quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
Micha
o ursicídio para mil campas de mel
a revoltante irremediável filiação
a um estado a que se não pode mais
pertencer, a ânsia frenética de querer
ser criança para toda a vida. Micha.
vejo a imagem flutuando por águas
escuras, tu gritas terror nocturno
em pesadelo de ser adulto.
Acordando na margem chegando parte.
A cabeça sem orelha, o tronco sem
a perna. A impressão de que a terra
vai terminar essa tarefa que os anos
não cumpriram. Um olho carrego,
amuleto que guardo no bolso, terno.
Em momentos de desespero procuro
ainda o apego, o aconchego do pêlo
mas que posso? O rio foi mais forte.
E na minha mão esse olho plástico
que me vê de um ângulo mágico
um semi berlinde, meia esfera
que brilha pelos dias de escola,
no tempo do leite e das bolachas
das sandálias e das coisas fáceis.
Nessa campa de imagens estanques.
Não há como regressar, nem tu feito
de carne e osso e coração a bombar.
A bem dizer nem me recordo do dia
em que te perdi de vista, nem sei
se fui eu que te dei, se foi alguém
que te levou num qualquer saco
juntamente com os casacos apertados.
Eras apenas um brinquedo não eras?
Micha, divago com mil diabos!
em bicos dos pés, chego ao telhado
tenho essa impressão mas na verdade,
sou tão pequena que toda a infância
me cabe ainda num poema. Micha.
O que teria sido se da prateleira
nunca tivesses saído?
Todo o passado seria agora vitrinismo
O ursicídio seria o homicídio
não digo suicídio porque não haveria
um eu para puxar o gatilho.
E as campas não seriam campas
nem seriam mil infâncias de mel.
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