quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
fiapos
homem tranquilo
pelo seu próprio pé
de cócoras budas de maus modos
diz-me as horas para que rime
quis abrir a luz e despedir-me
das microcoisas
e sair contente
diz que atrair almas boas
faz o coração sentir coisas fáceis
fogos fátuos
trapacear lágrimas de olhos rasos
bendita terra
abato-me exausto, de rojo
esta noite foram precisas altivas
amarguras
envolvo-me de criaturas de aconchego
espia-me o olhar sobre a ria
sumir-se dos patamares da exactidão
pára-os cacimbando o extremo
esse garrote, asfixias, morde
pula-se-me o pensamento no molhe
em franjas,pendente,
como se estivesse doente
o murmúrio do tecido subaquático
pausando-se à pressa no regaço
fiapos de terra
anoiteço
até que o céu seja claro
de ardentes relâmpagos
de alquimias mornas infernais
segreda-me uma voz
por minguados rascunhos
há os enamorados pelo lodo
travo que não sai do gosto
a flor vivamonstra
anatomia das coisas mortas
a última brava lição do estímulo
atalhar sobre a singular natureza
de tudo o que não quer repousar
para que todos os poentes sejam vertigens
nessa torcida passagem de um simples espirita
como galhos secos
o quebrar de uma vaga de melancolia
a dor é naturalíssima
como um travesso calhau purista
quando a vida é passadeira
em transe
acode-me a alma
onde se varrem sombras
a crua iluminação da lua
do esplendor completo do sonho
e que sonha um homem tranquilo?
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
esse verbo intransitivo
abro os dedos
são buracos de trânsito
triângulos de teia
convidando à queda da areia
quente, fecunda, o alimento
dessa tirânica forma de gaiola
impedir o eco da aranha
erotizando o espaço tropical
os horizontes são referência
tudo é solúvel no mar de deixas
num enorme corredor branco
das trágicas canções de adeus
filantropo sem gravidade
vejo-me escorregando
super-homem, ícaro
a turbulência de um desastre
mantenho-me dirigível
são segundos de aproximação
sou grão
nunca fui lanterna de farol
nem o dorso de duna virginal
imagino fita-adesiva
como medida pós curativa
desconjunte-se-me tudo
fios de nylon para coser cabelos
talvez os cabelos fiquem
este tango dolorosamente lento
um chão que nunca mais é céu
as garrafas enchem o mar
das mensagens que ficam por dizer
um dia pode acontecer
por razão puramente aleatória
que a minha garrafa regresse a casa
sinto-me voyeur da morte que não chega
a terra parece que se afasta
há qualquer coisa de impossível
vira-se a terra ao contrário
pareço regressar à mão
sou novamente buraco
atado em triângulos de linhas
sinto-me em trânsito
alimento, aranha, teia
desapareceste-me sem deixar eco
uma trágica canção de adeus
sem morto
sempre soube que por lá fiquei
cidades do interior como as amo
florestas submersas numa atmosfera de espera
os pés caminham lentamente por quelhos
onde nenhum pulsante mecanizado pousou
onde ainda quem chora com música
com as notas que pendem da luz conhecida
há uma paz encontrada nas rotinas
nas horas diurnas nos raios de sol e chuva
o olhar pode, estender-se por cumes e longes
em cadeia tudo movimento contínuo
havendo uma completa dissolução
da captura do amor único
tambores fervendo na companhia de uma vida
os olhos dos outros são aqui mergulhadores
qualquer coisa que se vai criando livremente
nas beiras do rio, às ombreiras das portas
quebram-se os moldes da sedução
quando aqueles que partem para a civilização
não voltam
a cidade não importa, é um sonho torto
de quem não conhece o compromisso da terra
que herdou tal como um nome
e o regaço inclinado da idade
o negro que cobre a jovialidade
pelo odor dos trapézios das copas
o bosque da saudade
revela-se o estar completamente só
como só a noite e o sonho de cada um
espaços entre retratos e quadros
pedaços de cal como os ossos para a carne
ás vezes penso que nasci ao contrário
que a minha vontade de contemplar é maior
que pudesse já terminada esta canseira de luta
e que num banco de pedra junto a uma laranjeira
tudo fosse sombra de uma vida inteira
não seria precisa uma sombra muito extensa
e se não fossem as dores para a cova
nenhuma outra idade seria tão atraente
das substâncias do passado a alma quieta
que pode haver para mais tarde senão ontem?
as aparências da ausência de mais querer
ou as forças que se encontram em dormência
mas das linhas luxuriantes do tempo
há o violento desejo de se rasgar o céu
o pensamento em caleidoscópio, daqui
que sei eu?
fixar a coloração e os deveres da morgue
para o mundo não despertarei amanhã
mas ele continua lá
invejo a simplicidade
da partida de quem morre de verdade
de quem parte satisfeito com a vida
acredito
que parte de nós é milagre
acredito
na face narcótica do paraíso
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
do zumbido um fado
ensaísta das circunstâncias do mundo
auto-retrato, esboça-lo
pluma, cautela, enamorando-se
para não acordar
de fantasia maleável
momentos oblíquos de lucidez
as cerimónias do dia
para se prolongar a vida
para além da felicidade descontínua
germinando em qualquer sonho
a saciedade envolvente do chão
cirandando pela curiosa geometria
do declive do tacto
a curiosidade do homem vidrado
como todas as crianças mimadas
regressei ao ventre de minha mãe
esgotada, amortecida, sem grito
a caligrafia de um feto
dando de presente o agarrar das coisas
parafuso, trinco, leme
tudo a meia-chávena de calmaria
todas as visões são originais
de horizonte uma cave sem janelas
quanto mais vivo mais difícil vivê-lo
o suplemento é o ingrediente
apanhar o expresso com tempo
a questão do prato quente
a página dentro de um embrulho
aparelhagem estéreo esticando os dedos
o sangue dos pulsos intermitente
ovacionar de pé os espíritos
no intervalo de tudo tudo é espiritual
opúsculo ardente sem pincéis
o fogo a toda a parte
ogiva, oval, exasperando
mais demãos no coração
auto-ampliada a humanidade inteira
a animosidade constante dos estranhos
faria do corpo conquista
se tudo não fosse tão pele de animal
a poesia é a mosca envolvente
mata mata
para se amar uma vida
sabes meu amor
como se fazem os passos ao revés
como se descobrem os caminhos
pela primeira vez
que ao envelhecermos nascemos
que os dias fossem mais longos
e as noites intermináveis sem sono
sabes meu amor
quando adormeço temo
que até assim é distância que não peço
quanto tempo já fomos outros
quantas vezes procurei pelo teu rosto
e a minha tristeza ecoava em retorno
agora sinto dentro de mim um aperto
um medo tremendo do fim
que partas
ou que parta eu sem ti
sabes meu amor
alguém me disse que amar é assim
foi preciso uma vida inteira
para querer vivê-la agora de verdade
foi preciso uma vida inteira
para querer que a vida agora não acabe
todos os momentos
passados felizes contigo
não são as memórias que peço
são as horas para repeti-los
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
fuso para adormecidos
era a cidade a respirar
quando em vez de oxigénio
o tempo fosse veneno
dos sítios altos das encostas
os braços que apertam o momento
contra um peito sem revolta
e submisso à direcção do vento
faço parte sou autêntico
espaço neutro
e sobem direitas aos céus
as asas que aqui não tiveram lugar
de aspecto boreal
tudo são auroras içadas da palavra
que ninguém quis escutar
e a cidade assim subterrânea
essa penetrante catacumba
vai ignorando os aspectos híbridos
de um céu catatónico
mas às vezes lírico
damos continuidade à fundição
desse tecido de Inverno
a ideia de fome bio espírita
denunciada pelas copas despidas
o rigor da solidão avulsa
o halo poetico-melancólico
tudo é brancura fantasma
para apreciar a queda de um astro
porque o dia é uma representação
o que fica dessa autenticidade
a amargura é metafísica
o ímpeto de sentir aos sobressaltos
a infância escoada de luz
a linguagem da alma não falada
verdadeiramente o que nos atrai
pelos subterrâneos do ontem
sermos capazes de pazes
para deixar de parte deus e o seu drama
transgredindo-se a raíz da razão
eram coisas de pedras e homens do coração
irado, talvez esse o maior pecado
o sonambolismo da esclerose mundana
para que se empresta a liberdade
quando já não se quer ser livre
dos escombros da culpa sobrevivemos
passámos o inferno para o lado de cá
que somos senão seres antagónicos?
onde se desconstrói o céu debaixo de céu
há uma epopeia dentro da cabeça
pelo princípio natural do ódio
descompassar o tempo levado a sério
ao lhe chamarmos vida
somos substância da loucura
deformação sensorial barbitúrica
e a cidade assim subterrânea
esse constante berço
vai mergulhando o pensamento
de um véu amorfológico
mas às vezes...terno
que rebusco do fulgurante pôr do astro
sobre inúmeros abismos a dentro
ainda me encontro no incessante
movimento dos últimos que partem
para trás ficam sempre os amantes
há uma roca que os prende
assim como que desfiados
na beira do fio da vida
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
números irracionais
nascemos no mundo dos números
depois de círculos primários
de se aprender a contar pelos dedos
o símbolo mágico formulado
do problema vital da constante
a solução correndo livre de variações
o ábaco quebrado do homem que chora
mundo gente sã conjuntos
caída da metrópole tabuada uma criança
o método clássico da vida desvirtuada
dança-lhe no quadriculado o maillot cor de rosa
metades de acção controlada
de bicos traulitar pelas cantos matemáticos
afiar o lápis e das aparas colagens no papel
há em todos os lugares pedaços que deixaste
elementos que não pertencem à equação
impossível chegar ao fim dos desígnios de pi
tudo são rabiscos dos movimentos solares
de dias de aproximação computacional
tudo é mera aproximação decimal
à hora marcada do dia mais longo
ou mais quente ou mais curto
depois de séries infinitas de divisões sós
rumores de sôdade caindo na conta certa
a primeira conta feita
o primeiro resto zero
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
o futuro é hidropónico
a hidroponia do pensamento
metamorfoses aéreas captadas
tempo lapso acelerado
corre uma nuvem espástica
o poente é o palato mais salgado
a densidade do corpo plenilúnio
afasta-se e mergulha na obscuridade
da migração o escapar de detalhes
limitar-se às ideias do imediato
é a sombra que é marginal
do amplo charco desaparecido horizonte
um peixe voador planando
em algo de mastigador do além
sincopado deixa-se deslizar
além há-de ser mais ontem
do impulso saturado...deixar-se
a corrente é um trajecto visceral
um túnel de vento
da aerodinâmica do pensamento
para voltar a mergulhar
tal totem da fé ancestral
fechar os olhos do mundo de estragos
as trepadeiras de deus são sacos de plástico
do derrame petrolífero a morte lenta
a barafunda dos alicerces oceânicos
um peixe morrendo afogado
são redes sintéticas de sonhos alados
um dardo de luz parte a superfície lunar
imerge-se o corpóreo na terra absoluta
que havia de perpétuo no fim do mundo?
sempre a mesma água para uma sede sem ciclo
talvez nem a sede queira saber da água
...o voo planante não dura para sempre
domingo, 13 de dezembro de 2015
sincronismo sem despertar
acordar
de animal anfíbio de estado
dos alicerces mais dispersos
as pedras caladas sem clamores
pelos flagelos da caminhada
a multidão, unidade, fusão
um corpo revirado de patas no ar
tenho pequenas lâminas de perdição
escamífero sou do coração
pertencer a um aparelho acústico
pregas e bolsas, anéis de tons alterados
na longa noite biológica, ruído
e tendões pneumático-delirantes
gira um pneu vazio no alcatrão
do chão do quarto há
palavras que não chegam
em dupla herança ser velho e principiante
do duplo pensamento articulado
como brinquedo electrostático
sonho o enorme vazio das horas
a vibração transparece, aglomera
montanhas de atmosfera saturada
um lento olhar em volta comprime
feições de um gigante incompleto
tudo é uma casa-jaula
em forma de losango
a pigmentação da tristeza
arlequim do afecto
talvez porque o mundo exista lá fora
com toda a sua frieza
a pele tece a sua seda
e as estrias da alvorada rompem
não se sabe se galopa se trota
balança, solavanco
o dia de puro sangue avançando
no braço de uma grua de ontem
mutilando a felinidade degustativa
imaginar fatias do dia-a-dia
fatias douradas na cama fria
um painel de parede
de cerâmica de cinza
carimbos de língua e sintomas de limbos
um bunker do remorso uterino
...impacientes os gestos da vida
nivelando o movimento ondulatório da massa
rarefazer a estética volátil da alma
o cimento sufoca
um bando de pássaro dá os bons dias
um bando de pássaros parece mais denso
uma maré de escuridão escorregando no céu
esse céu cúpula e estação
livre para aterragem na supressão
de asas magras
as aves andam suicidas
radar, um território elástico
vertigem iminente, bolha morfológica
temos tanto para dizer sobre nós próprios
arquejar o horizonte sem pálpebras
a concentração imóvel dos aspectos escondidos
dos dedos de ninguém premir o esqueleto
um conjunto de ossos recortado do vazio
catapulta de poços e crateras sem lágrima
capturar os invólucros do sistema
para um terraço azul de pássaros exóticos
e extrair uma ideia de distância
do reino subterrâneo da ausência
fixando fragmentário o ponto luminoso
esse mapa celeste a partir do zénite
a olho nu, o instante parece mais longe
giram satélites na perpetuação exacta
giram as minhas ossadas fora de alma
que acordar não é para todas
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
o suplício de tartan
a estafeta das girafas de venda
um gorila albino disparando a pistola da partida
há que conhecer os canteiros de areia
terreno acidentado por serpentes e caveiras
alguém deixou uma pantufa desirmanada
e depois há instruções para não morder a língua
o mundo observa o mundo das bancadas
há que aprender a estar morto para enganar o outro
na leitura de uma onda, a canoa vai de esguelha
o assobio de um melro, por ali o prado é infinito
é a lua da tarde que indica o caminho
o olho clínico da contemplação das estrelas
a esta hora ainda em aquecimento
do terraço de deus uma barriga de osga acena
pista um, aos seus lugares, catrapum
o texto tende a desenvolver-se sem contracção
o tecido muscular tem preparação e pulmão
a cronometria velocista ensaiada
desde que as pernas não emaranhadas
o corpo sabe, só tem que seguir a pulsação
dilata-se a mente num esforço alienígena
dilata-se a ponto de não se lhe conhecer limite
todos querem chegar ao fim numa posição digna
se o tempo tem de se esgotar
que se esgote na ascensão ao pódio
no globo terrestre devastado, cristalizado
o último suporte material da memória
hieróglifos de calculadoras electrónicas
renasce das cinzas um jogo olímpico
pelas zonas desabitadas ainda do percurso
para que não se extinga a chama
de um céu que engoliu a terra
hão-de-se trepar pirâmides
dessa arquitectura interna de linhas mornas
do sofrimento, o alívio satisfatório
como uma ideia natural de estar vivo
fosse o apanágio dos mortos
a marcha da inquietação, passa testemunho
tudo é calma, tende para a calma
vagas contra a crosta arbitrária
do desenvolvimento do corpo lógico
o guia é pluralmente elevado
dentro de cada animal há uma medalha de ouro
que estremece e range por chegar mais longe
sem descanso, como pode uma girafa-atleta repousar
se o pescoço está sempre na lua e os pés na terra?
- há que colocar uma venda e deixa-las ser estafeta
estafada estupefacta depois com a corrida interna
interminável de agitação ansiosa pelo repouso
anestesiam-se assim os músculos do pensamento
para da contemplação de uma corrida nunca ganha
querer voltar a competir e uma e outra vez sem desistir
como se fosse a lua e as marés
motivação para lhe fugirem os pés
liláses
a poeira sistémica
gravando nas pálpebras o sol fósforo da manhã
para não dar tempo de cegar
passar a vedação em contra-luz
a profundidade de nos atrevermos
a sair das quatro paredes do quarto
compacta, parcela
a morte encontra-nos sós
consegue realizar-se de solo a solo
entre os mortos e os vivos
a morte anda à solta
a terra mutilada de sombras
o primitivo sonho de harmónicas
como se tudo fosse melodia
como se antes de partir aos ouvidos
soasse música
dormir no chão do quarto
carregando no sono o fardo holístico
dir-se-ia impossível reinventar o dia
ingressar numa solitude superior
cujo eixo paradoxal se poderia sublimar
o rigor intrínseco de uma acção sem fervor
será a liberdade completa
a completa desordem?
somos objecto secundário
da ociosa matriz descompensada
a alucinação ao símbolo
há músicas que são pessoas
racionalmente articuladas com a memória
que nos ficam notas de aroma
daquele pescoço, daquela boca, daquela curva
a nuca
onde o inverno sempre chega tarde
despossado de frio
um pseudo calafrio se tanto
ou um arrepio do tamanho de um amo te
há musicas que nos chegam do lugar mais estreito
do sexo, um tango, de uma lágrima, requiem
pântanos, afoga-se o peito em lume brando
o voo da ave rasando os subúrbios da alma
dissuadindo o horizonte quebrante
pela incontável vez o dia adormecido
inevitável
entre os flancos do inconsciente
o ruído do ventre marítimo
haverá sempre marés-vivas
e terras oprimidas sob a pressão do pensamento
terracota poliédrica
dessa vegetação de aquário
quando todos os rios tiverem secado
estamos sim perante quartos sem janelas
os que enterramos sem descanso
um biombo de aguarela, sensível
porque somos cristais de fábrica
e retratos toscos sem perspectiva
as direcções próximas são invariáveis
movediça, esponjosa
a mão levando a água à terra seca
a definição demorada das flutuações
a alma tem forma
quando encurralada
uma concha, um telhado, um fato
ao entardecer do ser
o instante é um socorro
mas para viajar basta estar de olhos fechados
ou abertos
quantos sóis fixam o tempo?
quantos sóis para estarmos juntos?
nas terras baixas as marés são imponentes
homens chegam aos pés
do grande fosso do mundo
lá em baixo só há areia e luto
e o estalar de nuvens opacas
assombrar a inundação
a nossa tarefa será colher os frutos do mar
o sentido estático de um jardim aquático
se o vivêssemos ao contrário
por momentos seríamos colhidos
o nosso pequeno jardim
como os trapezistas, 20 passos no céu
mas era uma terra baixa pontiaguda
de gravidade monótona
e de modo lento e arrastado
recitando como se fosse ladaínha
por lá ficámos...
quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
no limiar das sensações físicas
fórmulas a que obedecemos
o eixo da bússola trémulo - parece que estou parado
reúne-se no presente algo de concreto - sou
qualquer coisa que eu próprio ainda desconheço
sem ordenação morfológica
temos sorte em transitar de linha
e por décadas de respiração submarina
sermos estâncias sem pulmão
lugares de fé contracorrente
fora de trilhos de ser gente
tão-só a natureza morta
em sintoma material
há um desarrumo próprio do universo de acaso
presságio, esparso, substrato
evanescências fantasiosas
no limbo de uma simbiose acrescermo-nos
das circunstâncias do rés-do-chão
cedendo às iminências das raízes que rompem
é só uma construção virtual
da histeria de conversão do banal
estrofes que morrem de pé
o tronco, os fios de cabelo, os cílios
pode o coração minguar-nos de frio?
de uma ressurreição estruturante
em romaria pela quadrangular esfera
de conhecermos todos os cantos à casa
o código, os moldes de definitivos alicerces
o escudo, a pátria, os mistérios da fauna
os desígnios de áreas assépticas
uma simples gota de sangue e - sou único
dos jardins interditos
humanos percorrem alamedas de extracção
operando na pedra, no metal, na terra
o conceito de velocidade meridional
espaços nostálgicos que nos chegam das extremidades
anatomia da fixação dos pés
o desejo despertando de caminhar
decibéis cismáticos: ando, corro, voo
o embate de contradições metafísicas: o que sou?
a aceitação servil das mãos só dor
escavando, perfurando, mais fundo
sublimando a essência ela própria do submundo
de uma memória subcutânea colectiva
que tecem as imutáveis redes venosas?
lentamente somos célula suicida
a asfixia persistente do dia-a-dia
onde o hábito solidifica o silêncio
volver um bom-dia em sofrimento
damos corda ao dispositivo por necessidade
horas fantasmas sem massa óssea
cópias, transcrição para lugar nenhum
a figura negativa da curva da procura
de uma cornucópia sem creme
a vida um casulo dormente
mas as raízes vão desabrochando do chão
desapegadas em escada desajustada
os pés implorando a aproximação ao céu
porque no céu o tempo é inútil
e tudo o que foi orvalho hoje é algo de vago
de um mundo informulado mas obediente
um mundo que não é real mas sobrevivente
o eco de um aparente sono nutriente
a sonoplastia de uma cultura in vitro
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Dó maior
poema-diapasão vs. versos livres
braços erguidos sem cabeça
girando, dançando, mirabolantes
espirais de repetição cósmica
cabeça solta sem braços raízes
saltando, procurando, segmentando
lâminas de sonho e fragmentos
sem cabeça nem braços...ideia
um cabaz de sensações químicas
introduzidas por sonda lambda
a parte imortal do ser humano, mecânica
que fica das cinzas do corpo?
os músculos dorsais em atrofio
quando nenhuma asa rasga a pele
contemplar sem boleia o espaço breve
há um sistema que funciona entre a gente
metamorfoses de céus rústicos sem deuses
diz que somos feitos de essências carbónicas
e que as emoções são elementos
que podemos compreender na alquimia do peito
sou um pedaço de carne e osso
lançado às mandíbulas do universo
por isso sou estatisticamente na maior parte do tempo
um poema monómetro
que o vácuo também diz tanto
diz cada vez mais do que de nós tem sobrado
somos estética, dinamite ou consciência
que só existe no imaginário de um instrumento
para uma dimensão intergaláctica de uma página
por isso, vibro
uma só nota em uníssono
mas o meu tom é apenas em sentido figurado
nenhuma nota que se encontre numa pauta
numa única pauta terminada
pode traduzir o estado livre desse poema
a dor liberta, na dor se encontra a nota certa
a dor ama depois em amor, dando amor sem ela própria
sustenida, a nota natural elevada por acidente
a paixão assim só pode ser acidente...
domingo, 29 de novembro de 2015
para dizer ao contrário quando é preciso ser-se vago
uma pérfida dança encarnada - a recusa
na hora em que todos estiverem a dormir
velarei por ti
que te reveja como uma sombra
escutar o bater das horas dos pêndulos
e escapar ao olho clarividente
tirar-lhe as preocupações da íris
entre o medo de partir e a ventura de estar
traços de união suplicam cutículas
pedaços de carne seca subperfeita
transpor um fio sob a fronteira cutânea
carícias paternais a remexer nas memórias
é o amor com ideias estranhas
como essa de se roerem as peles
ou de se cobrirem os cabelos
da solidão grisalha do tempo
ideias platónicas exageradas de continuidade
achamos-nos todos imortais
e depois os postiços são inexplicáveis
das transições súbitas do humor
das inversões tempéries que nos surpreendem
de frios glaciares ou tórridos afrontamentos
chega a um tempo
em que somos planta privada de água
tutor de silêncio
a vitória é apenas aceitar sem esforço
os sofrimentos da miséria do corpo
da ruína de um osso ou da falência de um órgão
tinhas traços de menina,
mesmo quando te encurvou a espinha
e as palavras se vestiram de uma imagem sem gramática
eis o cais pitoresco da íris
quando todos os universos são espaços de demência
as ruas são praias de nudistas
cobertas de areia e plantas rasteiras
porque não há mais cosmética sobre humana
e os gestos falam de um padrão sem retorno
o mistério solene dos jardins dos céus
de se partir em paz porque se parte para outra dimensão
mas tu ainda assim tinhas inquietude
não da cinética involuntária epiléptica
e queixavas-te de um cansaço sem razão
o desgaste da giesta sem renovação
saltam sonhos fora de água, sonhos fora de época
num estado que só pode ser mistura
na dose conveniente de afectação
em que a realidade é loucura
e momentos de cólera sem sabor
a tempestade desabando sem saturação
desabando sozinha
o pó da alma retido no coador
e torrões de açúcar por dissolver
a fúria empregando a subordinação
do corrimão, da contracção, da bengala de laços
hipotéticos da consciência
para sondar um terreno sempre imenso
nos passos lentos de um velho passado
e compreender finalmente
o acento da injúria do poema de uma vida
mas vá deitado
estão de braços descarnados
aqueles pérfidos que se recusaram
à dança do coração encarnado
o que é preciso sem ser preciso?
dos conhecimentos vagos
do aplainar das tábuas sem hora certa
da entrega da enfermidade da alma
estar-se sóbrio e inebriado
ao depauperamento do trémulo ramo
quando no outono
deixar-se ir com todos os outros
ao rompimento das veias e artérias
e de todas as crises terrenas
e experimentar das sensações sem se nutrir
como a aproximação ao chão é o recomeço
como a desapropriação é o extremo
-creio que começamos verdadeiramente a senti-lo
quando não temos mais tempo
a sangue frio
o combate de todos os dias extingue o homem
sem fim nem principio do mesmo
o fontanário: a foz do anonimato
a odisseia no espaço de um átomo
e que pode um único átomo?
as últimas palavras da matéria
enigmas do infinito na palma da mão
cosmoteândrica palma
há um silêncio nas têmporas da purificação
quando o inacreditável abalo da máquina de pensar
for fatal
e então, os jardins são lunáticos
recantos de sombra e pedra dura
ladear um portão de ferro
e deixar-te uma gerbera
ou um girassol ou uma margarida
talvez do fundo do bosque universal
encontre uma hortênsia
fruto de uma região mais temperada e subtropical
há que irradiar a claridade espacial
monumental é a ausência universal
quando todos se recolherem aos casulos
purgando a lacuna imaginária
actos de severa penitência sem sonho
por aqui não há sonhos...mas pelo menos estamos vivos
nesse lugar bucólico das palavras
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Deus está por Veneza
composto e impresso
aos contentores associados
aos contrastes análogos
patéticas vicissitudes...sem premissa
e se deus estivesse de preguiça?
o diabo sempre nos pune
de modo completamente diverso
o heroísmo do reduto
encubado, sufisticamente entornado
o rosto afogueado, cirurgião dissecação
cama-de-vento
agonizar à cabeceira do julgamento
mãos ásperas de aplainar a vida sem vaselina
instrumento rouco de arrebatamento
das feições emagrecidas
externo, o muro de traços da lua
alamedas de apagão
da morte aflitiva ao fim de pista
admirar as pálpebras do amanhecer
num rio que acorda sem se conhecer
de instrumento divino, o sol a implodir
tornando-se decrescente o tempo de existir
minguante somos
já nascemos velhos
a sagacidade de um animal de caça
alvando a curva perfeita de um ventre de porcelana
de renda engomada
uma espécie de fanatismo pelo violeta
abraçamos a vida inteira
chegando ao cordão externo
a cidade lá em baixo
auréola de cambria
admirável obra prima de melancolia
a tremenda atividade da infância
a imensa agitação da vida corrida
revirando-se da marcha lenta
a influência do processo relativo
cairmos no lodaçal iMundo
a que se chama de forma
o trampolim das vaidades
ao acerto das pupilas
da convocação desses ermitas
mas há um alvorecer, apenas um para cada
os moinhos repetindo a trajectória
onde um rio não passa duas vezes
seremos moinhos ou rio?
ideias inspiradas de ignorância
sacudindo guizos
campos de desgoverno
a boca rasgada do aprendiz de soalho
rastejando, encerando
guarnecendo o sopro de agilidade
depois de paredes ornamenta-se de cobre
levantando-se a vara vertical
as searas nascendo ao sol
um terror salutar
de terríveis interjeições
o veludo azul forrado de algodão branco
há sempre outro céu
nuvens de cetim para o véu
corações com a vitória da vaidade
dotados do faro da raça
que a natureza por direito não reclamou
- mas a mesma tirania
composta por associações de carícias frias
de dois corpos celibatários
a existência parece suportável
porque o azul é a cor do narciso
se tudo está tão próximo do paraíso
colocar-se francamente contra os mistérios
válvulas de escapatória
que transparece a desventura do absoluto
golpes nos pontos ternos do coração
ondas sobre o crânio
a extensão encarpada do afecto
ao admirável magnetismo
a palavra maliflua avalanche de caso
sem tradução algébrica de subtracção
se multiplica de ocasião
números para varrer a escuridão
uma palavra áspera
para obedecer à oculta diáspora
se rematar de inocência
de agonia um melro poderia ter cantado
tão vulgar é a beleza de uma rosa
monopólios de tigres expostos
ou de peles de tigres sem cabeça
sexta-feira, 20 de novembro de 2015
consciência quântica
Teciam armas e uma centelha de raiva
fileiras silenciosas acomodando corpos flácidos
empurrados ladeira acima por mulheres-cabaças
se agarra à bóia-de-salvação o pulso amordaçado
no passo cadenciado e firme de sangue antigo
sobre as fileiras dos vultos a descoberto
o céu jovial em vida
a provisão de todos os materiais próprios
para uma descida enigma ao túmulo
preparar os ritos de família
a alma espreitando o cadáver com mágoa
-não sei se lhe havia pertencido
uma parcela da mesma retida na placenta
pôr a secar em feixes
arranjar espaço para mais membros
pés descalços sujos de poeira silenciosa
sobre o sagrado solo da mãe terra
se alimentar essa chama
pequenas flores sem pedúnculo
agora inseridas plásticas em vasos receptáculos
lado a lado, fábricas do principiar da Primavera
de a enterrar incógnita
esse crime sempre oculto da memória
as ervas soberanas na cura
todas as coisas da natureza pura
terminadas da sua tarefa
Da casa dos carniceiros
reconhecer a caligrafia do arquitecto
mendigo insuficiente
a mão estendida, o mundo inteiro
as voltas da vida amenas
dizer uma oração gentil
entre os salteadores, as cortinas de lágrimas
do fluxo verbal sossegar
a eventualidade de ficar pelo caminho
a pairar
atravessar o restolho
na sombria transparência da ausência
trazer o sangue de volta
o odor pantanoso das águas conformadas
pequenas fendas nas tábuas
a mente inflamável para a chama que ateou
a mão do moinho giratória
ancorar o olhar nas espigas esquecidas
esta ferida foi feita por uma flecha mortal
ao alívio do pobre animal
lacónico o assombro roedor da consciência
quando se deixa incompleto
o submarino palmeado nas mesmas águas
onde apenas se organizou a destruição
depois de um aperto de mão
ou do teste de Guthrie
o sol dos trópicos derrete
o urso branco periscópio
há um torpedo interruptor
a inclinação e o resultado
a escotilha e o alojamento
e por essa tampa de aço
a dor
o sexto sentido do combate
revirando-se dentro do espaço
do diâmetro esguio e ágil
uma cadeira metálica circulatória
cujo olho minúsculo observador
giroscópio do torpedo em direcção ao alvo
à superfície emergirão segmentos despedaçados
é a alma da submersão
inoperante o compasso
o grau de estabilidade do peito
as lentes de imersão do cego
todos os músculos da hélice
vertente-maquinista da ilusão
do calcular, estar-se tranquilo
os lemes situados no chão
pronto a emergir? pronto?
o movimento incessante das vagas
o grau de estabilidade do corpo
a inquietude de manobra o leme
o compasso magnético da vida
situada acima do pescoço
todos os sentidos a seus postos
da sua mímica inexpressiva
muito tempo virá à superfície
a estreia da abertura
dum gesto mostrar-lhe nuvens de fumo
até ao fim do combate deixar-se arder
até ao fim
terei tempo?
canhões de tiro rápido
mau carvão testa ampla
no bico da águia de faces cavadas
terá tempo de saturar a pele?
lançar torpedos, lançar blindados medos
oh estações flutuantes
um pouco de sombra arsenal
admirável alvo refinado
a distância que nos separa do navio
a alma-chaminé quase sem pavio
um género de pássaro nasceu
segunda-feira, 16 de novembro de 2015
do adeus sem armas
um gosto mórbido por ossos
a penosa tarefa de enterrar os mortos
há um corpo a mais...
da folhagem densa macabra
a cicatriz confortável não amanhada
diminuindo a força dos tendões
borboletas e asas delta em xerocópia
um escaravelho reencarnando furacões
recolhas antológicas da alma
no viveiro mecanizado da consciência
talvez de uma vida monástica sem penalidade
do ressonar à sombra de hostes rebeldes
a posse da coroa-erva daninha
e os resíduos acres emanados
sagazes as colheitas que jazem ao sol
a forragem para uma terra de abandono
herdadas as maçãs do rosto pálidas
de um número de homens a mais
há sempre homens a mais
pudesse uma única falha disfarçar a distorção
lembrar a luz do sol dentro do caixão
coa-la através do arco-íris
finalmente jubilando pela íris
finalmente jorrando do caudal emocional
antes que as vésperas comecem a cair
essa tisana para levantar a alma
e nada de pontes para atravessar
rezo por aqueles que abandonam o estrado
sem se estrear
longe das muralhas, nos subúrbios
que cavalgam a toda a brida
para as mãos dessa olvida serão
flamingos de artifício
arqueiros sem arma de palmas soltas
essa matilha de cães raivosos sem razão
sem empurrão para descortinar da área sombreada
a força dos tendões do coração
rezo por aqueles que partem sem saber
todos os dias mais perto de espectros
em modos frios e reservados
dos contrastes corpolentos do horizonte
partem sem conhecer as arestas
do castelo que julgam que lhes resta
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Até ao fim meu amor
transgredir as linhas de que somos feitos
o efeito retardado de uma sensação feliz
esculturas de mármore rebentando por dentro
escorrendo do corpo a seiva notável
plástica, escorregando nas curvas, ácida
pedaço visível como se fosse carne
impressões digitais murmurando vontade
o desaparecimento da era metálica
inaudível
transformar-se o efémero das entranhas
o rosto triste daquela que pende uma lágrima
por mágicas dores ou imobilidade tântrica
a postura sempre vigorosa e elegante
de uma estátua-mulher anjo da guarda
compleição alva, libertar a margem
pelas ruas do cemitério silenciosas
a respiração da morte nas plantas que crescem
ao enunciar de cada sílaba de despedida
dos sentidos da alma, jogar à apanhada
aos domingos velejar expositores de vidro
velando aqueles que estão dormindo
e desencadear o ímpeto da ternura
o universo ao cuidado de fluir
inócuo, ocupante, a razão de se amar tanto
diamantes, safiras, aquele que brilha à luz do dia
a máscara orgânica da fantasia
em equilíbrio, um vai e vem de espíritos
esculpindo na bruma a génesis
a espuma branca dos oceanos galopante
batendo contra a carne os horrores da vida
para se desmaiar no final com tanta paixão
essa molécula capaz de governar a caminhada
e terminar a viagem dentro de uma caixa
que nos pode caber na mão
sábado, 7 de novembro de 2015
the conquering hero
a verdadeira hora da morte
o envelope que lacra a mensagem
a confissão do fim da vida desventurada
percorrendo de um lado ao outro o aposento
último refúgio da terra
libertar-se do derradeiro momento
a tendência a circunscrever-se de restos
do fundo do coração
a aquiescência da recordação
de um excêntrico calejo da alma
ou do próprio rosto da natureza
o lodo abismal articulado
uma coisa usurpada dos atributos da vida
ganhasse significado e ausência
há missões que são demasiado retrovisoras
de um ponto inútil
agora paralisa a directiva:
chegamos sempre a um beco sem saída
o terreno baldio é utopia
ogival é o ventre olhando melancolicamente
quebrado pelas bafadas da fúria da alma
essa mesma
que se aquieta ingerindo ginasticamente a paixão
sonâmbula jornada a da nossa mão
rangendo os dentes na escuridão
a avidez de tecido onírico
de tensão e elasticidade
o laboratório da verdade em parte alguma
de extremo a extremo, o que havia para percorrer?
o tempo quieto, a rugir, ansioso sem tecto
a consciência finalmente impulso
de um simples secreto pecador de orvalhos
onde todas as manhãs são acabamento de esvaziar-se
erguendo, suplicante
o remorso, a humildade de se sentir quebrante
o desvanecer da juventude
a consciência agora satisfeita
beber da poção metafórica
a firmeza para se aguentar à linha
a relativa anuidade passando desalinhada
fiel à resolução de um modo paliativo
assim se caminha sozinho
os meus mais vivos receios
se recorda do covil donde nasceu?
a possibilidade da minha única existência
a parte única de se projectar remediando amanhã
o sono matutino sempre ligeiro
sonhando aquase acordado
sombreado, negro, espesso, fixo
o mergulho ao finito
as excursões do desejo bestial
esvaziar-se de um trago
cambaleante, amparar-se numa frase
fixando o solo, houvesse um modo
torpeza, fugir de mim próprio
a destreza de me encontrar sóbrio
ajuda-me coração erróneo
-afirma pondo a mão sobre o peito. Ainda bate lá dentro.
graduado de acaso
no adiantar da hora espectral
pela vida sem razão
o carácter do homem visitante, passeante, observador
a angustiosa separação da dor
a estranha perturbação da diminuição do pulsar
a repulsa curiosidade de se passar
lendo, de trás para a frente, os corredores da morte
dissipando um ponto que se findou
talvez fosse tarde, demasiado tarde
é preciso arrombar o absoluto
o desarranjo das cordas vocais do silêncio
das faculdades mentais de um anjo
o espelho das entranhas em vertigens
nas lajes do passeio, de um prédio
o ferro abrindo a marcha atrás dos homens-estátua
a nuvem que oculta a lua
no chiar de uma porta hedionda
crer entoado o coração a ferver de assassinato
lacrado, perdido, encontrado
apaziguado
o espasmo de começar de novo
acariciar o vago ainda acabado de síncope milagre
a grafologia interpretativa
redemoinho caindo na luz filtrada do abrigo
deformidade, bárbara, o reflexo sempre será trémulo
repasto ressalto, ressalvo a sombra
o ruído dos passos do espírito trémulo
inacabado, exótico, vigilante das horas de tráfico
gélida atmosfera onde ordinariamente o trauma sai de casa
do pó à terra, uma casa de aparência
molduras, vagabundas criaturas
reparando as fachadas do fim do mundo-vivo
meu deus, sabe o quê e quando
receber de tudo um pouco
os olhos transeuntes sem dar por isso
descurar o destino com preguiça
talvez valha a pena pesar essa premissa
nas primeiras horas da madrugada
entregar a primeira alvorada
e existir impassível
ruídos ainda ténues
talvez tudo seja só ingénuo
porque se alguma vez eu estive perto
e encontre as palavras para defini-lo
há algum sentido
talvez seja só isso
porque se alguma vez me pareci
foi apenas confusão minha
foi apenas a obra se escrevendo sozinha
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
amor heliotrópico
(o nosso amor é heliotrópico)
trepidando violentamente o ar condicionado
do andar superior de notas mágicas
o anel polido a lâminas estrábicas
do desgaste das garras do monstro-amor
mais perto da luz, por favor
-vi-me negra para chegar aqui
estriada de muitos amanheceres sem esperança
o pano preto saúda-me com as mãos
suavemente como um tijolo
o misturador, miniatura, a girar lenta
a alma infernal enfim quieta
estojos, cofres, lojas de demos artificiais
encontrarmos contraídos na crueza do indivíduo
a capacidade infinita de se amar outro
falai na língua dos vidros, falai aos espanta.espíritos
uma segunda porta não se abre duas vezes
próxima do buda cor-de-rosa
lapidado a lápis-azulado ou quartzo desmaiado
pedra lunar puramente hipnótica
a crueza da luz
desse momento de mandar chamar a dentro
tempo para polir tempo
refugiado, agente, investido, descapotável, invertido
posição de lótus, de ébano e cerimónia
tudo medita
a missão vibra de espera
a visão completa das coisas-dúvida
absolutamente só
as buscas da rotina-medula
campo limpo não existe-nunca
mas campos inundados de girassóis encantatórios
só mesmo debaixo deste telhado
haverá crédito nos lugares proibidos?
a vigilância já é demasiado tarde
embrulho, a tiro, na distância
mnemónica: deve ser retirada a face negra
a elipse é agora um parto de luz
o amor é condutor na escuridão
teleconversor, adaptador, lentes jupiterianas
pentax, reflex, devora-rex,
à distância focal de um primeiro beijo
às vezes mesmo antes do tempo.
de lá para cá chegam espectros entre nós
traduzidos de pé
de um ponto ao outro, nós de fé
a perpetuação de uma linha de terra
que mede o coração
terça-feira, 27 de outubro de 2015
é preciso operar a úlcera
nenhum ouvido poderá sentir a aproximação
da loucura rematada
da difícil anatomia da solidão
não foi a queda que nos quebrou a espinha
a máquina que mal funciona
que nem o próprio peso acarta
o ruído sibilante da ausência
houve uma tentativa breve de lhe gritar
da única vez em que te sentiste levitar
do esforço visual
a ilusão do mestre estereotípico
do completo pormenor do físico
no diagrama do grande homem
linhas que ficam para ali ametafísicadas
em si entisicadas
desempenhando sempre figurante
o ponto vibrante do andamento
examinar-lhe a língua assim dobrada
ou pelo menos querendo estar revirada
recomendar-lhe que se agite
como se estivesse à disposição de um ataque
de narrativas asnáticas gargalhantes
tudo tem a sua complexidade
o verbo urge do uníssono: operar!
do amarrotar da folha e engoli-la de gula
pequenos números não fazem soma?
pequenos núcleos têm as células
mas nenhum ouvido poderá sentir a aproximação
...
as úlceras devem ser operadas em segredo,
para não despertarem outras
domingo, 25 de outubro de 2015
linhas espectrais
o homem que nasceu duas vezes
opiando sobre o movimento pacifista
pela arte de radiografar a alma
e o amor como essência coloquial
bailando aerobicamente o pecado
uma cascavel enraivecida morde o lábio
-as formigas podem salvar florestas
o prefixo onde o sobrenatural é natural
o nosso mundo desabrocha
imaginando as montanhas que é capaz de mover
em trajes folclóricos os quadrantes alegóricos
ser pedante e incompreensível
cineasta para acompanhar o movimento do corpo
uma carcaça que em vez de osso
tem sonho
e levantar o trono ausente de ícones
solidamente se instalar aos pés do vazio
a ti entrego, ao asilo da tua vontade, o chão
e foi o homem que paranóico supra-sumo
se encolheu no silêncio do consumo
e esse azul passou a ser azul-piscina
e esse verde passou a ser verde relva
e esse sol passou a ser a estrela central
preso à moldura de estuque
que naturalmente se esbate contra o medo
na borda protectora da consciência
aquela sensação inconcreta
de uma fachada qualquer, parecida com outra
cometas, poeiras, satélites
a mente não passando de uma janela corrida
e essa sensação de talvez noutra vida
a energia que flui devolvendo o preso arbítrio
- e então eu sonhei, o que sonhei?
experimentar o absurdo na ponta dos dedos
esse formigueiro meio vivo meio dormindo
essa ideia que passa lentamente se afasta
e nos dedos no final, não ficar nada
- mas eu sonhei, só não lembro o que sonhei
para dar tempo sem razão
de circular tempo pelos atalhos do acaso
e estranhar mais, muito mais
para além do tempo lacónico
o invisível estará sempre acessível aos nossos olhos
-não sei ao certo quando comecei, quando me comecei
mas eu sei que me sonhei
gentes sumidas sem dar sinal de vida
homens chacais piramidais deambulando na cidade branca
e ao ritmo alucinante de uma máquina de auto-destruição
o cataclismo do processo de nos extinguirmos
como fazendo parte de tudo isto sem método
mas um trevo de quatro folhas é uma mutação
a ânsia animalesca da besta pedestre
cerrando os dentes atravessando a vida
nos dois sentidos
e um monstruoso rinoceronte assimétrico
pode quebrar a rigidez do asfalto: a insolência do ataque
para revolver a terra e regressar ao começo das eras
o homem que nasceu duas vezes
uma deus, outra homem
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
língua viva
a densidade vasculhando limiares
sonambulismo na frequência vaga
entradas lexicais das entranhas
nessa depuração das faltas hexílicas
nessa retratação das falhas ortogonais
indigitar o indigente de espírito
exonerar o ingrediente do sacrifício
o paradigma de todas as folhas caídas
secas. contraídas de seiva extinta
assinalando o final da soma vital
do ciclo completo do eixo vertical
a dicotomia da lua, sombras digitais
em toda a extensão de pedaço de céu
aquilo que nos fere como um dardo
se nos apreende quando órgão móvel
numa cavidade bocal sem domínio
o texto enunciado é redoma e exílio
o texto procurado é um papiro celular
o lugar de resistência é anónimo
sinónimo de presença nómada
castrando a delineação convencional
da extensão conhecida por superfície
anamórfico, esse lugar de paixão
pontos de cor numa grelha de dor
fumaloras do coração extinguido
de guarita destinada aos vigias
à margem dos meditativos guias
camminus cegos impulsos certos
o design dessa força generativa
tem a forma de uma língua viva
a poesia é semente futurista
do planeta imaginário
Panaceia-da-glória
são horas de reentender a constância
tão cerrada perturbada mascarada
e insensível a intenções de ressuscitá-lo
do mesmo futuro intemporal
as vicissitudes umbilicais cósmicas
de um estado novo de novo levantado
são horas de ser de estado um homem
pedaço bicho de toda a humanidade
homem nascido livre de verdade
homem de verdade nascido livre
são horas de levantar âncora
a cerimónia do encargo da consciência
dar uso orgânico às asas
e num estalar de dedos estremecer
o apalpar a linha ténue do chão
que nos há-de comer sem fome
inundar as ventas e o corpo inteiro
das grandes lides das venturas
e sumir-se farejando de perto
a ponta oblíqua do inferno
são já horas da pancada grossa
de braços de ferro com a sina
de colocar as esporas e o rosário
de tomar de pulso o sacrifício
e partir para a grande cruzada
chamada vida nossa
são horas de nos matarmos
de se quebrarem as estátuas
de se dominarem os dragões
de se seguir um andamento próprio
de se cantar outro hino com glória
de se enlouquecer de sóbrio
depois de tanto inebriados
do vocábulo cianeto-estado
são horas de nos matarmos
para renascermos como gente
ou são horas de os matarmos
para assumirmos ser gente
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
o canto da cotovia - o último
somos descendentes do sonho
sumindo a brancura dos contornos
espiralando uma cotovia madruga
derramando êxtase para o ex céu
donde vim eu?
sinto todos os aspectos possíveis da atmosfera
em termos meteorológicos
o poder de aproximar-me da terra
ser um laboratório aéreo
os grandes turbos que me reduzem a velocidade
até estar quase parado
uma cabine telefónica
algo humanoide do outro lado da linha
sinistro, terrível
gongos chineses em cânone
sobre a temperatura da água os meus dedos fervem
sou tempestade tropical de pavor
aperceber-me da forma dos ossos
agora a olho nu
do auscultador vocábulos interrompidos
alguns dos mais ricos poemas do mundo
tenho a certeza de serem poemas
busco um bloco de apontamentos
atraindo os olhares de todas as tripulações
que já me habitaram
tenho a sensação de estar a ser leiloado
loteado célula a célula
uma sensação demasiado concreta
hão-de instalar-me electricidade
talvez comecem a construir uma cidade
o sobrolho autónomo tremelica
envoltas nos esboços da agonia
sinapses irradiam-se de corrente sanguínea
sinto na boca uma secura pegajosa
hidratar hidratar ...hidra...ar
o santo graal depois da colheita do sal
hei-de ser um oceano sem chão
o papel enrugado
os campos cobertos de sangue
bocados confusos de carne crua
pendurada a cabeça do animal sobre a lua
acabada de nascer
nessa cobertura que não é mais céu
bocados de seres caídos
em acidente de aviação sem destino
cobri-los com serapilheira
quando o crepúsculo se adensa, acender uma fogueira
o alimento do fogo, poema a poema
na hora íngreme da noite
no exacto momento dos ponteiros sobrepostos
ascender a esse ex céu que há-de voltar a ser céu
lá, pigmento a pigmento
colonizar de estrelas o pensamento
estrelas que já foram gente cá dentro
mas a chamada é paga no destino
daqui amarras prendem-me ao fundo
no fundo desse oceano compacto de escuridão
onde as estrelas não brilham
e os pedaços de carne viva
acenam em despedida, a troca
afinal são eles que estão de partida
e a cidade há-de ser construída com estes ossos a descoberto
depois de todos ardidos, os poemas sem destino
hão-de servir as cinzas para surdas madrugadas
onde nem as cotovias espiralizam
mas somos descendentes do sonho
é tudo o que sei sobre mim
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
retrato retardado de um crime
o tilintar da narrativa coando
tricotando insaciáveis oscilantes
a compilação laboriosa
de entender a vaga realidade
corpo a corpo as horas incontáveis
numa ideia obcecante
confissões de uma criatura embrionária
recortando a própria tragédia
pingos de chuva em nuvens de zinco
distendo felinamente os músculos
no brusco impulso de se chover
a silhueta de ferozes dentadas observa
tesourando as moscas voando
trocando de roupa através do biombo
na preguiça de um homem retraído
deitado sobre a cama encharcada
o estampido da felicidade desalinho
como um ferro ainda em brasa
cingindo-se à sensação corpórea
comprimia-lhe o coração
-nada sinto no penetrar da densa treva
as ramadas lá fora obstruindo o caminho
no encontro de um ponto tão distante
no lugar mais estranho na hora mais absurda
como a ideia do fundo do corpo
donde se escutam memórias de juras
rumo ao desconhecido
- hás-de ser toda minha
no corredor tristes hospedes nocturnos
passadas vagarosas
de frases completas veladas
que se demoram
- hás-de ser toda minha - murmurava
algo próximo ecos do asfalto
dessa via instinta de íntima compressão
vazam contraídas as bermas
as lágrimas recomeçando a cair
recolhendo da viagem
dores que ninguém pode definir
e a imaginação a galopar
mais longe, tão longe, imparável
correndo de asas nos sapatos
desamparados ao lado da cama
batem as zero badaladas no quarto
pedaços de papel descolando
começam a passear pelos cantos
ideias soltas de tanto
de todos os esboços encurraladas
querendo voar para fora
ideias soltas de fugitivas
o amanho da cabeça malfadada
desmaios dos olhos perdidos no vácuo
o envenenar do espírito de histórias fantásticas
-neste quarto morreu um tipo
crispando o sangue ainda latejante entre as mãos
talvez a lua entre as mãos, se a houvesse
singela como um pedaço de sombra
que abraçamos no desespero da solidão
do mundo irreal, alvéolos de impotência
dentro da cabeça habita uma colmeia
vespas fazendo ninho em teias
para o veneno do mel ser fatal
porque as saídas do desespero têm sabor amargo
da desastrada precipitação das horas inteiras
a ondular esse quarto parasita
donde a leve brisa não é senão sentinela
de uma linha fronteira à janela
calcando decalcando recalcando
as divisões que nos comportam
o mundo deixado na palma da mão
sacudido, o candeeiro escorrendo
o mundo líquido e transparente
do começo de tudo o que pode ser indivíduo
- podias ser minha, toda minha
deixando o biombo ela desliza e regressa
- e para que querias tu uma sombra?
sábado, 10 de outubro de 2015
mariposa adicta
o surdo sonar
afirmando o silêncio dominante
a noite caminhando descalça no oceano
sem o mais breve gesto de revelia
a noite caminhando em direcção à orla
negando-se do rasgar da escuridão
de não se quebrar sequer com a respiração
mas teus dedos transpiram os meus
perturbando a ordem da caixa vazia do peito
as palavras se desencontram na cantilena ensaiada
querendo ler nas manhas as origens
do amainar, a altitude das forças
próximo de um praticável onírico
em uníssono queixos caídos pasmando
suspiros cor de rosa
suspensos no tecto fim de mar
de bocas abertas galgar desencavernando
quem responsável por tanto?
o conteúdo claro cuspido pela manhã
pelo rebentamento das admiráveis ondulações
cordeiros mortíferos de deus
debaixo dos teus e dos meus, versos
querendo pontos de intervalos
saltos em falsos mergulhos
para amanhã sermos um homem morto
mas as palavras afogam-se
para encontrar o reduto, redutor
aparelhos de escuta plantados na lua
as carnes frias da solidão
estraçalhadas pelos cães danados
cães que dormem na praia
as pessoas convivendo como dantes
ninhos de decomposição, a inquietação
o acesso vedado à areia
diabólicos duzentos metros de luz
mais coisa menos coisa
se acordando, devagar, aliviando, respirando
o corpo abandonando a tensão
um único cão agora bebendo o sangue
adunco cada pensamento se ordena
primeiro a hora, depois a data
é tempo de examinar os contornos do dia
o indicador arrancando o olho esquerdo
para atravessar pelo periscópio
a língua azul redobrada bebendo o sal
bicando de cada estrela a sua ausência
dependurar a via-sacra na ocular
o cheiro do canal infernal
rodopiando ainda a ideia de pôr fim à vida
murcha como a roupa encharcada
abandonada no seio da enseada
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
este algo que vos deixo
que se misturem todas as línguas de Babel
andando em círculos a ponta do martelo
à procura do fim dos tempos
a conjuntura de lágrimas detendo o instante
fitando o presente, escudo ou cura
devassando o passado, teses de instantes
e partir a comitiva rumo incerto
os olhos da besta bem abertos
virgulando o pensamento a cada arcada
a cada nova prova do enterro
degustando-se a vida por oposta
o conceito há-de ser digno de um corpo
cavando por aí abaixo o organismo
no estado latente enrijecendo-se
a massa alienígena que nos molda
ora de gozo ora de abatimento
tesouras presas a um cordão de cintura
rasgando milimétrico o ventre
e os pés delgados sempre cobertos
longe a cabeça calva das cogitações
ungentos de malva para atrair
o perfeito desequilíbrio das faculdades
-expressões soltas e vagas
deixando em testamento ambíguo
imaginando-se o resto
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
o barómetro dos dias do fim
ao alvorecer os remoinhos das margens
examinando sem ser observado
pelos ecos da colina que vai alta
a profundidade da neblina
a uma légua de distância da definição
de cada seu primeiro andar
um cata-vento e três degraus de pedra
os respiradores do submundo
trazendo recordações da terra
a um ritmo familiar
a melancolia de um dia de cinza
o que resta das ruínas?
cabelos postiços e golas de renda
levantando a aridez dos sonhos
implantados nos contornos palpebrais
de todas as consequências possíveis
de um silêncio perturbador
as badaladas do campanário
tornando insuportável o chamamento
de todas as coisas humildes resistentes
abre-se o céu a uma alvura de apetite
projectadas as asas e tendões
a uma animação terrestre cuja íris
se vai habituando em reflexos
e os longos cílios sombreando
um corpo de mármore renascido
as forças combatentes
querendo tarefas importantes
homens de ferro abandonando a estrutura
dos ferimentos recebidos, a cura
as faculdades inventivas
em busca do desconhecido livre
de entre as garatujas, traços súplices
o espírito que reproduz a garotice
parelho de um espelho de sangue frio
enrolando e desenrolando fios
entretendo um destino as minúcias
orações da língua de ritos
ser capaz de descrever
a cólera que escondem as paredes de cal
de vidas recalcadas
a sua continuação abismal
nessa espécie de asilo
habitando por caridade um estado de vazio
tudo autómatos rudimentares
o balanço das ideias cansa e adormece
soldados decapitados de verdade
marchando fantasmagóricos
marchando no imaginário
lacunas cobertas por tampos de mármore
declarando estado de sitio
ao chegar ao paraíso
ser capaz de descrever
de cada seu primeiro andar
como está o tempo lá em baixo
sábado, 3 de outubro de 2015
sangram as mãos danadas
nos aposentos da absorção do espírito
destrinçar, isolar, manejar
através das malhas do raciocínio
deter um grito pavoroso, longo, vibrante
galgando os laços sobrenaturais
passeando de um lado para o outro
na valsa de um faraoco
seria sempre um tiro à queima-roupa
no impossível de forjar o verosímel
trincos e cordéis para o grande estendal da fé
partituras de milagres
que importam as teorias do ressuscitar?
são as horas e as instituições que comandam
e por cima dos canteiros de relva
os mortos já não choram
mas ao vento invoco
sementes pairando sem receptáculo
ossos do ofício do imaginário
amarfanhado o espírito envidraçado
dos pedaços de lentes caídas dos olhos opacos
intrincados
burburinhos de abandono
sacudindo uma ortografia sem dono
a minha pele há muito que foi lida
conclave trotando metafísica
e o passivo linfático que aqui habita
tem ainda qualquer coisa de fantástico
contra o espaldar conservar o equilíbrio
levando à boca de outrem mordente
a língua do perfeito incoerente
e sugadora e abusadora
adubando de artificial mentes mosquiteiras
que nunca lhe faltasse musicalidade
a essa voz demência por canais semicirculares
selvagens perseguem a presa
giroscópios, alucinoscópios
balões levitando sobre cidades fronteiriças
a insolência de uma travessia qualquer
mentalmente nula
numa espécie de rede de pescar à mão
sonhos que se deixam morrer na boca
apaixonadamente séria
gatilhos espirituosos versados
mochos
como se estivessem costurando os mortos
ecos profundos de intimidade
formando um halo completo
encurralando por detrás de um leque ébrio
o ciclope alma vítreo
donde tudo se pode avistar a curto palmo
quando o pensamento rebobina em falso
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
o mundo dos vivos
o latejamento das ondas dedilhando-me
se pode alguém adiar
aquela definitiva cadência que nos arqueia
a fenda na teia que nos deixa morrer
na praia
ou em queda lenta
pendurado no passado uma existência
longe das coisas respiratórias
um crime branco
a esperança de escapar às garras
dessa monocórdica narração
no empolamento sebáceo
para o arrepio das coisas mundanas
mimiografar para remar
nas areias do passadiço imaginário
as trepadeiras apertando
o grande solar místico do pensamento
e os meus olhos escuros voluntariosos
rasgando traços para promontórios
com movimentos desembaraçados
do penoso fundo que nos entronca
mitigado pela arquitectura rígida
de estatuetas frígidas
-é preciso serená-las,
em confortáveis cadeiras de verga
a essas almas instáveis
paciências de cartas em jogos dispersivos
tranquilo lugarejo da província do peito
fazendo escudo a um ataque árido de sentido
constante
e ser espalmado até à última célula
fixa bem os olhos
no largo horizonte estático
meditar sobre as violentas questões da terra
obedecer caninamente às vontades do mar
espécie de hipnose no plano interpretativo
por osmose a proficiência
esse profético prenúncio da língua intrusa
para dar um mergulho de costas no sonho
e numa dança aquática
no trampolim de um nenúfar escapatório
como uma espécie de segunda natureza
se descobrir cadáver
que apagando e acendendo distraidamente
o farol da alma indo e vindo
no puxar das redes umbilicais
introduzindo num daqueles mundos típicos
feito de linhas elementares
borrifadas de ar curioso
acalentar sorrisos vagos de desespero
roendo essa poltrona de tédio
como se o momento fosse
o de mea maxima culpa
para o silêncio na casa de deus
terça-feira, 22 de setembro de 2015
sobre o destino
deixo que ele corra nas minhas veias
como se as teias do destino fossem
dependentes do atilho
deitado de bruços
sobre a caruma do punhal
os meus punhos são intrusos
e o meu destino é fatal
naquelas coisas de pedras antigas
onde ainda se mói e se definha´
o meu sonho de menina se decompõe
em linhas alcatroadas numa cidade íngreme
enfestada de nuvens de estuque derrubado
à margem da corrente da luz estival doente
fui construída depois de uma ideia de partida
à candeia dos camponeses e dos choros dos sacos
que rolando desfiladeiro abaixo
se perderam na floresta de uma garganta quase
quase com binóculos cegantes
mas que importa tudo isso
se o destino é fictício?
há muita gente nova longe desse vício
se rebentas com os teus males
vales e lados e pontas de aguados arvoredos
que em segredo aguarelo no meu caderno
falam muito e não matam nada!
o estômago estremecendo de fome
traz-me uma caneca de sono
há muito tempo que as montanhas falam
e as folhas passam de mão em chão
combatendo e depois voltando
no fim da estação
conduzindo metralhadoras de escuridão
através desse ruído
embrulhando no cobertor a alma do frio
sentinela examinado o céu
e a cabeça voltando ao extraordinário momento
de patrulha
voando tão alto
mais alto que o próprio céu
sem certeza nenhuma
na delicadeza dos objectos tesos
à velocidade de um esmorecer cigano
ocidental mundano
mas o destino é apenas um pano
ora se coze ora se cose
no alto céu crepuscular se escolhe
na regulação inóspita dos motores
iluminada pelo sol
voavam tão alto
mais alto que o próprio céu
sem certeza nenhuma
podiam ser patrulha
podiam ser ave nocturna de bombardeamento coisa póstuma
voavam na direcção oposta
pouco se sabia da sua rota
-temos uma aviação fantástica
das veias o veio da teia
encontrei um prato que já estava comido
gente séria nas esquinas
as coisas inadiáveis são contraditórias
porque a transplantação de um ramo de família
as chagas dos corações são aladas
o segredo das humildes manhãs
o perfume da encolhida existência
ir onde ainda há expressão de odor
os transes das paixões
vidas medianas de horizontes estreitos
que voltasse o exílio
que voltasse a fome extrema
que voltasse a prisão imersa
perder mil reis na roleta
um pau e chuva e um dente de leite
o contratempo da minha sombra
sempre contrafeito
uma dor ambulante que não nos dá sossego
dobrando a espinha, dobrando a esquina
de que janela partira uma voz desafinada?
pela porta escancarada
uma comoção profunda
do medo da escuridão
de um mundo criado-mudo
o latejamento das veias na testa
se pode alguém morrer de dor de alma?
aquela definitiva decadência que machuca
porque marca o fim da existência
a fenda na moldura
no espelho do lavatório
uma criança de colo longe
das coisas tristemente banais
em tom de prudência
-quando abrir a boca será eterna
A minha aranha tem patas de veludo,
e faz de conta que a voz tem pêlo graúdo!
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
o sonho de colombo
o dedo escorregando pelas ripas dos estores
uma coluna de cinza irrompida pelos primeiros traços da manhã
há um íman sobre a limalha de ferro
onde a alma cinemascopada technicolor se espande
nas têmporas espaços brancos de antes
um ror de momentos com traje de noite
urros de sonhos se espreguiçando
esperando onde os vivos não entram
a vibração da esfera pelo contacto dos corpos
acordando devagar
a mentira ocupando a vida dos mortais
envergando a estocada de deus
em círculo solene, o dia sem resquício de ideias próprias
faz-se o silêncio em torno da respiração
com a facilidade do esquecimento
a plenipotencia do pasmo doloroso
há um corpo para pessoas de calibre
ainda preguiçoso
e um pintassilgo de frivolidades ventosas
envergonha a posição de sentado sobre a cama
olhando o infinito
compadecendo-se dos cães abandonados
tolhido, acossado, tal ave estouvada
a tenacidade de um gesto solto
para a vertiginosa evocação à liberdade
bandarilheiros de sangue
à cata de amor para derramar na arena a dor
águias bicefalas batem à porta do quarto
um oceano de águas negras e barcos fundeados
mosaicos de prazer
uns partidos, outros desemparelhados, outros apagados
e na transparência de um cristal
uma jaula de feras: a cabeça convertida em febras
fé no nosso destino!
o balanço ainda das forças vazias
valquíria transformada em pétala
a contemplação de semi-deuses pela janela
enxaguando agora o rosto com água fria
de frente às sombras do dia-a-dia
mais força que o destino
sobre a mesa migalhas
para bandos de aves repentinas
que se descolam do tecto
do varandim o mistério
pincéis ardentes manchando as córneas
esse quadrilatero pedaço de céu
para a sinistra presença de um outro
que se estranha
seria preciso uma coluna de verga
e corações vulcânicos carregados de fardos
das cordas içando
um sobrevivente do naufrágio
pancadas nas tábuas mundanas
a massa azul celeste tomada de vapores
escondendo os campanários e os bicos dos palácios
a noite e a sua férrea cobertura
para anjos tísicos nos levarem à loucura
que nas alturas se asfixia com chiadeira
talvez seja o movimento dos guindastes
provocados de vez em quando pela nossa consciência
onde em vez veleiros podiam balouçar
no seu isolamento
mas os braços sempre esqueléticos anunciam partidas
neste horizonte, tudo é próximo e tão longe
mastros esperando ordens
mecanismos fumegantes
um solidéu flutuante vogando na fé
serão sempre curtos os remos
para as descontínuas imersões
mas pé em terra firme!
a ponta do mundo que perdemos de vista quando partimos
e não olhamos para trás
a nossa mais breve infância
em busca da felicidade em qualquer outro hemisfério
este lugar que ocupo agora nesta mesa de esplanada
é o único onde tenho consciência de estar
a bordo de um altar inflamado
o ar rarefeito nas profundezas das fornalhas do peito
e como um telegrafo, marcando a posição da alma
mensagens chegam à orla da tela
para serem devolvidas em lágrimas fingidas
pessoas opacas como estufas de inverno
são a moradia para uma autoridade alienada
Acropole do pensamento
onde habitam ódios dormentes
tanques comunitários para corpos sem alma
ou almas que abandonaram seus corpos
os seios de Rubens atravessando a rua
para alimentar bocas de dragões
que um dia hão-de dominar o mundo
mas, talvez os navios não passem de botes
os tapetes macios para amortecerem os passos
e banhos de sais e pétalas de rosas
para a imundice se disfarçar de pureza
a tristeza humana se compadecer da natureza
saindo à rua num cortejo sem dor
vivendo de costas voltadas aos grandes feitos de deus
que grande feito o homem
que goza do esquecimento
a pedra filosofal para a perpetuação
heróis transcendentais expatriados de dentro
sobre a hélice que faz tremer o pensamento
o globo terráqueo recebendo hipérboles de sentidos
para todos os paladares
embarcando em todas as linhas de caracteres e sangue
de identidade vaga
semelhante a uma nuvem ténue
agora que contemplo o céu parece mais perto
creio que de pé me parece mais próximo
o último regatear da morte
cogitara saciando
peças de bordado sobre o papel
prometeu e a esperança
mio-oculto imprime-se de montanhas rugosas
esse céu de profundidade pétrea
no rebordo a minha mão deixa-se levar
pelo puzzle de antigas civilizações perdidas
na encosta a multidão que se desloca lentamente
debaixo desse grande toldo celestial
que abandono por cansaço visual
o último porto de escala para o velho mundo
o contorno de âmbar para entreter o ócio da travessia
com a lembrança vazia
a solidão impregnada de espaço incerto
olhando da borda para baixo há uma distância calculada
irmanada pela ilusão de estarmos sempre em queda
mas a esfericidade é um disco na verdade
vindo do pensamento as frotas do alento
se me deixar cair, chegarei ao outro lado
mais um pouco, mais um pouco
permanecendo acordado
silhuetas de pavões e dentes de elefante
só posso estar a chegar ao paraíso!
engolido pelo caos movediço
uma energia latente nos confins da idolatria
cada um nasce onde pode nascer
mas os raios se sol chegam primeiro
ao outro lado do cume espelhado...
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
meditação in locus
a orquestra...paisagismo estanque lá dentro
quando o lugar se cliva do homem engenho
goza o prazer egoísta do silêncio
cadeiras sentadas de melancolia
partituras abandonadas nas estantes
instrumentos quedados de mãos doridas
o mantra OM da estrutura meditando sobre si mesma
a gravidade é tão remotamente invertida
que gotas de suor ascendem ainda ao tecto
assiste-se agora ao lugar vulgar da vida
só a luz toma lugar de mudança
quando os interruptores não forem tocados
e o braço da noite pronunciar a escuridão
mas em eco, ecos de eco de salas dentro de salas
a manivela desse piano em movimento perpétuo
prolonga a melodia dentro de uma só cabeça
colectiva. e lembrar-me que numa noite
numa noite como qualquer outra noite
o meu coração parou de bater
paralizando-lhe a vibração
de qualquer coisa conhecida
passos na rua, campainhas de gruas
e tranquilizante de repente
quando o começo de outra atmosfera
uma mão que pega noutra mão
pedir que a aventura comece
tão longe, tão longe
uma voz serena que não mais pergunta
qualquer coisa como a morte
não a inveja a melodia de antes
a vida é a vida, nada mais lhe pertence
e aceitar essa sala vazia
esse lugar ecoando parcelas de ecos
que se refazem e desdobram em outros
e em todos esses caminhos sonoros
ser todos e ser nenhum
nem a melodia nem a mão que a projecta
apenas uma sala vazia
gozando de prazer egoísta
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
amare nostrum
os mortos ordenam por terras malditas
a resolução absurda da vida
o pano de fundo afinal pedras lavradas
taciturnas embarcações encalhadas
o transatlântico intramente sombrio
uma palmeira anã de pontiagudos dedos
a única estrutura num arquipélago de pele e osso
onde um piano de manivela emana
soporíferas linhas compactas
servindo oníricos voos de bandeja
o vai-vem das cortinas das vigias
sopro invisível do ponto fixo
parecendo ondular ao longe a preguiça
e estalidos internos
queixumes incertos
-a terra parece estar pronta
parindo cousas nocivas
dos véus, bandeiras e espirais de cores
níveis de consciência restabelecendo a corrente
instigado pelo desejo de cada volta das hélices do mundo
-a fé só pode ser um mistério
o peito arfante, o reflexo do carvão a arder
essa sombra horizontal
onde fios de água desenham presenças
dos acervos das ruínas
ruínas de algum acontecimento
a vibração mística das folhas
cócegas doces para dorsos velúdicos
o movimento das coisas é violento
espírito faquir de todos os elementos
cada hemisfério da terra tendo as suas constelações
sobre as cabeças de peixe abandonadas na areia
fogem os astros das mãos do tempo
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
violinos sem cordas
remoinhando sobre si mesmo
rés-vés a condição
um ser nulo, mas são
esse o timbre do farrapo humano
que muito bem vestido se apresenta
titânica a alma um peso morto
do ultra-sonho narcótico
e as lembranças fantasmagóricas
para uma hipertensão tacteante
as veias rasgando-se da pele apertante
para uma radioscopia do que vem lá dentro
um trampolim hermafrodita: um pé cá outro lá
alforrecas nocturnas ingerindo todas as formas
o pensamento-borboleta não se demora
de todos os cantos da mente há uma nausea simetria
a bigorna do mundo metafísico: palavras com sete vidas
da fossilização uma campainha matutina
tacteante, a vida dolorida palpitante
essa tensão hipnótica que nos rebenta o arco
que antes nos dobrava em silêncio
que antes nos dobrava em silêncio
remoinhando sobre si mesmo
domingo, 30 de agosto de 2015
que fazem messias aguardando na esquina?
o corolário natural é uma ideia-limite
onde o compasso se fixa
à boca de um pelicano radioscópico
e o espírito em emulação de deus
as purgas do ébano misantropo
pendurado de braços recolhidos
nascer e renascer dentro da sua própria natureza
a nostalgia da imortalidade
o homem de carne parte
se adregam ossos de animal enrolando papiros
essa fome de animal hibernado
dessa imbecilidade epicurista macerada
retoques e andaimes
para a filosofia do sonâmbulo
ares blindados a uma existência carunchada
e o condão de uma visão cósmica
de flor em flor a semente
o suco do vagar atmosférico
do som oco do nascimento
a cotovia mastigando vidas cadavéricas
também as cotovias comem não comem?
devorando restos de imaginário para provar além morte
e há um campanário dentro da cabeça
onde o sermão e a esmola se revezam
o umbigo do mundo onde tudo é terra de ninguém
o fósforo é sonda para o esmorecimento
há-de tudo ser cinza para sacrificar a exactidão
dessa vida estacionária
e na clave da vibração interna
quási enigma
minar ou minguar
do miolo à casca a catatua floreada
ao império do esquecimento
caem enfim as sementes em mão alheia
o cinzel do escultor decifrando o invólucro humano
à míngua do tempo
sempre o resgate da tarefa
catadupas lacrimo-génias
a língua rotunda, praça
pelourinho para morrer no primeiro naufrágio
rufa ao longe essa alma que se deixa partir
que volúpia!
essa azáfama de transferências
para um parto lento
quebrado pelo irritante martelar das teclas
o passeio elaborando-se mental escadaria
onde casulos do bicho da seda estão
à exaltação intuitiva
à gestação do poema
em morfina, mofino
deixado aos pés do cristo
para um dia ser um fura-espanta-céus
sagrado coração que sangra!
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
partem altas e possantes as caravelas
ao ângulo morto da vida
-exit now
caravelas postando ao horizonte traído
água-mágoa
tanta terra inóspita vencida
a conquilha onde o criador vivo será
caruma depois das sendas da criação
e uma jangada para ficarem as coisas de pasmar
mil voos sem memória inacabados
gente infinita, gente que se infinita
de acrobacias rasantes
o medo ainda de voar, trespassando, caindo devagar
aragens, sóis prestes a rebentar, poeira
detritos, lamas, o fundo das gentes
c´est ma tournée!
as fontes do desassossego revoltas
a linguagem de um homem só
em redor do improviso um ninho maldito
se elaborando uma saída ponteaguda
os veios da natureza entrançados para cutelos
desfiladeiros em formas estranhas
de significados desconcretizados
e a palavra seduzindo gota a gota
quando a sede é o único desespero
há coisas estranhas que nos deixam saudade
uma ideia proveta,
bolas de trapos pelos antigos aquedutos
e cardumes de multipensamentos dando à costa
mas há uma rede de estagnação imposta
onde só podemos sufocar de boca na areia
do meu peito partem caravelas rumo ao mistério
espécie de pesca de abismos à linha
na forma de universo inteiro eu respiro
o pensamento esganiçando-se
chamando às palavras vãos
apreciando as coisas mínimas
cifras da crosta emocional de verdade
e do encontro sem querer com o fundo
a existência sempre mal ancorada
ir ao encontro da cripta mais dura
de rascunhos precários erguer a vida
em pleno oceano o porão pesando a recordação
e o poder de continuar a navegar
enchendo os pulmões de ar novo e puro
talvez o mundo esteja enguiçado, mal contado
surripado...morto
que a minha caravela não chega a costa nenhuma
artefactos espalmados no céu mentindo
maus ventos levando-me para terras de cinza
e o dia que está no fim
as ondas que começam a aveludar
deitando dúvidas ao tempo de anoitecer
os últimos raios que escorrem no soar da hora
do despir da alma de tentativas
uma e outra vez de me mandar borda fora
fiando sem fim finais imperfeitos
homens, fantasmas, ecos de dentro
ecos desalmados de impérios sem sonho
tirando ao âmago das entranhas as raízes telúricas
para paisagens sem cura
tirando ao âmago das entranhas
o que não se acredita não se alcança
partem altas e possantes as caravelas
batendo nesse peito pedra
a ancoragem aos céus sabotados
desta inóspita existência
porque partimos?
sábado, 22 de agosto de 2015
Há um carrocel a que chamamos de viver
berros, urros de leão
ar esgazeado
meio apagado meio saliente
antever a magia do mágico
arfando de esguelha
se todo se parte
ventos ciclónicos
e horas mortas por renascer
Descrição: não caí do céu
ondas murmurando umas nas outras
lampreias etéreas
sensação de ter ou de arranjar-se a paz
guarida perpétua para leões marinhos
voajando por retratos terrenos
procurando núcleos, membranas
produto anestésico do absurdo
Descrição: canteiros de amores perfeitos
subversiva memória que nos vaza
no porta-retratos dos sacrifícios
a ordem é inversa a um furo de parede
para mentes lubrificadas a douta palavra
bate o pé, pirilampos desorbitados
em contra-senso esparramado o mundo
a negra escuridão multifacetada
de soslaio enjaulada a raíz petrificada
de soslaio o sol penetrante nutriente
o pensamento dirigível saindo da casca
Descrição: a hora de dar contas à vida
Estando só e unicamente a viver.
Descrição: e tudo o vento levou
pedaços de tempo estratificados
anos cilíndricos estriando na pele
engrossando a casca rija da idade
deixando a mente adormecer infeliz
nas mãos de uma mãe-te ambígua
a voz de embalar ao fim da vida
Ainda indecisa. Não sei se viva.
Uma imensa catedral ainda de pé.
a saudade uterina
passos elefantinos
Todos os dias a morte cruza e descruza as pernas.
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
catchy souls
dos ocos carvalhos rasgam deusas horas
filhas auroras de shiva inerte
a mãe terra diz que ninguém se pertence
alimentando-se apenas rumores alheios
partes de todo sem todo que se repete
e a terra dá as suas voltas
se tivéssemos na fonte unidades lexicais
messias hospedeiros para ciclos em tédio
a tiro anafado da raiz se esgotar o fado
se escutássemos do fundo o ronco surdo
de um coração entalado nas paredes
de arranha-cúpulas deitados abaixo
que contariam as estrelas do topo desses telhados?
talvez pequenos milagres agregados aos sonhos
e que sonham os que dormem em ambígua apatia?
a rufar a película do peito deixa transbordar
pequenas linhas de apraxia mental
odara a cria que nos escapa de tanta arrelia
esse esgar donde não se consegue mais parar
e nessa frequência a velocidade aumenta
bombeando nas artérias da cidade a cabala perfeita
para dela ou nela se desaparecer
anónimos apanham todos os dias comboios
domingo, 16 de agosto de 2015
tudo somos tudo
a firmeza da linha depois de chacinada
a curva ascendente cuja figura evoca a obra
o desabrochar da colheita depois de pronta
e em branco, mais tarde, campos de neve
a paisagem sempre companheira vigilante
do despojar das imperfeições, estações
pela segurança do compor do traço
a exprimir as coisas dos seres
de tarefas complementares: vida e morte
mas às vezes
do esforço sobre-humano há uma certa
apoplexia
ou o aborrecimento da época
onde o narrador é atraído pelo íntimo
de uma obra que não chega a nascer
e a natureza complacente
de golpes de misericórdia
ao contemplar das esculturas clássicas
ao plástico das criaturas enclausuradas
como um demónio desencadeado
um fresco lírico desenfreado
e o sol do meio dia paira acima das alturas
dardejante
das cristas dos prédios e das antenas parabólicas
tão vestigiais como apêndices maciços
as muralhas de pedra ardem por dentro
atingem verticalmente a massa compacta da gente
de uma nuvem de pó surge o sinistro poder do céu
encolhendo a paisagem em línguas de gelo
suspensas
recortes de violentos rasgões para adormecer depois
dos clarões
como tantas outras noites de penumbra
a cidade perdida
o silêncio calcificado pesando sobre todas as coisas
no movimento do bater das asas
uma andorinha arruma a casa
e o que fica
o grito agudo das gaivotas figurando a eternidade
talvez há mais de mil anos
que ninguém por aqui desafie a gravidade
o que as intempéries fazem com facilidade
a água da chuva abrindo conchas nas calçadas
a água límpida depois de caída
repetindo-se em eco o sufoco em fios de prata
de feitios bizarros
o lenço branco, o suor do rosto escavado
de todos sermos pedaços em construção
e adornos de espíritos curiosos
para
a firmeza da linha depois de chacinada
a curva ascendente cuja figura evoca a obra
quinta-feira, 13 de agosto de 2015
uma cabana espacial
Diz-se que temos lágrimas de S . Lourenço
a página tribulada de passageiros incómodos
mas o alto-mar é livre
o sexto continente estéril
e vestidos de vocabulonautas
em banda desenhada
a unidade do voo
rasando magma lunar
ao grande telescópio solar
Deixaremos o subúrbio da terra.
Seremos satélite paradisíaco
onde não haja viva-alma
nem Andrómeda ou galáxia mais próxima
que tudo são cúpulas envenenadas
de morte indolor
O flash priva a sombra não é meu amor?
É preciso longa exposição
e sistemas de abastecimento do coração
Antes sempre um ponto de partida
que um ponto de chegada.
Não é meu amor?
a colonização do cosmos
o primeiro pensamento depois da aterragem:
tratado em testemunhos do passado
depositário ainda de corpos celestes
as correcções terão a força letal
ratificações de órbitas
o espaço desenvolve-se extra atmosférico
a liquidação da espécie humana
mutei-me de perseidas
e tudo contaminação do espaço inestético
da utilização pacífica uma miragem
disformei-me de alienígena
a lacuna moral, a imperfeição moral
Alunei-me por fim no teu peito
E hoje ao reviver
Somos satélites espiões
a nudez da espiritualidade
O homem começou a civilizar-se,
mas não acabou.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
ao largo há uma onda que vago
como uma vaga de pacífico ângulo
o oceano mental é um espaço
onde primeiro há a escuridão
depois, pequenas notas de vegetação
e soberbos seres nos visitam
o tecido é plástico espástico
a resiliência ondulatória
onde se permite repousar
numa concha madrepérola
os canais do mundo submerso
são inertes e acaricia-los
criando a vida movimentória
mentora de si própria
como uma maré de pureza
chegar à praia
onde sereias podem caminhar
e saltar barreiras
fugas atrás do pensamento
que se quer cá fora
para investigar a cor da areia
e o desenho da sedimentação
num diálogo de criação
mística
podia ter-se partido numa pedra
um pedregulho lá do alto
atirado por mão severa
em tempos, se calculava a terra
e um farol para a viagem
dentro do navio encalhado
que se abeira nas areias secas
o mastro esguio tombado
para estados de um acto desesperado
almas que caminham no limbo
-e depois ficaste fria
dona dos canais sérios do mundo
olhos cinzentos
em acordes de causar arrepios
-vamos embora, disse-lhe uma última vez
os últimos pensamentos em golpes frágeis
as mãos por onde ela anda
pêndulos de tamanha tristeza
morria no horizonte a descoberta
o veneno deste corpo esperando
no chão de terra batida caminhando
o tema da pureza se esgotara na morte do artista
os anos fogem para serem mortais
-ando à procura da minha alma
numa esplanada projectada num jardim
numa ombreia de uma entrada sem porta
num quadrado do jornal de amanhã
no bilhete comprado com antecedência
porque ela partiu antes de mim
para me lembrar de segui-la
antes de me amargurar com a vida
e dormir na paz verdadeira do refúgio
onde o mar é tão profundo
como se o tempo parasse dormindo
e a viagem estivesse concluída
o ano da morte do artista
porque será tão importante?
é a recusa da vida que lhe faz sombra
que a vida é o sol que nos envelhece
supondo que não havia tempo
não estaríamos do mesmo modo
deambulando como carcaças ao largo?
sexta-feira, 7 de agosto de 2015
zoo lógico
em ebulição lírica crepitante
avestruzes ao contrário
lesmas, serpentes, lagartos
para permitir a visão
em muda contemplação
a hipótese de dormir de estômago vazio
-quem dorme, janta
o peixe deixa-se à rede
como brasa faúlha cegueira
a pólvora também precisa
do fixar-lhe da cauda
a corda
pele de verde acastanhado musgo
dentes aguçados
se há água no inferno
enguias eléctricas que nos tomam o corpo
há um peixe que produz fogo
para atingir qualquer margem
sirvam-se esporas
desses bichos sem guelras
como temem os ossos bizarros
da boca em uníssono
estremecendo da cabeça aos calcanhares
o próprio curso da água
remoinhos indecisos
mais adentro
do descobrir profundidade mergulhando
numa espécie de ribeiro lento
a tormenta tem a duração de uma respiração
galopando será mais fácil
caminharmos às cegas se for necessário
há um furacão nas poeiras
o dilúvio em curso
e uma lágrima de recurso
ao compreender do impossível
de profundas águas
mas vamos em expedição fora
o grande império continua
planando nas alturas
pertencer ao céu e à terra
sem fazermos parte
esporas e asas densas
pelos arreios do sonho
terras infindáveis sem ponta
instalados na sela, tudo é posição estranha
a tez do tecto é plural
o tom do céu é extraordinário
o clima meridional planetário
acordado, adormecido, cego
os olhos comandam o que as mão perseguem
o monólogo é um por-do-sol fictício
plataforma, colisão, salvaguardar
embate, militante, digressão, criatura
concorrente: bicho-louco
estenda-se à nossa vista uma rota
o fixar dos olhos na confluência das vidas
desse rio afluente
os olhos colonizam o sonho
habitando-o de figuras de dentro
sobre os estribos da alucinação
simetricamente alinhados
a vastidão rompendo a vizinhança
largura e caudal visceral
a grande artéria que alimenta
para revolver o espaço da tormenta
atrelar dos pensamentos
a tarefa de certos odores
retemperar forças milenares
em primeira água
a purificação dos ossos
em redes melancólicas
as horas gotejantes
uma interjeição que parte do ventre
o voo em liberdade
numa só vista de olhos
a paisagem que parece ocultar
o tom imperativo do coração
da outra margem
da outra margem aquém da linha
a ave que respira
esse axioma da alma
de cor nacarada degradação
o andar térreo
há uma paleta de indícios
sobre os estribos da alucinação
que não admite réplica
A tenacidade incansável do horizonte
a quem possa restar essa contemplação
Gran bestia submarina
pesadas lonas alcatroadas
rijas como lixas
estado de tensão
abandono de si
os ossos da bacia a quererem furar
a melodia trágica do dia-a-dia
como um murro no estômago
e esmagar o pesado cronometro
a sangue-frio
sem instrumentos ou bússola
com o dedo permanentemente no gatilho
latitudes, longitudes
navegará até onde
perfeitamente quieta
o gesto haverá de ter ido mais longe
plano-mestre
vigiar-nos de binóculos
apanhar a corrente principal
altas dunas movediças
patas de elefante
cascalho miúdo
linhas de referência
nivelamento
capitão de mar-e-guerra
o guiar do bote
vagabundear
gesto melodramático da sorte
e de olhos fixos no esqueleto
olhos despidos de três sombras
três viajantes chegando de longe
o terceiro era cipriano
ao duplo sol de inverno
o odor bafiento
areias rijas
marcas de sal
agarrar de súbitos compassos
há um nativo fora de radar
gerar a rédea a bombordo
à tona danada da água
se encalha
de um vagar elefantino
mortal barbatana do destino
e há o contrabando
parlenda
plexo-solar
o veleiro pendente
ancorativo transtorno
temos pesadas algibeiras
e da rebentação
fanicos de duro cascalho
pingue pinga pongue
as coisas empacotadas
do arrastar dos fardos
debaixo de água
era um homem mau
por isso não se derrama lágrima
cuja lição
é um par de mágoas
quanto a ser peixe, era um peixe como outro qualquer
Hibernáculo
o transpor das montanhas
passos de guerra e paz
um código único escrito no interior de cada tronco
fusão
o evitar da escoriação
Constantinopla
impérios de antiguidade
homens cobertos de autoridade
alumiar
a podridão chegando ao âmago
o reter dos despenhados
a descarga de uma só passagem
rota à última vontade
usurpação da verdade
e da claridade matutina o espelho
a arte criminosa do espírito mau
esse espírito obrigado, enrodilhado, entregue
ao espelho, género nado morto
anjo tutelar do desalento
desse mundo amplo que não sai do corpo
ao pai comum de todos os comuns mortais
me ajoelho
e lágrimas alheias, deixo
ao calvário agoniado espírito de sangue
tão despida a vida de recompensa
que só o sonho extraordinário
às portas do templo, esse clarão matutino
com quem me entendo
estar vivo dá que fazer
é preciso abandonar o espelho e espelhar vida
na linguagem dos homens
no amor sincero
na terra colhida de gratidão
com a mão firmada na poesia
profetizando para multidões de criaturas sem reflexo
ainda.
pergaminho de fel
o segredo das inspirações
de curta devoração
a mão que recebe sucessivamente a chaga
o martírio de uma alma repelida
em transe consciente transeunte pela vida
que adormece num túmulo de silêncio
e acorda aos pés do precipício terreno
o fazer das pazes com o espírito vestigial
porque o verbo é um acto de rugir silencioso
nação sepulcra de indecisas golfadas
numa fortaleza de recordações
que se espreguiçam no aposento de trovas arqueadas
ri e chora
o homem-criança que se despede cadáver
haverá paz depois de tudo?
a braço de ferro contra a terrível foice da morte
esquadrões de gritos das estrelas relâmpagos
para um novo romper da alvorada
no batimento cardíaco de uma criança
mas o céu reservado ao desbarato
um coro de finados desafinados
em toda a blasfémia de se crer
nas expressões sublimes do verbo
quando ele ainda conjugava o caos
a ave e o verme
passageiros incertos ne leme da poesia
e que voltas abolição rebolição
no fundo dos vales, raízes carcomidas
raios de sombras pendidas
: o contentamento do momento
a hora absoluta e tétrica
os campos andam cadavéricos
devolutos de mão fértil
esse o acordar fel do poeta
o horror de uma luta entregue
o espírito atira-se
das torres centenárias da memória
uma luta inglória
para uma queda nunca perfeita
ao melancólico viver de outrora
enquanto tudo não passar de cinzas
a recusa do vencido
esse género de tirania
que é o espírito encurralado
o punhal do inimigo é um espírito quebrado
nele vive e respira
a morte bárbara da vida
ao crepúsculo magnético: a energia
musgos de electricidade epidérmica
o solo não se comprime, compartimenta
as águas do céu não se choram, alimentam
a robustez da alma alevantando-se
searas maduras ao arrebatimento
fincar os pés para colidir a tempo
movimento maquinal anti-envelhecimento
raízes torcidas como membros doridos
aspirar revoltosamente o ar
a derradeira prova de respirar
e sermos multiplicação de caminho
nos dias seculares de não atravessar
a fustigar pálidos cabeços
como nus esqueletos de gargantas e vales
uma fera-fantasma caudal
espaços distorcidos de veios combativos
onde jaziam ao chão, pêndulos caídos
que haviam sido proféticos
o sangue, a pele, a hora apetecida de cair
nesse espaço que não se encolhe, não se escolhe
da vontade estacional da alma pura e mistério
do repousar eterno
ali, o precipício é um caos nascido
iniciático
de claridade e noite, da convulsão do fantástico
em catadupa a solidão fugitiva
as gradações das sombras dos homens
o próprio crer e largar das rédeas
galgam por cima as estrelas também elas
conspirações de promessas vivas
expira sem combate
picos agudos de hemorragias líricas
tanto a fuga como a perseguição, são em vão
os píncaros dos montes de perenes folhagens
nodosas, alvas, as nuvens são escalas
de criar a grande distância
num quase imperdoável sussurro
voam despidos os absurdos
rochedos esculpidos
entidades íntimas de inversão
e poder imita-los de braços estendidos
e o tropear confuso do vento
e o tilintar de portas giratórias
onde habitam criaturas sedentas
entre nós e a assombração
retardando-se a si próprio
o gemido filho de vultos
debaixo dos nós pés
condutas do pensamento
a erguer da cova a quietação amorfa
todos somos estátuas das circunstâncias, escravas
livrai-nos das palavras que nos guiam
em torno de um eixo sem retorno
aventai a vista ao abismo
e olhai para além do submerso
donde se alumiou
o primeiro raio de nascimento
-somos perseguidos. semimortos escritos
tropeados em espirais sem capítulos
-se já o virar da página...
espalmado sobre o tecto um passageiro
incrédulo
algumas palavras são súplicas
púlpitos inarticulados de loucura
outras pontas de punhais
de brandura e energia nazarena
há as solidões, robustas, proféticas
tudo se encantando na cabeça
e viesse arrancar-me do cativeiro
várias de um lado para o outro
para o alojamento junto ao peito
a ponte estreita
sujeitar à lei do poeta
brutalmente volvido ao poema
do semiselvagem nascimento
desenfreado
são enfim interruptores mortiços
restos de iguarias antigas
esforçado pouco filho de musa
as disputas ardentes
que correm de mão em mão
a submissão
o esforço brutal para a afronta mortal
se multiplicar de sangue
-resigna-te ou confia
o cometa segue a sua órbita
e o seio insano de deus, a palavra
teremos dormido na última ceia?
o silêncio é ansioso
querendo deixar cair à terra e não conseguir
a férrea cadeia do nosso obedecer
a uma lei que nos é estranha
uns valemos mais que outros?
nenhum de nós voltará
não há mundo outro
se podeis contar as estrelas que habitam o céu
são essas que lá estão
nos transpomos dos passos que nos levam
o único facho que alumia os olhos altivos
pelas choupanas dos corredores sombrios
vossa filha, vossa, mãe, vossa irmã
já partiu
e olhar ainda o dia que vem do vazio
como uma criança tímida
o conhecer dos cantos à cripta fundamental
pelas cinzas desse coração ainda virgem
deixar-se salvar do martírio de caminhar
através das grades, lutar, as suas armas, suspensas
e derrama-las, de rama insana, ama-las
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