segunda-feira, 11 de maio de 2015

para a mulher


sob a pele eriçando-se
um eixo rasgando a espinha em sangue
corte perfeito em dois
para ser emigrante de um corpo que sofre
e de uma alma que consente,
quedas de água por entre as pernas
o parto de uma coisa sem vida
a velha fachada de um palácio em ruínas
as persianas que os céus omitem
tudo em silêncio de abandono
dessa cabala magnífica interior
de ser urgente partir para dentro e rugir
pelo tremor de um coração batente
pelo temor de uma terra sem gente
e cores de encarnado
delicado mas quente, atolhando o horizonte
a mágoa das mulheres da planície perturbada
o pão do adeus de para além de deus
essa angústia espiritual sem reboco
porque as janelas são estreitas para a catástrofe
de não tardar a encontrar a paz numa cortina de sangue
nessa espiral fosso intermitente
o âmago dos seus íntimos onde jaz
tudo o que foi pedaço de si abocanhado pelo fim
essas mulheres famintas de parto
solene um fundo vago de amargo
no cansaço de girar em torno de si
uma vez mais a urgência de agir
tudo de um sonho repisado
como uma goteira desconjuntada
encarando de dentro qualquer coisa
qualquer parte que ainda lhes pertence
mas que já não serve

e são atitudes glaciais de sete saias
da véspera desse adeus uma estranha confissão
fitando a mão no abano ainda em deus
toda a vastidão de um brilho que se extingue
de noite para noite o pedido de perdão
de braços colhidos ao peito sem mama
como uma espécie de túnica pérola
que implora por esquecimento
de estarem cobertas da poeira cósmica
onde a benzedura chega a ser dolorosa
porque a prece é em vão
o nado morto coração

mulheres do luto
esses seres que entregues à escuridão
foram removidos das suas próprias mãos
mães criaturas de ventre em bruto
rendas no limiar da carne e do osso
um cortejo de andantes em arrasto
carregando todo o peso do mundo
num ventre sem outro atributo

e da ladainha de uma esperada renovação
luz, paz, papoilas encarnadas
o luto se cobre de sangue ainda quente
e do sacrifício de um animal ferido
em memória de todas as soldados do início
retomar a luta contra a pá
que em toda a memória as enterrou
em aventais, aparadores e panos do pó.

e esperar dar enfim à luz
criaturas livres de clítoris
de posse ante todos os homens
que antes as matavam de ódio
pela inveja da não posse da concepção
pela inveja de sabe-se lá a razão

erguendo-se finalmente o dia parido
em que não é mais preciso
orar pelo genocídio do dia de amanhã

todos os dias de amanhã são filhos de
um ventre
e nascem fluídos do sangue
mulheres amantes seres de constante
iluminação e posse da maior relíquia
anti morte



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