cabeças?
parece que corremos atrás do que nos persegue
e tudo o que vemos é do mais breve veneno.
e aconteças o que for, serás apenas um reflexo
de um tenor gago, na rouquidão abafado.
é tudo o que podemos ser?
é tudo o que nos querem ser.
Por amor a Deus, há que rivalizar com o criador!
Há que dizer: vai-te lixar que eu tenho planos
pra depois, pra muitos anos, pra muitos tantos.
E ainda nem estava a falar de amor.








Notas bravas



da arcada de uma ponte velha
cai um triciclo cujas rodas estavam perras
cai, mas cai sozinho, pontapeado por um pónei
malhado de rosa e azul ponteado por uma estrela
no rabo, cai rogando ao fundo do rio empedrado
que o receba, que o acolha porque nada fora
e agora? tal clepsidra se mede dos segundos
que nos pulmões lhe faltam
-e os dedos se abafam na boca em lágrimas
numa casa de panos, embrulhado, se vela
maniado de uma vida sem eira nem eira
onde ainda secam as sementes ao sol queimado
se estalam da pele o aroma salgado nas mãos
do meu avô.
E a cadela que ladra.
da arcada de uma ponte velha
uma pena pega altura numa lufada de ar
donde se pergunta de que buraco teria caído
esse ser inanimado que a deixou partir
e numa ranchada de outras tantas penas
é a avó que chama para as vindimas
e o pai que ralha pelas saias curtas.
donde tudo isto um adocicar de cristo
porque não se vê o tempo passar
nem tão pouco há tempo de o encontrar.
Morreu tão jovem.
E são agora as tábuas que rangem.
Dos tectos as memórias são frescos apagados.
E ela dança porque o triciclo já não lhe cabe
e o pónei está manco. mas a estrela, é verdade.


sexta-feira, 6 de março de 2015

notas soltas



a crítica dos costumes no efeito de larvar
de chofre levando a cofres os moscardos
que se arrastam pelos becos de asas amarros
dos fenos que agora lhes causam alergia
e ser pescadora à linha, nessa mortalha
que veste o corpo da estátua de fim de sonho
bogigangas em chávenas de papel vegetal
tudo sorvido de recaídas de um gigante
fragão que ostenta o grande vocábulo.
Na hora do último quarto de lua
as naves abandonam as ruas sombrias
que o planeta dia se levanta à cornada
-Bate mais uma. Que ele ainda não sentiu!
diz que na têmpora nos aguçam as veias
quando a epígrafe é a última ceia
e as latências que nos calam a boca cheia
só querem dizer que sabemos nada de tudo
e é isso. o perfeito estado absurdo do faminto.
vamos ratificar o labirinto para ver se ainda lá está.





quarta-feira, 4 de março de 2015

O pé de feijão



o dividendo ou o zurrar de dentro
em tornados de quebra esquinas
ninguém quer ficar de avagarar
desse corolário estamos fartos!
ser um tonante de garrafão à mão
antes isso que superlativo parvo
tudo é afinal um sinónimo de tudo
que se diverge em regatos vagos
essa devassidão em tertúlias de luto
que nos escara de uma força de expressão
rara
- nenhum mistério maior que o rés-do-chão.
mas é na cabeça que se pensa que está nada
nessa cândice a braços de músculos flácidos
sem dar tréguas a um adversário fantasma
-Herói triste, aquele diabo, que fingido é.
está tudo arrumado no armário ao contrário
Graças a Deus que o conheço como a palma
do meu pé.





terça-feira, 3 de março de 2015

Realização imprópria




transbordando o esbatido da tristeza
não é senão o vento uivando na testa
toda uma sensibilidade reprimida
diz-se por aí que a vida é honesta
com quem honesto para com ela for
se brincam de jogos sérios, criaturas
de uma saudade imensa do tempo
de andarmos aos abraços e beijos
e nas paisagens futuras do Alentejo
liberto ou maldito, espreita-nos à sombra
um eucalipto faminto de seiva
a vida íntima intelectual, brisas imaginárias
se me tem preocupado essa casa sem vidros
uma coragem semântica de dizer Eu
e todas as teclas exprimirem o apogeu berro.
nada me satisfaz mais, nada o sinto arrepio
tudo quando vivo é sempre um último capítulo
fragmentos de um apontamento fugidiço
de um sentimento físico paralisante
o tédio tem sido o meu maior inimigo
de não desembarcar nunca desse navio
de um enrolar o futuro à roda de um peão
e tantas migalhas me comeram os corvos
que o caminho de volta não tem mais volta
as notas de um perfume que do meu corpo
não se arranca mais, esse odor a dor
e tudo quanto poderia ser dito já o foi
e apenas uma possibilidade estética
exercer a métrica no corpo poema

Inspirado em capítulo 11 do Desassossego

segunda-feira, 2 de março de 2015

Uma casa amarela




sinto que a noção das palavras se esclarece
que são raras as vezes que nos estão alheias
-falha-lhe do desânimo e das dívidas...
no retrato de uma velha senhora da província
a intensidade do seu trabalho na toxicidade
as rugas falando do sol, da chuva e do frio
dos campos e trabalhos forçados impressos
sinto que as palavras não têm mais noção
da necessidade delas mesmas nutritivas
e os pontos negros que representam no mapa
ou a travessa de batatas são os maníacos olhos
caldeiras de girassóis consumidos de labaredas
-então porque mutilaste a orelha e não esses?
o mundo mudou mas a necessidade de cor
entre as mãos que se enlaçam, não, não vês?
e se discutem sem cansaço, de uma electricidade
de excessos para depois em carta, confessos
-paixão, sofrimento e apelo
e houve então passos bruscos, as paredes caiadas
de borrões de abstração incómoda, toalhas atiradas
manchadas de sangue. Em delírio furioso, encerrado
num quarto.
Tudo não podia ser apenas uma doideira de artista?
E regressa ávido à casa amarela.
-Pinta as paisagens para lá da tua janela!


Bali



foi do despertar de um sonho que compreendi
que muito mais há que apenas este aqui
depois de chorar pelo rosto desaparecido
ao encontrar me sozinho, sabe-se lá onde
na casa de banho diante do espelho fumado
agora mais dois ou duas, o rosto se ia trocando
e foi então que alguém disse:
-anda, por aqui, a casa vai dar ao outro lado.
e lá estão eles, nos tempos livres, vêm-nos ver

e fomos por esse corredor de uma grande casa
de madeiras envernizadas, e desse outro lado
o que poderia chamar do mais paraíso dos Bali,
embora nunca lá tenha estado, assim imaginado.
tambores, homens de chapéus redondos
cozinhando nas poças das rochas, e um homem
lá no alto gerindo uma fogueira com 4 braços.
Peguei nas travessas do cabelo dele e penteei
o meu da mesma forma, embrulhado, embaraçado.
Ao ver que o dele se havia desmanchado tentei
compo-lo. Donde me disse:
-Tu só tens esse cabelo? Mostra-me o teu pescoço.
E olhando para o outro acenou afirmativamente.
-Vamos comer.
E eu pensei que nada tinha nos bolsos para pagar.
Um homem daqueles que sentado cozinhava
deu-me a provar uma coisa escura enrolada viscosa.
Sabia a mar, salgada e estranha. Mas a fome apertava.
E eis que o outro disse:
Apetece-me antes uma açorda.

domingo, 1 de março de 2015

como se fosse um libelo...



velhos capacetes, bornais, cartucheiras
e muitas balas ainda virgens
estruturas em serpentina para uma armada
agora de museu
género espectáculo pirotécnico
ou vitrine de coleccionador
é essa a nossa melhor juventude!
no lugar de sargentos de campo
somos temporários para qualquer tasco
com a ponta do pé nu, guinchamos
mas de pouco nos vale o vexame
à liturgia selvagem, ser marginal
andando furibundos tudo a eito
absorvemos o choque, tudo ao peito.
em tempo di valsa na picardia falsa
de um andamento que manca
tudo franco mas enfim, pranto.
está o livro ao contrário porra!
são as letras que nos comem a cabeça
são as gemas que nos corroem a casca
e as rédeas que nos ferem a boca
tudo travões a uma vida, que é nossa!
antes da queda de Adão já a cobra lá andava
tudo ideias de merda para nos engolir à terra.
só carregados de paus e bombas de tinta
só carregados de métricas de catanas fulminantes
gritos de pedras, picaretas e sílabas tónicas
atiradas, esborrachadas na cara
de quem não tem vergonha
de nos roubar a infância e a velhice
e o que sobra? o que sobra são bancos de horas
que nunca chegam a ser nossas!
orixás, espíritos defuntos, testemunhas do além
que se juntem, que reclamem também
neste transe de não ter mais o que perder
o cachimbo a fumar é de pólvora
pois que exploda, nunca seca, até ao fim.
Agrilhoai-me! Pois começo a ter visões
Um opúsculo, libelo, manifesto
mais que pede uma reforma geral da humanidade
mais que implora uma língua e uma escrita mágica
um novo opiáceo ou um sol artificial
talvez fosse mais fácil, ou suportável.
Ainda assim, eu prefiro que exploda
e que com ela eu também.

da crosta



a coisa foi feita para sair das vísceras
estremecer, o atravessar do túnel
ao exílio hipnótico de discos voadores
a verdade deste elixir subcutâneo
o arquitectar do passo clamor
geólogo? não, antropólogo!
destas linhas que migram como aves
que é do calor que se aninham
para no palpitar qual sodomia
o saber dirigir da corrente telúrica
ao sentido da descoberta urgente
da palavra eléctrica mais potente
capaz de submergir ilhas ocultas
no mapa-mundo das catatuas
tomar tudo a eito compulso assalto
nos veios da crosta do globo
fraturar, fraturar, fraturar
toda uma corrida espacial
porque os recursos se podem esgotar
e no perfurar do solo saborear
apreciar cada momento profundo
de em contacto estar com o núcleo.
e nessa altura compreendedora
ser a sonda celeste da grande muralha
ser um louco satélite para a mensagem
e das tensões invisíveis das correntes
quando entre nós intercambio submarino
a metáfora das coisas reais, estanho
que sinto entre as mãos, estanho duro
a magreza nervosa dos corpos agastados
pela dolorosa escavação de luz saciada.
o elixir da longa vida.
essa auto-caminhada de beco sem saída.
creio que inventámos a coisa errada!
agora sim, agora sinto plenitude
que resposta mais sedutora podia ter?
numa troca de obsessas consoantes
entre a minha boca e a boca do inferno.
diz que está a arder, diz e faz-me estremecer.



1 9 8 1



8: olhos narinas orelhas boca e cu

obeliscos imponentes
pirâmides que tocam o céu
varandas marítimas debruçadas
as janelas da odisseia dançada
no caos de uma lagoa transparente
grunhos e risos acabrunhados
pé ante pé sem nos atropelarmos
a verticalidade da gente

e olharam-se nas águas
tu és eu e eu sou quem?
a cabeça baldando frente e atrás
num raio de luz perpétua
jaz de entre os demais
no grau zero do movimento
e no repouso do pavimento
a conversa sobre a trindade
e a possibilidade de um encontro

9: olhos narinas orelhas boca cu e vagina





O luto que nos levanta



cometas autófagos de garras afiadas
pelo assobio de teclas ocultas, pela calada
material explosivo tomando a sério o plano de estar vivo
que não se entende de língua frouxa, de língua murcha
de língua muda, bifurca, obtusa, obsoleta.
o derrame de vasos clandestinos nessa soberania
de sermos micro nano incontáveis seres anónimos.
arquétipos subterrâneos, agindo de conjecturas aladas
acossados por um qualquer termo livre
aerofone do mais agudo dos gritos de revolta
assimetria dos infernos de gentil-homem.
no oculto dessa cúpula de observação esdrúxula
tudo pode ser o que é e não é, um cão armado
um presente envenenado, uma passagem ao vácuo
no templo dos deuses sentados, uma voz se levanta
-sou um céptico e desconfio de tudo o que é certo!

jogos de combinações, às portas do Esplendor
procurar-se pela diferença, do contra, ao contrário
22 lanças chegarão nesta guerra de esperanças
universos aleatórios chegarão nesse arrumo de carvão.
há todo um saber aristocrático que nos engulha
a ciência proletária distingue-se na folha amarrotada
cada um que invente a sua desculpa mais esfarrapada.
vindo do nada ou Olimpo, é na solidão que vos encontro.
Nessa quimera fusão, nesse total alienar como estar.
que tudo pudesse ser apagado e recomeçar de novo.

Há um poeta em cada um de nós que espreita
que de longe contempla, que o sonha e congemina
e das suas palavras, bem ou mal abocanhadas
exércitos de silêncios por elas hão-de marchar.
Por elas hão-de sangrar. Por elas hão-de atirar.
que o poeta não é senão um encantador, ilusionista
exímio manipulador de carências e vazios com dor.
e em toda a vulgaridade de passear descontraído
pela cidade, pelos pombos e pelo milho,
poder reconhecer os doidos à primeira vista
esses templários do processo da não existência
dessa legião de autobiografia de curto-circuitos
sem coincidência ou condescendência.

22 lanças chegarão para nos levantarmos do chão
e acompanhados na solidão, nos reconheceremos
o santuário é o por do sol ao estuário
no sublime limbo da noite que não é mais dia
seremos hospitalários de uma vingança ímpia
e todas as janelas da encosta fértil se abrirão
e carpetes vermelhas se estenderão, no luto
de um grande poeta, um deus qualquer,
também ele anónimo.