domingo, 31 de maio de 2015

o universo magnetismo


Os risos que se apagam nos nossos ouvidos
a cena medonha de Deus fez para cá chegar!
na ponta do charuto patife espaçoso vocábulo
o magnetismo irradiante revirando extrapolando se,
perfeito sangue-frio
do empolgar e resfriar a pele do calafrio
contente. Com o lugar ocupado mundo.
A estação mais elegante onde repousa
um ramo pardo e murcho do tampo
de todas as feridas balsamo obsessão fixa
das reminiscências tristes do brilho
a capela transborda a ritmo nervoso de lua
do abalo estático suavizando o desejo da vida
Há um espírito mortal combate
em cada um que se esbate contra o estuque
Contacto
decorrendo a foice da impressão
tem patas grossas e poças nas dobras
inundar o momento calado
Tudo camélias brancas no regaço
nem imaginários como nus
Oh criatura branda, ainda fascinada branda
desse género de homem completo
ser carreira dos prazeres
à força bruta de uma madeixa impaciente
o seu ser vibra com a estrutura locução
de andar sobre as próprias pernas
Já conheceu em vida a criatura que o domou
Há tantos fantasmas a vaguear...
a corte amorosa de jóias vistosas
O romper das cadeiras é fraco, sim fraco.
como uma gárgula de asa ferida




sexta-feira, 29 de maio de 2015

palavras ao vento


O roído vem do quinhão
de pactuar com gritos
Somos não somos atochados
pelo melhor peitoril
desta cidade viril
De pactuar com o demo silêncio
com a nossa silenciosa dor
de ficarmos marcados
para todo o sempre chorar só
E um ferro em brasa
O porto salvador incógnito
rodar o trinco da sorte
E subitamente a tua palavra flui
e não estás mais só
E o autor profano se evangeliza
do espólio de borboletas vocábulos
refinando como larápio a arte
de magicamente se apropriar
de todas as vidas

Que possas azulejar todos os poemas
nas paredes devolutas destas ruas
e do sopé da colina seres autóctone
do consumo de todas as brisas rimas
avant-garde metafórico de olhares
que tudo trespassam e não morte.

Que sejas incólume de ti mesmo
e por quem cá ande mais
quando essas anónimas paredes
passem a ser retrato exposto
como apenas corrompido
à espera do exorcismo
quando de branco de novo caiadas.

Mas que são?
Palavras ao vento dos infernos
do coração.


A imagem púrpura no escuro


Não tenho casa.
Não tenho casa, estou hospedado na alma.

E sacudiu o rabo com satisfação
a pobre velhinha sentada no banco corrido
olhando...o infinito
recriminações que lhe hão de cair em cima
em cima de mim se a abandonar de mim
Do mais torpe dos anos que a pele encarna
romper como elementos vitais em falta
e escorregar por uma linha intrusa
mudar de lentes
pobre velhinha
dizem que os cabelos dele são oferecidos
pelos parentes dos falecidos
e sem se mover do chão atraente
do horror de tomar fôlego e virar costas
correr até à última extremidade
numa quase quebrada infantilidade
mas...manchas de pó no dorso
acusam a sombra do enfado
de rolar pela goela um país de meditações
aos altares das duas pernas bem feitas
e encontrar a letra infame
essa honra vitae
de aceita-la como uma xícara
e desse lá dentro corpo bélico
se conservar ainda como um troféu

De continuar a fitar o futuro com escárnio.

Mundus est fabula


Da atenção maquinal um pulo confortável
afundamento de uma exclamação surda
do ranger dos dentes o arcar de tudo
o homem e o momento
das próprias loucuras
e a prova mais dura, transcrever honesto
no recato de um violento aposento
porque a grande muralha é o mesmo.
Ah grande porta ogival humedecida
o pátio sombrio de tecto abobadado
e um castelo para seu uso particular
de mimos de exagero
a sólida fortuna dos cofres de herança
do labor afectivo da extravagância
moedas de dor sonantes.
e edificado rei no forte peito aristocrático
onde nada lhe foi ensinado
o pendor natural e humano
varonis de obstáculo e desejo
no ímpeto da anti oxidação das pratas
lavradas de um notável puro sangue
essa vontade férrea tão próxima de Eva
e que lhe importa o deixar-se escravizar
tal praga no senado, que leviana essa diva
só poderia do paraíso ser fugida.
Pobre Eva! E vê-la surgir em cada conversa
depois de silêncios que embaraçam
e de muitos mitos consumados

Pelo castelo do pobre homem que a ama
-Pobre de Deus...
SE fosse qualquer outra, camponesa
ainda que das mesmas artimanhas criatura
deformar de forma tão entregue a sua vida
mas, pobre Eva maquinal a sorte da Terra.


terça-feira, 26 de maio de 2015

Para Elisas


este poema saiu-me das entranhas
custou-me as costelas e as clavículas
mas todo se entende não é verdade?
todo é sinónimo da mesma pasta
da mesma vasta e curta simultânea palavra
todo desnecessário de dicionário
de segundo significado e deambulação
tão simples é assim o meu pesado coração.
este poema traduz na exacta medida
as lágrimas que não me couberam na tina
sabe o peso que a balança acusa
sabe que medos e segredos denuncia
sabe que temperos pede a receita
e que pontas soltas tem a tese feita
este poema está feito do meu sentimento
da minha carne pele e consentimento
não tenho mais que melhoramento
nem tão pouco opinar sobre entre linha
sobre segundas vozes ou matrizes extra terrestres
este poema é o nome e a alma que o consome
é a dor e a vontade de lhe ser esplendor
é todo aquele que lhe for honesto na métrica
porque tão simples é a sua leitura
desde que cumpra a sua vontade pontiaguda
este poema é a linha que nos cose
quando nos deixamos rematar
quando nos entregamos ao acto simples de o ler
sem que estejamos a projectar qualquer ser
Tão bem sabe receber e quem sabe imitar
porque de nós nada esteja a brotar
porque de nós nenhum poema para debitar
Este poema é mau, é sarcástico
é espelho, é velcro de inveja
é caco de peça que nunca foi inteira
é...e se é tão simples assim,
porque sabemos que este poema
não é um poema,
é uma legenda!

hei-de narrar sombras chinesas



bonecos de recorte de papel
a tesoura é lima dos espinhos da dor
e em quebranto lavar o menino
que nasceu com o diabo no corpo
-Hoje parece que sou filha
de um gesto envolto em filia
que o prefixo pode ser qualquer
desde que me chore o destino
estamos sempre sozinhos
e quem não entendeu ainda
entretem-se de detalhes fidedignos
do seu próprio gago caco vaso
a respeito do inócuo ventre vítreo
creio que é qualquer corpo
de ninguém para imitar outro
Há passos que estão noutra dimensão
como sonhos tão palpáveis
socorros de urgência, imobilizando
sintomas de suspeitas de fractura´
a tantos pretéritos perfeitos.
ó homem lesa e encontro baixo
eiras de voltas inteiras
da fina argúcia o contacto
da cobardia do filho que não tem defesa
nesta época de transições imediatas
conta-se com mais largura do que alma
e pela névoa rosada do amor possível sobre caos
de uma caligrafia intransponível
mas com mais augura de horizontes
talvez se responda, mãezinha, tenho ainda uma
curta biografia!


graças à tua geografia
tenho percorrido todos os mapas da poesia

parto porque me permitem



três encriptadas são as voltas
que dando às nossas falas
se demora o nosso parto

para se fazer arte é preciso um terceiro olho
absorvendo toda a informação do futuro
e acreditar no produto final

sim, vai passear as cadelas
não sofras mais
a especialidade líquida é valiosa
provoca um imediato bem-estar
crostas e chagas
mas cuidado com as imitações
triciclozinho da infância
ah a confecção dos enxovais
aos demais jardins de criança
com um gesto de desafogo
de fatigado animar vulgos desejos
só desejos! porque de resto nem vê-los.
tem razão o homem isolamento
que trabalha no conceito
e é digno de respeito,
de compensar a realidade e compressão
averiguar a razão
que o poderia ajusta solução temer
porque tudo são sempre desequilíbrios nervosos
a clarividência de erros de educação
de termos sido todos doutores
e afivelar cangalheiros do ganha tempo
proporcionar-te a cabeça a felicitar
e tudo é dar ou se é
e ponderar com um só longo tiro
de novo, proporcionar-te a cabeça a pensar
a nosso corresponder a pieguice de continuar a arder
desse equilíbrio que se ganha
da libertação de tudo o que se julga ganho
Se sintam humanos comportando-se.
E lembrar-se que um chefe é um grande vocábulo
do impor e respeitar o outro.
tenho ouvido gente falar de osso
vagamente um  parto sem dor
no parto do sem medo-parto
e articulando, os nossos filhos sem dor
hão-de estar na posição certa de mamar
o mundo está a dar qualquer coisa em troca
de comodidade, oportuno e franco
o engolir e procurar
tanto verbo que fica por mamar!
O que não se deve fazer,
doenças de carência do ser
a alteração dos atrasos do andar
e tínhamos afinal toda a luz para ver
a insolência solar fontanela da alma
e deformações para nos desculparmos
à deglutinação
a oposição vertical ao mais aproximado dos verticais
na parte interior do seio esquerdo
que a criança engula o seu anseio
e diz que o vómito é insignificância
que há-se ficar para além do ar que lhe é facultado
para sentir que podes estar vivo
graças a esse ar consentido.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

seguro morreu de...


A estremeção de quem subitamente é chocado
do ninho de terra e argila púrpura orlado
agitando as ramas dos traços de injúria e lascas
aramados depois de sombras no instante primeiro
E as pálpebras se ungindo da grande fornalha do íntimo
que resta no deserto uma carcaça ardente
talvez temos areias diferentes
Dão raças inteiras de acasos
o prenúncio ergo e ecos
em matéria de humano arbitrário
dentro do obituário a igualdade da alma
Ah mas a consciência é imunda
das alturas in alcançável mundus
E ás vezes é preciso invocar
uma procura que nunca se resiste
nessa arte algo irreparável em tudo isto
um cataclismo sem modelagem possível
de todo o mundo antigo ser matemático
e nós hábitos em preguiça de contagem.
Ponto. Já disse ponto porra.
Que me desinteressa a ideia do mundo
de mata esfola sem martelo
de pedir esmola sem alfabeto
de além cima sem inferno.
Ai porra que porra de intelecto.
tanto averso mais menos comprimido
ter tanto de anarquia como de presídio.
E o império sobre pedra dorme
a subtrair a parede que não cede
aquela cerca que nos impede
no íntimo nocturno do dia sem nós próprios.
Esta sociedade condição. Fertilização phatos
encruzilhado e perturbação de paz.
seguros de termos raíz.
Aí sim. Ascetas de pequenos números
que dão teoria à terra.
Aos que convidam à sorte, sou temperamento forte.


quinta-feira, 21 de maio de 2015

uivos da loucura



A promessa celeste nas trincheiras
heróis e heroínas do fim dos mundos
a barraca da felicidade
ardendo por todos os poros
É o pão da alegria e o segredo do amor
a esperança nossa e o dinheiro manganão
e os anjos rebeldes brotando do chão
esse cão chão ímpio
avarentos restos de sua santidade
Os tiranos lavam-nos os pés
mudam-se as matrizes
do arrependimento à misericórdia
todo o homem tem história
feito voluntário
mas há apenas um único grito
aflitíssimo que o acorda
quando a pele cai para mudar
e desse ser que escorre sangue e carne
quem visita as muralhas ausentes
para chegar ao verdadeiro fogo infernal
mesmo antes da dor
A raiz de todos os males
diz que é a desobediência
e o descurar da oração hipnotizante
do parecer que a terra se move
Ah a eterna salvação
no lugar do rico coração
a omnipotência e o pecado de infância
-Como fomos loucos!
E diz que a loucura não tem remorso.

(No oratório no dia do juízo final
escutam-se uivos dos vermes que não morrem)
E ao contar este sonho
dilatando-se-me a alma
vi lá muitos dos que aqui me escutam.

Para ir ao inferno é preciso ser antes
julgado.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

organic



Vibrar uma barata em sapatos de prata
da massa conjunta o apertão e dar corda
sentindo na pele a fronteira acolhedora
da viva-cidade sem torpor ao acordar
São os cabeçudos que não se vergam
os abelhudos que não se enterram
e a preguiça na qualidade animal.
Factus est sicut equus et nulus
da imundície de más paixões
Quibus non est intelectus
e são os ladrões e os fanfarrões
as soberbas rosas vermelhas
da admiração a carne colhe-las
no odor infecto da renovação
nos acordes de acesso ao acaso
os herdeiros das penas eternas
coluna de cristal para tocar nas estrelas

E cada tentáculo uma asa dolorida
a acidez do gesto contido
milícias da imaculada boca
em marmelada rubis sem roupa
aonde vai a dentro o sapo poerento
Diz que faz um tanto ou quanto ábaco
do nosso pensamento

e a sedimentação da subsistência
o exacto balanço entre
cada fronteira-forma
Fossilizando-se
de mineral a composição
o vasto lapso do tempo
Tantos instantes dádiva
períodos de acumulação
milenares pegadas
facilmente trancadas
Por gradações transitivas
o efeito do paleolítico
nas nossas vidas

É o litoral animal
Rochas submarinas desnudas
um só progenitor
organic beings
de ofegantes distorções elefantes
e oboés de agarro-disparo fés


terça-feira, 19 de maio de 2015

Os andarilhos de Deus


de aqui se andar descontente
et voilá, écrire no Saara
a usurpação do real se afoga
em punhados de areia e nada
aceno de cabeça bastardo
ao efeito mágico do andarilho
que caminha sobre as águas imaginárias
as últimas coisas
do profundo subsolo da memória
um retardo ambulante
em função dos seus próprios eus
aqui o epicentro é mais fundo
da crua aparência a secura
mas fechar os olhos e sonhar
pela nítida arritmia cardíaca
esses sistemas de vida assistida
de se acreditar em milagres
e um acto de amor não falhe
a quantidade das coisas últimas
pesando-se nas pegadas sobre o mar
querer fazer-nos a vontade
nossa coisa vazia de verdade
um longo instante..areia esculpida
um tão improvável homem nasce
do papel de deus num milagre

os andarilhos de deus
caminham sobre a areia fervente
descalços







segunda-feira, 18 de maio de 2015

a um possível A deus



Cuidado com as aparências apertadas
Dobrar-se num quadro dobrado
a mais leve bagagem de lado a lado
e certamente o caminho mais vasto
A passagem livre para o paraíso
a multidão alegre num quarto de tarte
porque para ir para o céu é necessário
um sobretudo de escravos de instantes
O molde de asnos a conselhos de supremos
Medrosos medronhos meus lindos cravos!
Depressa soberbas palavras de admiração
a praça onde morreram nossos tios
Será sempre a nossa quente cama
onde nos apetece a rama inteira
essa espiga que guardamos memória
primeiro dia solto de apanha.
pinga e saias no ar...nós mesmos
a jogar ao apanhar
E os costumes elegantes dos colégios
onde o chapéu se disfarça de chifre
Toda a planície é nosso breu
e na distancia nos achamos inchadas
no centro das pernas que correm mais
que a própria alma
Meu Deus, a minha terra é ainda virgem
desta multidão que a apalpa com sedução
eis como os homens vão para o inferno!
Repito,eis como os homens vão para
um inferno qualquer explicito
e aí...de que serve o aviso?
Verso nosso que no céu está is descrito
a longa marcha dos aflitos
ainda tão maior que os homens
é o semelhante a deus
e toda a sagrada escritura
que nos faz sentir a falta no Adeus





pinta lábios


in a mellow tone
miniaturas de fel o jogo
de espinhos harmónica abre e fecha
ver para além do existo no leque da mão
um par de gémeos querendo adivinhar
no cansaço que pesa fora de horas
o homem que pede papo furado
a um destino mais que vencido
o rosto lívido transpirando
da futilidade de se achar ganhando
hei-de deixar espiar-me
limpar as quezílias das costas
in a mellow tone
das mãos em fúria branda
partir o baralho sem planear,
até parece coisa de criança,
e telegrafar para o além
caracteres de naipes de nós
as teorias do hábito em falta
vestindo de fresco o corpo talhado
de um só baralho, nós
do couro curtido o rosto encardido
certas conclusões silêncios
bluff é coisa de tempos do faroeste
in a mellow mel o tom
como cigarros pendentes nervosos
entregando à cama vestes despes
da clandestinidade da batota
ruínas para além das memórias
que o gesto já foi aprendiz
e a máquina de discos pedidos
encravada
ficando à vista quatro ases
somos espelhos de carne
o molhar dos lábios escarlate
no cruzamento de luzes fáceis
uma baforada de razões aparentes
para se crer no labirinto do trunfo
e ainda no rito nervoso de um músculo
o diapasão do miserável vício
planos esquizóides de partes do corpo
para levitar do fundo o éden
na suspeita de uma derrota bem vencida,
mas que pode apenas uma foda
in a mellow tone?

-tudo tem o valor de um chavo
tudo guardar na mesma gaveta
no mesmo fosco armário
-que é isso de ganhar à sorte?

Almas embrulhadas em celofane
bolorentas no bater da continência
depósitos de fim de semana
no ritmo mecânico da engrenagem
de sermos todos divas jazzeadas,
mas o tom manhã seguinte é outro
das pálpebras ondas vagarosas
o pavor entre as almofadas
rostos de fel e reles odor
antes morrer durante o sono!
e vem aquela puta line more than fine:
we still can be friends, friends
frentes frames de empty walls
Wall.E -  Eva
somos criatura viva
à laia da consolação do aditivo
poder-se retardar este vício
poder-se quebrar este ciclo
e aventar cartas sem nexo
este jogo estou disposto a joga-lo
e a perde-lo se for necessário
sem contagem sem margem
do heartbreaker arte bravier
arde behavior ar de mellow mel o Tom
Amar-Te




-Já não há ninguém sequer para ajudar a calçar as meias.
-Ainda se fossem inteiras...

quinta-feira, 14 de maio de 2015

a gaiola da fortuna



isolado numa gaiola
que para voar algo tinha que ser livre
as amargas fezes da fortuna
lado a lado com a dose de alpiste
-aquele demónio que ali está
tortuoso chilrear com horror próprio
esse sinónimo de anátema
tocando nas raias da histeria
e cobri-lo com um lençol
assim longe da vista
talvez o demónio se cale
saber que o passado o venceu
morrer de velho e finalmente
mudo.
o carrasco é o lençol
que o mundo é demasiado frágil

a certidão do nascimento é falsa
não nasceste de uma mãe pássaro
brotaste de um buraco extraterreno
e mais teologia que ironia
para exorcizar-te e o bico calar-te

mas mal havias nascido
já o canto era frenético
se não podias apenas sorrir
no silêncio do meu quarto

talvez embalsama-lo
para pendurado imóvel
de cabeça ao contrário
lembrar que o diabo não dorme
que mesmo as coisas mortas
invertidas e silenciosas
querem dizer o seu nome

prólogo de um poema vida



e morres sozinho
o universo desintegrando-se lentamente
numa câmara de falta de ar vigiada
e quando os teus pulmões sufocam
uma única lágrima por tudo o que não foste
não porque uma razão te tenha impedido
mas porque não tiveste coragem de o ser
e és então envolvido por uma escuridão
pesada e definida, sentes-te flutuar
pensando livre.
logo saberás o que está para além
todas as restantes lágrimas
de brutais anos perdidos
dos dias que chegaram ao fim
mas morres sozinho
nesse momento único
uma morte ritual, pesada e definida
onde uma única lágrima caída
espera que na palma de alguém caia

e não é um provável inferno
ou um cristalino paraíso
muito antes um limbo onde pairas
expiando todas essas lágrimas

a vigilância da tua morte
é a consciência de uma vida não vivida



já não há poetas condenados em nome da lei
porque já não há poetas que desafiem a lei
em verdade, já não há sequer poetas...




quarta-feira, 13 de maio de 2015

somos tantos e nenhum



interrompendo o passeio para fumar mais um cigarro
das garras do fumo verbos sem assinatura aos céus
e começaram a soar passos abafados
pedaços de mente queimando a energia
amaldiçoando um lugar chamado dentro
chocalhos como pedras de calçada soltas
rebentando o rifão: enquanto à vida há...
-vai indo não me posso queixar muito
a vida defendida pelos melhores criminosos
que raptando o horror ao sentido que não é
caindo de amores em síndrome de estocolmo
-por essas razões somos todos inocentes
só é preciso lidar clinicamente com o ódio
a violência contida que fica nas palavras
um complexo de outra mitologia qualquer
-o que te dará mais poder ainda?
aprender a manter o mundo no seu lugar
e se for preciso ameaça-lo com a arma
que das nossas mãos passa para a folha
e o cinismo, ah o cinismo é o bálsamo
com franqueza o adquiri por empréstimo
a um outro qualquer poeta do fingimento.
mas a ponta do cigarro requer sempre outra
e as teorias mais perguntas tal barras de aço
anti semitas, porque deuses há muitos...
por aí passeando à beira do passeio

ária do silêncio



o tempo - ária de pranto interrompido
o descanso é acanhado pela fuga das horas
tenho o fundo rasgado debitando compassos
ponteiros de relógios ao contrário
e da passerelle gradeada coxeando
às doze certas abóbora em Cassandra,
múltiplas preces em berros selvagens
-daqui ninguém se salva!
simples unidade solar de anos
incrivelmente rápidos e insanos
e escapando à definição sensorial
de conotação afectiva dos dias a mais
tudo é lugar danado para amar
e quando o espírito me vier visitar
logo réplica lhe irei dramatizar
uma cela para uma cela
e um tom sério para vivê-la.

o sol, as estrelas e a própria vida
come-las esfomeado de semiescuridão
porque a outra metade é para mais tarde
para quando o tempo for paragem
quando deixar de ser mera colagem
e meus filhos dessa cadeia nascerão
meus dias de folga da penitência
de estar amarrado à força centrífuga

confiando mais no coração
e muito menos no relógio de surtos
nesse movimento perpétuo de ser alguns minutos
quarto de madrugada em absurdo
e no corredor da morte apostando a vida
nos braços lentos do regaço de um poeta


terça-feira, 12 de maio de 2015

try to walk in my shoes


queriam que se descalçasse
como se o chão fosse uma mesquita
e os pés se varressem por acaso
mas quantos já calçaram os seus sapatos?
tendo calos verdadeiramente satânicos
e joanetes lhe moldando as formas
e enrugados porque usados esses sapatos
são como um vagão de paisagem batida
vagão do que foi viajar em primeira vida
são hoje um quadro monótono
com buracos por onde a chuva
às vezes é incómoda
e aldeias enterradas nas solas já gastas
amplos armazéns de micoses coçantes
riachos de suor de caminhadas teimosas
o brilho sinuoso à muito que é oásis
e aventurar-se de novo, talvez fosse impossível
que uma vez se descolando na frente
atrás fosse o óbvio
mas não tendo outros, esses sapatos solidão
querem ainda anunciar que carregam
pés de carne e osso
pés que vibram com o frio ou o calor
pés que dormem calçados no passeio
e bem atados ao tornozelo,
querem anunciar mas não falam

como se o chão fosse lençol de pedra
e por respeito, há que tirar os sapatos
como se o chão fosse mesquita
e os pés se varressem por sina
quando deus afinal está lá dentro
esse templo onde ninguém
pode entrar calçado
mas faz frio,
se faz faz frio no inverno não temperado
e que pode ele fazer senão dormir calçado?




o que arde cura



está um homem no escuro à espreita
-hit and run
o franzir da testa a meio do passeio
indiferente à multidão de entes
a multidão de corpo imóvel
que o envolve por uma pressão inevitável
sem objectivo
portas giratórias do invisível
para dentro um átrio de estátuas
o som provocado pelas gargalhadas
de ninguém
e o homem de mãos ossudas nos bolsos
ainda o franzir da testa
tal animal em campo aberto
a ponta de cigarro num vaso de areia
e o pêlo já raiado de grisalho
pás! a alavanca do andamento
mede o maestro os quatro tempos
o osso partindo-se como galho frágil
-tenho a ira sufocada na voz
e esfrega agora as grandes mãos
o anel de ferro que na pele enterra
tudo ainda espiando por detrás dos buracos
uma bomba de incêndio de vácuos
escravizando um alívio que tarda
cavando dali são e salvo
de nada deixado ao acaso
e vagabundear pelas labaredas relutante
sibilar através das paredes
mudar o peso do corpo
para no jogo de setas ser o alvo,
e já meio careca do fogo
olhos alinhados no espelho instante
o crédito da alma falecendo
caduco assassinado por um peito caloteiro
e a lista para o capelão:
emborcar, ter licença para mostrar as divisas
as devidas cinzas bugigangas
e para ser aplaudida a parte dorida
um coice de mula por último
à medida que o fogo tudo renova
e principiar
um desassossego sem mais cólera

segunda-feira, 11 de maio de 2015

pensando em isso



-é difícil de explicar, essa revolucionária pregação
 é como se deus se estivesse a enganar e a pilhar
quando se está entre gente que não se sabe estar
sente forte o cheiro da poeira ardente árida gente
uma espécie de solução permanente que não se sente
de se estar sem fôlego no fundo do lago extinto
e das contas do rosário de zimbro reza o incrédulo
perturbar um céu esquisite-se tudo ingénuo
de resto se aprofundam verdades de cara fechada
velhas como estas que nos anulam de perguntas
sinte que se imaginam palavras chumbadas de alma
mas não saber se lhes conhece o rasto ou se esqueceu
talvez seres extra atmosféricos que dentro de nós foi
da nossa cabeça periféricos recortes de seres
rebuscando o que se conhece tanto e sem fronteiras
-qualquer coisa para contar numa viagem às órbitas de si
uma e outra conta pelos dedos que se esfregam de fanatismo
altas faias escutam-se segredos que se tomam de só
e apenas túmulos de família para nos deitarmos
para na chama estatueta oca nos realizarmos
 da amargura onde se serve material distraído
o homem se começar a encolher de tanto alarido 
que relação há entre nós? quando se acorrenta o absurdo
não tem olhos nem sonhos esse cadáver pessoa esquisito
talvez nosso deus era cego e agora fosse de códigos relevos
sossego e recolher coisas sérias no cicatrizar dos dedos
a argila lá no fundo em desordem  - grosseiras talhas
que quem molda é a falta de falhas
-eis-nos em conflitos de covas
o meu é mais fundo, o teu é palpável
de se procurar escapar pela sombra 
à mais insaciável sede das montras
essas coisas que só no céu fazem sentido
por isso deus está confuso ou nós nos confundimos



concreta mente és



cujo tecto aberto em clarabóias de significância
o primeiro choque é a constatação de não haver
há um porteiro ensonado de uma voz solta
o administrador de uma grande coisa celada
a todos aqueles que se querem ver dentro dela
não há absolutamente nada para lá dessa
que não possa ser contido numa ponta solta
cujo tecto aberto de despede de um ponto
na sempre volta amainada da terra pela lua

mas um ponto antes ponto agora estilhaço
deixando cair a luz inerte do seu colo
de não saber se dentro se fora mais perto
pusera-se a contemplar essa coisa
interrogação, tendo oferecido o pão das estrelas
e toda a gravidade do seu coração
um homem nem bem perdido nem bem achado
que antes amava as ruas da sua ruína
que antes se sentia completo na sua nostalgia
que antes a dúvida o consumia, fugiu de órbita


e estendeu a sua mão
numa palavra pedindo a passagem sem volta
de o dizer a um desconhecido a verdade
ampliando toda a vontade de ser qualquer
um homem qualquer
mas sem história




para a mulher


sob a pele eriçando-se
um eixo rasgando a espinha em sangue
corte perfeito em dois
para ser emigrante de um corpo que sofre
e de uma alma que consente,
quedas de água por entre as pernas
o parto de uma coisa sem vida
a velha fachada de um palácio em ruínas
as persianas que os céus omitem
tudo em silêncio de abandono
dessa cabala magnífica interior
de ser urgente partir para dentro e rugir
pelo tremor de um coração batente
pelo temor de uma terra sem gente
e cores de encarnado
delicado mas quente, atolhando o horizonte
a mágoa das mulheres da planície perturbada
o pão do adeus de para além de deus
essa angústia espiritual sem reboco
porque as janelas são estreitas para a catástrofe
de não tardar a encontrar a paz numa cortina de sangue
nessa espiral fosso intermitente
o âmago dos seus íntimos onde jaz
tudo o que foi pedaço de si abocanhado pelo fim
essas mulheres famintas de parto
solene um fundo vago de amargo
no cansaço de girar em torno de si
uma vez mais a urgência de agir
tudo de um sonho repisado
como uma goteira desconjuntada
encarando de dentro qualquer coisa
qualquer parte que ainda lhes pertence
mas que já não serve

e são atitudes glaciais de sete saias
da véspera desse adeus uma estranha confissão
fitando a mão no abano ainda em deus
toda a vastidão de um brilho que se extingue
de noite para noite o pedido de perdão
de braços colhidos ao peito sem mama
como uma espécie de túnica pérola
que implora por esquecimento
de estarem cobertas da poeira cósmica
onde a benzedura chega a ser dolorosa
porque a prece é em vão
o nado morto coração

mulheres do luto
esses seres que entregues à escuridão
foram removidos das suas próprias mãos
mães criaturas de ventre em bruto
rendas no limiar da carne e do osso
um cortejo de andantes em arrasto
carregando todo o peso do mundo
num ventre sem outro atributo

e da ladainha de uma esperada renovação
luz, paz, papoilas encarnadas
o luto se cobre de sangue ainda quente
e do sacrifício de um animal ferido
em memória de todas as soldados do início
retomar a luta contra a pá
que em toda a memória as enterrou
em aventais, aparadores e panos do pó.

e esperar dar enfim à luz
criaturas livres de clítoris
de posse ante todos os homens
que antes as matavam de ódio
pela inveja da não posse da concepção
pela inveja de sabe-se lá a razão

erguendo-se finalmente o dia parido
em que não é mais preciso
orar pelo genocídio do dia de amanhã

todos os dias de amanhã são filhos de
um ventre
e nascem fluídos do sangue
mulheres amantes seres de constante
iluminação e posse da maior relíquia
anti morte



quarta-feira, 6 de maio de 2015

Levo para o caminho o meu nome



mal começa a rabiar o dia.
ornou-se a cidade deserta e taciturna
sob um véu imutavelmente fino.
uma viagem pela atmosfera insólita
tudo reinando em volta de morte e expectativa
o tremor da terra, abalos físicos reais
do temperamento de querermos fascínio
de sermos inatingíveis no declínio
diabolicamente esse diálogo viagem
sobre os grandes plátanos erguidos
todo o meu corpo é esguio
diabolicamente atingida pelo frio
que a cabeça lá no alto é muralha de
frágil mas antiga e singular nuvem

no complemento de uma rasura
com uma forma tangível e intacta da terra
a raça conhecida na singularidade do espírito
que tão bem reagiria a um acontecimento
brusco da mais violenta das cóleras
de blasfemar em nome de uma alma.

E por um instante mais tarde
orar fervosamente na ladaínha dessa Nossa Vida.

E o incenso para quebrar o cepticismo
os velhos guardando o segredo dos simplórios
carregando em equilíbrio nos ombros´
a íntegra fé dos deuses.
Para dividir em desenfreadas facções
quando alguém mais próximo se vela.
Como montanhas mágicas que se vão
incorporando e evaporando na janela.

O agudo sentido da fraternidade
e o absoluto esquecimento de um só tempo.
Ante a ameaça de um inimigo comum:
a ausência de uma vida para além desta.

E construir ermidas nas costas dessas montanhas.
Cansados e ébrios, imaginar como seria
a subida voluntária.
Ficar imaginando detrás de uma secretária.
Em todas as acções a mesma gravidade:
o amor, o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, o tédio.
Não há particular destino.

mas mal começa o rabiar do último dia
a extrema antiguidade de tudo
deixa de ter a autoridade
de uma briosa continuidade.
Apenas um ponto. O fim de tudo.
E as montanhas não são mais montanhas,
são campos de luto.
Tudo projecção de um espaço incógnito
e ao mesmo tempo terrivelmente fundo
finito, choroso e para sempre perdido.
Campos de vizinhança, que até aí
arreliava, barulhenta, imposta
acotovelada e agitada. Porta com porta.
Gente que antes nem se conhecia pelo nome
e que agora o nome é tudo o que têm sobre a campa.

Quando estava lá sentia-se exilado.
Formas de paredes apertadas, Partes de si mesmo e
particípio do conjunto.
Foi assim que a encontrou sempre.
Deserta. Mais concretamente deserta por dentro.
Mas à noite abalos de terra voltavam à companhia.
as paredes exteriores dos edifícios incontáveis
memorandos de horas estrondosos.
Ruidosas. Se havia resistido ao primeiro abalo.
Hoje seria o último e à revelia de um abraço à vida
a despedida seria tudo o que levaria.

Mal começa o rabiar da morte
e foi como se a véspera lhe chegasse mais forte.
Na realidade, a gravidade mascarada de um só receio:
O que escreverão sobre a minha campa?

Mas que importa tudo isso sob um véu irremediavelmente fino

terça-feira, 5 de maio de 2015

diálogo interno



na concavidade de um ninho
adormece um homem embrião
tentilhões e pintassilgos no grande fosso
que é esse céu que parece intocável
uma espécie de condenação ao osso
no marulhar de ondas de ar
quando se impõe respirar
cisnes brancos atravessam as montanhas
o bosque que se colhe à beira do caminho
mandriando o pesar de um peixe-espinho
guardado dentro peito
uma luz terna que alumia às escondidas
o trepas das clareiras e ribanceiras abruptas
e os lábios contraídos pela acidez
desse suor quase humano
e recolhe para si uma libélula azul
dentro de um fresco espera
manchas de lua dando voltas ao pátio
essa fenda palatina que tem no regaço
cachos frágeis para o trágico destino
e nos calcanhares o atlas
depois o fluxo da maré
de apanhar em voo à mão
lápis de cor para o olhar
e no rugido surdo de um animal
o saber imitar e amar
como se tudo fosse um biombo
para bagos translúcidos
mas o caos é amorfo e morno
as sombras mármores
e das pontes suspensas de nuvens
a queda para a solidão é o encontro
a queda desse ninho de pequenas simetrias
sem pressas mas com teimosias
quando a régua é o poema
e a terra a medida
para caminhar de pé
sobre o espírito que materializa
diáfano impróprio à vida obscura
pela falência do absoluto.
aquele que não ama.
sobre as imagens incompletas
é arrancado do sonho sem esqueleto
e arrendado ao vento para semente
do medo

- tenho medo da escuridão
engolindo a terra e o céu
e que o paraíso
algodoado antes de musgo e sangue
o leito dos amantes
seja deixado sem vela nem guarda
e que pela estrada alcatroada
criaturas da escuridão na penumbra
assombrem os corações dos mais aflitos
gamas diversas de medos
fontes da mais tenebrosa das posses
de tê-lo agarrado com as minhas próprias mãos
e dessas mesmas mãos infieis tê-lo escapado

- não tenhas
tudo o que precisas é de um lápis azul
e deixar que essas vozes secretas sejam
a todo o momento
para o quase animal instinto
até de olhos fechados
de olhos para a escuridão
dentro da escuridão
que o coração será sempre iluminando
nesse quase seguro caminho

quase tão certo como ser côncavo e concreto
o regresso ao ninho

- vai, estua de eterno
(a adivinhação arredondada do sonho)
- não me largues da mão então

sábado, 2 de maio de 2015

a maçã



ter bem presente na memória as linhas do rosto
do espírito tocado pelo corpo
pois se não é um hotel
será um hot hell?
que gemem de receios infantis
grandes mãos estendidas ao sol
de vagar algo de nós em possibilidade
como vibrantes cordas que nos excitam
do conhecimento da noite nos aflige
mas que somos senão gravuras?
de nos pormos a folhear ilustrações futuras
tudo avança calmamente ao nosso passo
ao ritmo que o passado nos conhece
e tudo na manhã seguinte se desvanece

e a luta entre a infância e a virilidade
ainda de feições indecisas
essa pálida mistura ideia
que nos obriga a prestar atenção
mas os membros delgados para a corrida
de se querer ser fuga e presença
de se ver sempre respondida a diferença
quando no espelho se espelha
a alma que não se pensa como sua

mas dar-vos asas para quê?
se a terra é demasiado para a cabeça
que toda a espécie de perguntas só nos turva
e essa falta de resposta convalesce-nos
batendo à porta a velha da maçã vermelha
para a errata de uma história mal contada

franco trilho



nos vagões do peso constante
momentos obscuros repousam
e do seu apito roufenho
a máquina avisa que está a chegar
é hora de largar alguns passageiros
e da paisagem surgida conquistar devaneios
ter como parceiro deus em purgas
para que a atmosfera de nuvens cancelas
nos deixe seguir em frente
mas se ocultam alguns montes
na agitação do vento o cheiro fresco
na febril impaciência de uma sesta
o tempo inteiro
o tempo doce e acre
tendo como hóspede gente da cidade
e se pergunta:
os cowboys também usam amarelo?

se ao menos um pequeno flirt
do atrito das criaturas a ruptura
e ainda que passageiro
deus se reconhecesse à beira do fim
e abraso-nos esse mistério
o vilão de um faroeste presente
apenas um olhar breve para trás
que os alimenta de momentos indefinidos
momentos sensuais que completam a vida
que vai tropeçando na paisagem

e o vestido de veludo preto acelera
fumando atravessa túneis de corpo
do temperamento de se achar morto
em realidade
os cowboys preferem as cores da terra
mas os cowboys não viajem dentro dele
o vestido elegante que nos atravessa
como um garfo de prata à boca
uma garfada cheia de nada

somos vagão de peso constante
um peso que não pesa na verdade
nos pratos da balança do agarrar
que essa ideia de pesar
é apenas um dia a passar

e do aspecto carrancudo do céu


sexta-feira, 1 de maio de 2015

o grande urso



havia uma trave no tecto
e tudo escureceu em torno
com horror à ideia de verso
magnólias em flor no tecto

os beiços arroxeados de só
de água morna pedindo colo
as pernas afrouxadas caídas
de se tombarem os sentidos

o aroma evocativo tarda
pelo suspensório amarrado
nessa trave baloiçando-se
o suor da nova pele parda

e tricotar lágrimas enxutas
de um cortejo de bicho da madeira
o trecho que mais nos custa
é o começo
em ataduras sem alarme no verbo
apedreja-las
só porque nos doem as vigas
e pratos, bombo, tambores
parecendo desafiar a sorte
tocando a triunfal marcha do adeus

e carregar a sepultura vazia
um clarinete único silencia
as pedras que se pisam por último
o grande urso negro a lamber as feridas
nessa dança ritual de quebra vigas

nessa dança ritual de partidas
as vigas, traves, ligas



carta ao presidente



tenho sentido a granel
como grãos do que me são
tudo um escarcel canibalístico
de helicóptero à manivela
combate corpo a corpo em polegadas
monstro hirsuto submissamente
à celebração da luz
dos arrozais por onde calco
e tento inventar frases
para toneladas de actos
que não me são meus
estampando-se-me a existência
furtiva ao divórcio da vida
e em campo aberto espécie de sonda
alguns horizontes impressionantes
do feixe de laser ser o outro lado
o ruído mais quente ou frio
transpiro o metal sem paz
entre cem corpos de recrutamento alheio
não sei donde deixei o meu
e saber o pai nosso
de uma raposa além morte
são estas malditas idas a marte
que me deixam o pior de mim
com total consentimento o ranger de dentes
eventualmente inventar-me de doente
e escrever o poema até ao fim