domingo, 19 de dezembro de 2021

Âmbar e Gatos ardidos

 

Adormecidos em âmbar gatos malditos

caidos às cegas príncipes do ébano 

a madrugada artificial finisterra

à decomposição fluída em vítreo

são alimento de ferida alienígena 

embainhados do punho universal


tenho, um gato a arder-me no colo

no fosso colérico sangra

à luz das falsas trevas falhas humanas

canta e morre na fossa etérea 

agora fumos o gato sem alma na terra

diâmetro lunar das coisas passadas

altar do próprio desejo de consumo

Arde, mortal, sem carícias 

parido da boca de piteas lamúrias

lamúria que o acompanha:

Deixo o vazio na terra

Semente mutante da distância 

da insónia do espírito necromante

Viajo, companheiro liberto

atravesso o dia e a noite lúcida 


E da minha cadeira nascem pernas

dedos e cabelos de verga

Ossos matriarcais do interstício

do sistema pós morte e alucínio


Levanta-te, como pedaços de  memória 

no parto de mil gatos ágeis do oculto 

olha o espelho inhumano vencido

geminando o conspiro de todos os espíritos


Deixa o vazio à terra

Semente da distância 

deixa que dance e recorde

nos seus cabelos vulcânicos 

o ardor do aminal sem dor


Viajo, quântico do crânio 

metal pesado e inextirpável estatutário 

quero, o fragmento de todos os cantos cinza 

E sou, depois, veneno delirante e pleno

no corto de outras tantas vidas felinas

o ritmo da vida magnetismo 

revelado e inútil, deixado no colo fútil 

Sem se esgotar

Possuía a terra alta

e pernas de cadeira para arados

quisesse repousar em quadrados

ou adormecer em casulos de âmbar 

Amarelados, labarédicos..e ardidos






domingo, 5 de dezembro de 2021

Ad astra

 

Morrer na estratosfera
desprendido da teia do tempo
diz que se trata de uma eclipsofagia
multiplicada como uma pregadeira de fios
flutuantes de despimento subversivo 
ocorreu-me a existência dos trilhos depois de borboleta
o chão que agora serve de rede ao casulo
esgotado dos cometas
sinto amargamente o peso da onda galáctica 
no fundo do útero depois de parido
enamorado dos futuros filamentos do infinito 
avistam-me do terraço flamengos
cabelos escuros de anjos mortiços
no fundo das costas terrivelmente femininos
dos sonhos meio recordados ou inacabados 
teria deixado o vinco ainda quente e húmido 
fi-lo lembrar de como a massa se deposita e depois pára 
nessa metamorfose de pássaro
o tempo medita a existência na amplitude
nómada de todos os ventos
fossem todos os olhares o perímetro 
a mão da criança penetrando o aquário 
lago de pedra e nenúfar 
quer agarrar o peixe, o sapo, a cobra, o chão 
do mundo cremado do imaginário 
Sabe que por dentro habitam ínfimos quartos
onde só cabem seres de pé emparedados
alguns aos pares outros monólogos 
depois estender-se em baloiço de camisas brancas
as cordas fitas de liga 
que a avó guardava numa arca de vidro
era difícil a respiração, sexual pubretária
batia-se nas paredes em morse
havia o odor de peixe frito e louro
ramos pregados em largas bacias parideiras
a música era o sopro dos dias conhecidos
uma casa sempre noite, e nós sempre verticalidade
- quando era criança baloiçava-me
não vais cair, o corpo agora já não tem peso
e tanto a dor não tem fim nem começo
Dormiamos de olhos abertos
assim vigas que vistas de fora 
são os ossos calibrados de nanismo
esse quadro a óleo, herdei-o
mas os cascos, deixei-os descalços 





domingo, 21 de novembro de 2021

Servem as hastes ao céu

 

Voraz, voraz, o pássaro comeu a gaiola
nas gafes do silêncio da voz
ruptura do corpo contra o coro
esmagar de receptáculo contra o sopro
tudo o que é opaco transversal e findo
Soros de seiva estética infundada estanque
alfa sem omega na posição fetal dos séculos ocultos
sem piar o pássaro gira gravitacional
dormia o cuco dentro da caixa
a corda que sem anátema é alimento fornalha
temos equações de absolutos onde a sombra calca a sobra
futuro camaleão gigante mamífero do aconchego
anichado no fundo, tristão
deixado na tua boca, fiapos de aranha desfeita
que a roca desfiou sem apego
SOMOS férreas vias rápidas, o labirinto fúnebre de cantos
acompanho os mortos até ao último peito
as aves mansas incapazes de ópio 
toda a noite uivando no topo da cabeça 
clamando pelos espíritos das entranhas
era aqui e ali talvez, unha sem carne
contra as fragas, bichos recalcados de nutrição 
Somaria critérios às coisas mortas
com garras, larvas eco de barulho
ansiosa e lenta, carregada de entulho 
silêncio de vanguarda
apertam me os ecos do que fui
a chuva ácida templar de embriaguez 
e tantas auroras sem hora
E vida por gritar
na senda do desenho das coisas sem poema




domingo, 10 de outubro de 2021

1 canção

 
de raízes raiva tenho, uma carcaça livre
a pele escarrada de faísca mórbida 
um cancro dormente que me aguarda
arqueado gentilmente no vinco das estrelas
faço, pouco do meio de um quarto
uma poltrona de aço, e do vácuo o começo do sexo
tenho, o instinto de uma lula palestrante um insecto sardento perismatico
que liga metálico do reflexo ao umbigo
anda, a lingua trança, renascem pontos dos dedos
saltos do degredo dos becos, e máscaras para o efeito de lóbulos de cinza 
tenho o apetite da planície em obstrução 
o defeito da pálpebra lençol 
o corpo nu em áspero rancor 
e a sensação de amarra em diques  lunares 
que a janela escorre para o fim da noite
porque, criatura de transferência 
deliberado o copo serve me de profecia
e ao meu olho o assassinato colectivo da nova ordem
o grito, o grito, 
E o silêncio sepulcral do infinito 

Tu não consegues matar o esqueleto 
retro salto sem escudo ao além túmulo 
a cidade do pecado em gráficos de azul espacial
e buracos, tantos buracos para um ponteiro laser frenético 
que ao olho leigo faz tecto

Havia o
Reflexo anisotropico de filamentos de cabelo morto
uma especularidade eridescente  de alma decomposta
a reflexão cáustica do fim da era da palavra
e o que resta, diáfano, a melancólica ausência 



domingo, 19 de setembro de 2021

Corre velozmente a morte

 
Uma lasca cortada na diagonal
um tronco de vidoeiro pela mão do oleiro
as nossas vidas moldadas do barro por muita lágrima 
estampada no vazio
tormentífora 
há o animal que estraçalha o gado
martelado um carimbo de noite escura
implante que só alguns de nós foram vítima 
tenho e sei que a alma é flutuante
meramente decorativa da carne 
quando ainda és pedaleiro de avenida 
Hoje, pareceram me tão pequenas, o meu passo cresceu
a referência desse cristo simétrico 
está precisa na linha que nos dividiu 
entre astronautas do asfalto e operários do avesso
somos todos filhos do mesmo começo 
a nossa bicicleta voava, hoje derrapa
as nossas perguntas eram água 
a nossa boca sede de vista e a lua quebrada
Havia a atração de cometer o limite de oculto
de atravessar a linha ferrea do insulto
porque o mundo não acabaria afinal nem na cruz  nem na última ceia da máquina do absurdo 
foste afinal o alimento o estigma rectilíneo 
o trepar de uma teia que todas noites se reconstrói de frágil seda
afinal, o sol estava de partida, inorgânico 
deglutido na bata branca de uma homonidade
que nos transportou para a cidade 
o campo ficou, vai se reformando ciclicamente de mais gente e mais semente 
Capítulo a capítulo nos vamos esgotando
De dez em dez, de ano a ano, de boca em boca
és o filho do filho do filho passageiro de cauda ou túnica com mais ou menos destino soberano
Nítido tenho hoje tudo o que poderia ter sido
e no entanto, sinto me em viagem, com o passaporte ainda vitalício 
de alguém que parece que nasceu ontem
Perus congelagos, cds riscados, homens andantes, andarilhos e bolas de cristal
Licores irlanseses, jogos de xadrez, camisas de riscas, cornos de touros, unhas de gel, onix
Tudo onírico, amalgamado de sangue ressequido 
a quem depois te ha de chorar
um lenço de seda e uns patins para continuar a andar
É que não há mais nada a fazer pois não?
É que ninguém pode fugir a esta condenação pois não?
É que só há uma forma de calar esta revolta..este mal estar..este tempo só se pode parar..assim..no fluxo contínuo sempre acima da linha do suicídio 
Sempre muito mais acima, quase até mesmo como se voasses,
Te deslocasses avião a jacto, hipersónico
Tão depressa, que nem tu mesmo dás pela queda
Explosiva da paixão da vida









sábado, 28 de agosto de 2021

DEP

 

Quando

te encontras na floresta densa e original

sentes a pequenez, a fragilidade, apenas mais um animal acoçado no abandono do aperto de muitas e muitas árvores ou pedaços caídos delas

onde eu nasci, corria se a extensão no horizonte com a sensação de eternidade, longevidade e até o poder do domínio sobre o nada

aqui,

O rio é pedra negra de absoluto silêncio
parado, deito as mãos coalhando esse espelho 
mergulho no domínio dos espectros
que de noite aparecem intactos, na margem

Colapsofilias de misantropismo niilista

apunhalar o futuro com ilusão mestra
a delicadeza da mão que manipula a imagem
a árvore que chora, como um coachar de dorme em paz
deixo mensagens petrificadas, serpentiformes
as mesmas que saem do terror nocturno para aqui me cohabitarem de medo o passo
as nuvens aqui andam tão depressa
somos volatizados pelos abismos das dunas
ficamos na praia como algas secas
os peixes teologicamente fora de água 
e a voz cavernosa do mar

o lugar é qualquer nenhures
um casco de abrigo enterrado na areia 
desejos de boa viagem que é o mesmo que estagnado
porque o rio, as águas, penderam para outro lado
vejo medusas, homens sereios
cefalopedes ânforas caça sonhos
há em mim apenas o desejo de continuar a caminhar
a maré capta e liberta, dejecta te no areal uma e outra vez, tantas quantas errares
a propósito do objecto do amor
Há quem procure a ordem do universo 
com isso enlouquecido 
o pensamento em caravana de estacionamento 
no princípio seria o pulso, a rotação ao volante 
o princípio era falso, uma viera vazia
era o esgotamento da luz do dia
Ornitológico
para ler nas entrelinhas, uma arte que requer o seu tempo

Havia um homem sentado num banco de porto
o seu banco não era barco
o seu olhar era despedaçado mas fraco
fraco de intensa memória 
agora a seu lado, ela senta se e acende o cigarro
agora a seu lado, ela apunhalando o futuro de ilusão 
a árvore que chora, o rio que pára 


e o silêncio que para tantas horas sem ela é eterno 

-ÍCARO- a mim me negaram as asas para ir ter contigo

- não digas isso, seremos sempre senhores do mundo num tempo sem tempo, a arte sacra negada a um cão, o extremismo das perguntas simples, quase nos convertemos de emigrantes de nós mesmos, a suspensão total do abismo..como o primeiro dia de pesca na tua vida, és tu quem se prende ao anzol

E todos os dias, se levanta e passeia pela ria em sua companhia 




Cuando
 
te encuentras en el bosque denso y original
 
sientes la pequeñez, la fragilidad, sólo más un animal acosado
en el abandono del aprieto de muchos y muchos árboles o trozos caídos de ellos
 
donde nací, uno corría la extensión del horizonte con la sensación
de eternidad, longevidad y hasta el poder de dominio sobre la
nada
 
aquí,
 
El río es piedra negra de absoluto silencio
parado, echo las manos cuajando ese espejo
me sumerjo en el dominio des los espectros
que de noche aparecen intactos, en la orilla
 
Colapsofilías de misantropía nihilista
 
apuñalar el futuro con ilusión maestra
la delicadeza de la mano que manipula la imagen
el árbol que llora, como un croar de duerme en paz
dejo mensajes petrificadas, serpentiformes
las mismas que salen del terror nocturno para que aquí me cohabiten
de miedo el paso
las nubes aquí van tan deprisa
somos volatilizados por los abisos de las dunas
quedamos en la playa como algas secas
los peces teológicamente fuera de agua
y la voz cavernosa del mar
 
el lugar es cualquier ninguna parte
un casco de abrigo enterrado en la arena
deseos de buen viaje que es lo mismo que estancado
porque el río, las aguas, tendierion para el otro lado
veo medusas, hombres serenos
cefalópodos ánforas caza sueños
hay en mí sólo el deseo de seguir caminando
la marea capta y libra, te desecha en el arenal una y otra vez
tantas cuantas las que errares
respecto al objeto del amor
Hay quien busque el orden del univeso
con eso enloqueciendo
el pensamiento en caravana de aparcamiento
al principio sería el pulso, la rotación al volante
el principio era falso, una vieira vacía
era el agotamiento de la luz del día
Ornitológico
para leer entre líneas, una arte que requiere su tiempo
 
Había un hombre sentado en un banco de puerto
el banco de él no era barco
la mirada de él era destrozada pero débil
débil de intensa memoria
ahora al lado de él, ella se sienta y enciende el cigarrillo
ahora al lado de él, ella apuñalando el futuro de ilusión
el árbol que llora, el río que para
 
 
y el silencio que para tantas horas sin ella es eterno
- ÍCARO - a mí me denegaron las alas para ir encontrarme contigo
 
- no digas eso, seremos siempre señores del mundo en un tiempo
sin tiempo, el arte sacra denegada a un perro, el extremismo de las preguntas simples, casi nos convertimos de emigrantes de nosotros
mismos, la suspensión total del abiso..como el primer día de
pesca en tu vida, eres tu quien se prende al anzuelo
 
Y todos los días, se levanta y pasea por la ría en su
compañía
----
 
Tradução Duarte Fusco




domingo, 25 de julho de 2021

 

assim caro amigo encontro o mundo palpável 
escuro e húmido no interior alheio
encontrei-o, dissequei e no seu devido lugar
ergue a cabeça, onde praticamente tudo é conjuro
a nossa próxima essência 
é um pigmento de coloração precária 
O hidrogénio avultado pouco a pouco
na máscara despida anti reumatismo 
e de pura partícula e cera nocturna 
chifres, rasgando bichos na plataforma 
a fundo na passagem para coisa nenhuma 
tenho arquivos na memória de bichos dardos
mais próximo do horizonte de nível 
pátios de horas para mais tarde de ontem
e uma transplantação de alma para alma
tenho sempre um prolongamento do silêncio 
gostamos de sentir os pés livres no chão 
somos formas de ritual cíclico 
próximos da glândula e do arquivo da memória 
diz se que pendemos no involuntário 
da nossa própria morte
a mim pesa me esta condição desde que me senti viva
situando na orla do tempo o nosso corpo
reservei um helicóptero para a física apurada
do contra tempo
hoje sinto me estatueta amadurecida 
hoje sinto que o meu próprio êxodo extasiou se de vida
há um aparelho depravado de corpo rapariga
puxado pelo autómato de bolso de camisa
Suponhamos que havia perdido a carteira
levada a mente à transplantação de autópsia
quero que enfim o meloframa 
te seja a ti também amigo, o fio de Ariadne 
e toda a vocabular  explicação 
que bendita explosão te sintas

meu caro amigo
sofro do mesmo mal
do abismo preciso
e dele temo condição 
para estar vivo



terça-feira, 20 de julho de 2021

variações de vácuo

 

na linha da candeia alumiada de espectros
no escrutinar da noite
o garrote da terra destinada aos confins da galáxia

para a fundação de um grande buraco 
no lugar de dentes brancos regulares
havia lâminas giratórias nebulosas
com os seus nervos e veios mortos
a casa levantando voo para ser engolida
no lugar de uma ideia repartida

aqui espião da escuridão
esta janela helicóptero espelhado
é como se o meu corpo fosse estrela
há muito espiral de confinamento 
e um quarto de restos para o alimento

aqui um verso pilotado ao universo
computadorizado ao espaço
a aura paradoxal que a nave comporta
como se as coisas mortas fossem essência
para combater uma frota de vivos em dormência

havia um dedo delicado pousado no casco
uma ventriloteca de vocábulos estranhos
motores químicos a um nascimento artificial
de um sol que se extinguiu no fundamental

no limite de uma frota imperial
no entendimento da física da distância
escuto só, a quarentena do voo armado
mulheres de binóculos e instrumentos musicais
para a mobília lisa e limpa da cúpula
mulheres vertendo dos seios lava
e a silhueta de uma placenta inchada
é como se tudo estivesse preso
um dedo sobre um círculo de luz
o perfil de uma mesa inclinada 
onde nada e absoluto 
um quadro central de comutação
com elétrodos contra os olhos do crânio

encontro-me flutuando de sonho em sonho
lugar de um concreto assustador
o corpo range de prazer e dor
com a sentença de se acordar com os pés
do lado de fora da terra

sem perda, sem perda
da acuidade mental que nos concreta

como se estivesse segurando as mãos
uma na outra em vão

concreta, concreta
pela superfície de uma tecla
estaremos no espaço sideral
no cessar do dilúvio de palavras
que a gravitação que causa o mundo
compêndios de programação do absurdo






sábado, 17 de julho de 2021

Ódio aos moralistas

 

Pois coração declaro-te impotente
tenho esta imagem na mente
um homem lavando-se publicamente 
esfregando o sexo, lavando os sovacos, catando os piolhos, cortando os cotos, 
tirando do sarro da boca 
a dignidade que lhe sobra
para estar limpo para as sobras

pois coração de hiper realismo 
te encontras a leste do paraíso 

quando o murmúrio der lugar ao grito
que ridículo se acreditar na poesia
quando podemos quase tudo com o punho
menos lavar o sexo em público 

Tenho estado com essa outra imagem
uma camarada,  térmitas soviéticas
deito-me sobre a terra seca sigo-lhe a carreira
esse púlpito de arame farpado lá no alto
para ser trapézio de um mundo que há muito
se distanciou do leste sonhado

suporto melhor hoje a ideia da finitude
quando no acender das luzes 
cabe também o poema concreto e subterrâneo 
já velho, muito velho, como o conheci
antes de lhe acompanhar o cortejo 

quanto mais depressa essa ideia se consumir 
uma candeia atingida por pirilampos extintos
quanto mais longínqua a minha ideia se cobrir de escancarada e descarada 
subversiva alma mergulhada 
menos sentido faz o verbo e é por isso
que embora sem precisar de o explicar 
como quase tudo o que chega ao seu rumo 
volto vagueando, para no atravessar desse louco
poder também eu passar  despercebido 

No enclave da morte
para que volte, uma e outra vez
mais forte, mais vivo, mais lúcido 
mais bravo
mesmo que seja para lavar
o meu sexo em público 




domingo, 20 de junho de 2021

Kosmou

 bocejado de um mundo mal acordado
talvez utópico, ou justiciano ou bizantium
a inclinação de um ponto ao outro patrono 
desse compartimento oco
sininhos no tornezelo peitos mudos
colares de pedaços alarajandos ácidos 
e uma botija batedora de afeto 
o animal aninhou-se vespa inquieto
semicerrou os gritos, no plano equatorial
hoje compartilho a terra, a sua carne e os seus vícios 
acabo-me no brusco vestigial de um ocaso de acaso
para patinhar no charco indomável 
de um trono de cabelos brancos
deixo uma túnica morta
atiro-me das coisas ofendidas
para igual aos outros enaltecer me de racional
se eu fosse planta fosso ímpeto de feltro
ainda assim teria menos pressa da virtude

depois da primeira sonda ter aterrado 
deixou de ser poesia
o lugar havia sido desmistificado

assim o vi anoitecer
como um degrau de areia
com a largura da palma 
pedra, decote, apanhando peixes 
com a língua 
e almas com a sorte



Mico ode ao meu alentejo

 às  vezes parto para o Alentejo 
como se um feto que se estende pela placenta
e me estendesse a mim mesmo
e como seria eu por extenso?
como se fosse a terra inteira e eu sempre pequena...

terça-feira, 15 de junho de 2021

Que têm estas passagens de tão profundas

 cartografia para material utópico
a paisagem descritiva de um palácio descarnado respiratório
sugestão de viagem à ordem da universalidade
ou de um micro enfarte de espanto
Alpha, de negras reflexões
comparas a noite ao calvário da solidão
mas é na manhã mais pura que te encontras tirano de ti
de um lugar comum
aqui no memorial do luxo e do musgo
tudo são relatos de uma natureza esquecida
onde emocionalmente dormente o que clama de calma
militante sem proximidade da alma
onde escondido no pateo ou no palácio empedrecido
o alimento básico de um verde faminto
onde todas as palavras expiram
abastecidas de mais horizonte
lá no alto vai-se juntando mais de nevoeiro inesgotável
mais de cárcere sem avião ou pluma
que estigmatize o sonho
para paga-lo, uma e outra vez, 
do mais belo e caro tempo que vivi





quinta-feira, 15 de abril de 2021

Sad Hour

 

a Hora mais triste
um relógio plantado na campa
a um Deus Morte a vénia perpétua
como cicatrizes por fechar 
que da cabeça se hão-de despegar
há o nervoso da passagem estreita
as emendas que o tempo já não permite
um chemisier de arcos agora livres

e o empurrar do vento para dentro
como marfim antigo
testemunha de um branco imaginado
a obviedade ou a lassidão 

tamanhas verdades que nos esmurram 
todos acodem para o minguar 
do pó à terra de novo semente e ovo

na ponta dos dedos um palito 
e o cabelo eriçado ao infinito
debruça-se o coveiro para alisar a terra
sete guerreiros rogam pela absolvição
sete buracos metricamente calculados
e a telefonista chama que é hora de sesta
e lá fica a campa aberta
e lá fica a campa aberta

arrasta-se com a ingratidão da vida
conhece bem estas avenidas
as armas que levam os júbilos dos obreiros
a leitura do céu descrito de agruras
as vozes da agonia do adeus não querido
enterram-se os outros em silêncio
pela brisa da tarde volta de cachimbo aceso
o sono que não se deu sem pesadelo
mas que há muito que não recorda
há coisas vivas e inanimadas
no terreno sagrado das almas

o silêncio que não é como a noite
na língua nova dos apagados

o silêncio que não é como a sorte
na maré viva da onda devastadora

o poeta visita o coveiro salivando
crê que nesta amizade o seu lamento
e o seu exasperado medo
possam sofrer a degradação da perda
poder perder de si esta pedra
como se fosse a própria pessoa de deus
um ser cornudo de cascos e língua afiada
animal apocalíptico libertino
de entranhas brutalmente abertas

Na porta de Ferro a língua pálida
deixada de capacho áspero
limpam-se os pés, lavam-se as mãos
como se cá fora ficasse o pecado de guarda
e a humanidade fosse uma só vela pura
de piedade e ternura

o poeta ri de sarcasmo
interrompe a missa para o arroto
dança bêbado pisando o corpo
abraça a cruz para lhe confessar
que quem o matou fui eu

segue abaixo e acima, toca o sino
rodopia infantil sem destino
passa pelo coveiro na urgência 
de que lhe ate mais o novelo
lhe aperte mais o pescoço 
e lhe arranque logo as unhas

o espaço vazio é o leito verde e azul
que lhe atirem flores de plástico
e lhe cobrem o nome para o novo aquário
o poeta tem flutuantes vértebras
escamas de condão réptil
e não aquece o leito da campa mais funda

ás vezes senta-se a seu lado
conversam longas horas mudas
o sangue cruza-se deambulado
é o coveiro embriagado e o poeta lúcido
com o terror do cerco da morte
pregado no mais fundo dos seus calvários

deixemos pois tranquilo o homem que parte
o cão zelando no distúrbio psicótico  animal
retorcido sobre o tronco abismal

o cão zelando sentinela dos aflitos
multidão de de passos cessados
na sombra do muro todos viram pro lado
lá dentro lá dentro vai-se deitado



versículo dos impuros, 33


quarta-feira, 31 de março de 2021

Desambiguação , Allium Cepa


 pisca um traço no biombo da retina 
o reconhecimento facial de um estranho
ondas de calor para a sua oscilação
no deserto poeirento de uma tempestade 
essa linha vertical do ser colidindo com a transparência
e amargamente, o oasis será sempre passado
partido em dois, no antes e no depois
crianças oníricas nessa espécie de prioridade
enferma de inocência, carente de vocábulos agrestes
um percurso bafiento de lápides por estrear
um verão do para sempre estradas do mundo novo
para o homem inacabado
há uma metade da vida e outra metade da morte
uma cadeira de rodas que antes serviu de baloiço
um berço que agora sempre cedo demais chora
o tempo líquido para a extinção sempre certa
o tempo inteiro, inteiramente expelido do corpo
nesse método de locomoção viral
uma guerra mundana de barreiras barricadas 
e o homicídio do único desastre mortal
dizem que as crianças são a panaceia
o símbolo da viagem que se atravessa de noite
na atmosfera do vazio, na esfera finita da dor
pergunta-lhe nessa cama de hospital pela fórmula
pede-lhe as coordenadas do foco dessa paz 
que as uns alimenta a máquina e a outros a paralisa
são os crimes do imaginário, os seus pecados expiados
ser capaz do instinto metamorfósico animal
essa coisa da sobrevivência, os cabos que nos manipulam
atarrachados ao centro plásmico lávico da alma em erupção
para que o tempo seja sempre jovem
milagreiro sacro oceânico e de conforto
a mim me encontra o conforto nos teus braços
de ano para ano vão caindo películas  escamiformes
a minha alma simplificando-se num só conceito de estar vivo
no conceito em si como condição única
essa atividade cardiovascular imunológica da dor
muito ao de leve, muito mais breve do que sempre supus 
depois de induções de um sistema interdimensional de nadas
depois de voltas centrífugas de me consumir e reformar
depois de todas as almas por mim atravessadas
ficar cá dentro uma só, aquietada e simples
na palavra cicatriz só na palavra raiz
e apenas de visita a impaciência da vida
tinhas tanta pressa para chegar onde? 
UM PASSO EM FALSO E VOLTAMOS SEMPRE AO INÍCIO
o significado tangível da vida é a morte
dizia que procurava mais pelos problemas da vida 
pois ela em si é um conceito desvirtuado, sem qualquer essência
é um conceito que em si é apenas um ponto final na frase.
que colocado como suporte nessa linha vertical
atribui a exclamação À VIDA
dizias que quando estamos sempre a pensar ficamos mais pesados
que o silêncio do pensamento é a leveza extasiante do instante
como quando se tocam os lábios ou se abrem as pétalas
dessa estranha viagem celestial e bestial
há aqueles que nasceram caminhantes
guiados pela centelha da vida
com uma manifestação notável de orientação
dotados de uma missão ou um foco luminoso
e há outros que enfim, rodopiando sobre si mesmos
nesse movimento centrifugador vão cavando de mais dor
e depois há os outros, todos os outros que seguem 
ou não sabem sequer que estão a caminhar
ou não estão sequer a caminhar e é o tempo que caminha por eles
nas suas deliberações oblíquas de mimo e papel celofane
recordo a primeira vez que pisei um palco
cheguei tarde, sempre tarde e fora do meu tempo
por isso o meu palco é um palco de silêncio
estava vestida de lápis desses de colorir, da cor da terra
e a mim sempre me quiseram foi crescer as asas
uma flor azul plantada num vaso muito branco
se as flores murcham ou ficam adormecidas não importa
esse grande vaso branco será sempre a paz da contemplação 
do céu florido de azul
e pisca, piscam muitos outros traços verticais luminosos
cometas, satélites...pedaços de queda ou ascensão
em queda ou ascensão...em movimento
mesmo que já refratário da morte
quando as palavras nos começam a soar a despedida
é porque diante das nossas retinas estão biombos
levantou a mão, procurou pela minha
e com uma tremenda convicção partiu levando-me
recordo-lhe os horrores mas também a cor
um balão muito vermelho de ar quente
que vemos desaparecer..lentamente..lá no alto














quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Epidemiovigilância do Sonho

 

onde os limites dos braços da árvore da vida 
se abatem sobre o chão
laranjas que se erguem como sedas herbívoras
o quadro de klimt consumido por pigmentos de sague
a saliva gira na roda da azenha 
para a mais demente das securas
nesse espaço espásmico os braços criam raiz
uma árvore agora anta vitral escudo
para se ficar na ignorância às escuras
nesse penoso nervoso e quieto estado
corria a lágrima do chafariz 
a verdade espreita do seu equilíbrio
para se debruçar do centro do mundo
há troncos que cresceram na beira do abismo
e o tempo é apenas uma questão de erosão e queda
uma paisagem de fins catatónicos castanhos
tudo é sombra e silêncio
interrompido por vezes pelo sagaz consumo 
de algo mais fino que não chegou a vingar
estalidos de muito rápidos arderes
ou porque ocos ou porque frágeis
porque são as palavras vãs e vagas numa legenda
que se encontra num outro versículo
um lugar de farrapos atrativas estátuas de controlo
pendentes de cruz irreconhecíveis de fé
vítimas das suas cabeças aluadas e ataviadas
para nebulosos corpos à deriva no espaço
passos resolutos, irados tem o pastor
monossílabos de grande proprietário
inoculado de sonho
esse pessoa ou animal género carbónico
que se afoga minguante no levantamento
do vento que sopra tão alto que uiva
no segundo que toca esse horizonte que agora
já se sabe que se prolonga 
mas que podem os olhos bagos caídos 
o tronco dobrado vertebral e antigo
que podem para além da espera
ou a esperança de outra era
nem as árvores mais antigas são eternas
ou o declínio da montanha estático
por isso o velho pastor inveja o pastor imortal
que outrora lhe habitou por dentro






quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

deslumbramento de rugas e purgas

 

são os dia de nevoeiros mais belos
que acordam a serra, o vale, o encosto das colinas
para as cerimónias do astro do começo do mundo
para nos transfigurarmos de gente, de caretos, de intrusos
de rumores e desejos da natureza imperiosa do domínio
certos quartos, certas paredes de pedra, certos tectos
do escrutínio de se ver escolhido para nascer
sem altares ou alteres, sem domas ou vendetas
a hora escurece logo que nasce, é dia de inverno transmontano
ali a vida tem o seu próprio cronómetro conectado de afazeres
de amanhos, animais para pastar ou a terra por cuidar
de que cuidam aqueles que acordam entre vigas de cimento?
cuidam de um outro modo de envelhecimento
lembro-me assim às vezes do corpo gentil e raro
de um rio deitado, um rio dormente e profundamente poderoso
do seu encantamento terno e triste, a imagem esquiva flutuante
e a determinação de acabar nos braços dessa mulher citadina
uma variante de masturbação mas mais funcional
sofro agora de clausura, com toda a aceitação e paz
como se me tivesse habituado à hibernação 
e agora mais do que nunca, chamar-lhe de Inverno Eterno
eu sentia um ritmo cósmico que me furtava das vísceras
o estertor fulminante que me renovava de energias
e de impossível inquietação
mas agora mais do que nunca, tenho a prova da fragilidade
das linhas quebradiças da eternidade 
e dos milénios que a procura nos traz da cegueira

não venhas cedo
não venhas cedo, deixa-me tardar
deixa que aprecie o serenar de me cansar

que eu sou um homem de degradação impura
de sufocação imposta
e ordem abolida 

escrevo-o antes que a noite me cale
que o dia se escorra de horas mortas
e a saliva arrefeça na boca 

e que estranha e passiva
eu me encontre vivida

no meu poema há sempre lugar para mais vocábulo
há sempre uma sensação de inacabado ou imperfeito
há sempre trabalho para amanhã
e passos curtos e multiplicados
quando me encontro de passeio ou simples devaneio
o dia rapidamente se reveste de normal
o nevoeiro levanta deixando a descoberto o feio
e quando não se capta esse momento
não se recupera por inteiro e melancólico
talvez se cruzando o chão uma vez de vez em quando
o recorte de um caixão improvável
ou um jazigo oitocentista da rua perpétua
nas ruínas em que me penso e concretizo
sem metáfora alguma 
assim a morte nos recebe de olhar triste e anímico
envolvidos num halo de profanação
pelo prazer da violência do material concreto
atirado de perto e sem transcendência
penso que é preciso violar o sagrado
o fantasma de nós mesmos, agredir a verdade corpórea
a tarde límpida sem pedido de socorro
e dos olhos só olhar
o mistério das coisas, a sua conceptual aura de mistério
que é preciso rasgar, corromper, tornar desoculto
como um cão que rói até ao osso
só assim, podemos deixar livre o lugar da libertação
o vinco da revolução 
um lugar que está à nossa espera desde o começo
e nunca aceita 
o teres morrido para sempre sem ter vivido
penso que a última página está sempre em branco
precisamente porque não foi escrita
e que nenhuma imagem antiga se pode sobrepor
porque se buscam as horas e o precipício do fim
numa legenda antiquíssima de crispação
e um chamamento venenoso e dúbio
é inconfessável à esperança 
como uma balada surda 
mas é nos dias de nevoeiros mais belos
que nos chega o fantasma de nós perdido




 



segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

ao longo destes rios imaginários

 

há formulas mágicas
são painéis temporais que nos entretecem a alma
memórias de infância que hoje atormentam
o que faz e refaz o campo geográfico da dor
um convite tumultuoso ao desencanto
e templos de confronto próprios do seu tempo
são difíceis os caminhos dos sem caminho
diz-se que flutuam em prazer perturbante
na sedução do verbo, no amanhã de um satélite
que é a morte
gente que sonha com lágrimas
num regime de província enferma
historias de resistência e memória de volumes
de um mundo que não pertence a nenhum reino
entre as passadas de um anjo ou transparência
o único órgão que respira da ruína
como se a aritmética do ser fosse leviana
uma despesa da cabeça que nos custa o mergulho
e mesmo esses que nascem como plumas
hoje moribundos de grandes penas
há o inesquecível lugar do sonho
o desmaio contínuo de um hálito nocturno
que desagua no produto da solidão
e pôr o pé na sombra
a mão daquele que lança o espírito ao ventre
e dele arranca um plano resolvido 
há a pecaminosa solidão dos asilos
o chão dos dormitórios dos anulados
a disfarçada sujidade dos encarcerados
e a nódoa moral dos que viram a cara para o lado
nem mesmo as horas debruçadas na ponta da língua
se ajustam à reflexão residual
talvez seja um luxo ficar a olhar
o barco que deixa o cais revirado
que o amor é precisamente o impulso de se atirar
há os que põem o pé e vacilam
milicianos de medos e de insustentáveis verdades
mas tantos barcos atravessam carregados de esqueleto
para viver num país tão pequeno que caberia num dedo
até amanhã esse amanhã terreno
um lugar ininterrupto de tributos
quando esse dia chegasse, sepultava de forma náutica
como uma escultura pesada e cheiro a salitre
o anseio convulso de me sentir naufrago
e os pés são reais como âncoras de ferro
metade de nós desliza logo à nascença
o resto...fica lá dentro para o regresso

todos os dias o corpo hirto lamenta-se pela 
memória acústica das palavras
os olhos mortos a boca estarrecida sabe que pára
o principiar da sombra, metais cortantes desmedidamente frios
e a saliva o veneno das tripas
e é precisamente nesses dias completos
um sorriso vertical da permanência parada
do suor das lágrimas 
o que nos escorre da vencida força sintética
para o murmúrio das serpentinas da vida
e vertigem, há um grande fosso entre o cais e a partida

reza a salvação como se dessemos milho aos pombos
no limite da distância entre nós
e o peso que carregamos aos ombros
-dou por mim a reconstruir a lógica quando lhes calculo o voo
à cata do peixe no súbito lugar da infância
move-se na cama para escapar ao pesadelo
quer dar um grito mas sai mudo
necessitar do absoluto à íris coalhada do fim
de que em absoluto há um fim e um sétimo fôlego
para o arrependimento