sexta-feira, 31 de maio de 2013

viciado

ora se o jogo já está viciado de que adianta jogar
eu lanço o dado e tu já sabes o que vai calhar
à partida o vencedor já o é
e todos os outros são apenas fachada
para um jogo que não passa de uma farsa!

e isto num microcosmos é tão representativo
de tudo o que se passa na grande cena
então para que são as palavras de abril?

porque falas em desequilíbrio
se tu próprio já conheces o esquema
e compactuas com entusiasmo fabril

tanta honestidade meus senhores
vamos encher o vosso rabinho de cravos
e aplaudir as piruetas que fazem no palco
como bons amigos no retrato

bravo!


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Viver aqui é um Inferno
desesperante no mínimo
sinto-me escravo dos meus projectos
amarrado a eles por impossibilidade
de não os ter, de não os ser
de não ter outro caminho
e o que fazem os projectos na gaveta?
só por eles seria capaz de me pirar
e com certeza não voltar
neste País da treta

nesta eterna pausa de esterilidade

aqui nada brota da terra
está contaminada de erva daninha
subsidiada ainda por cima
para meia dúzia serem patetas

dentro de mim cresce
uma estranha sociopatia
não do género DSM-IV
mas de profundo desprezo
por tudo o que vejo
donde o meu quarto 
se encerra castelo
e lá fora conspira um fim
sem qualquer empatia
que me faça sair daqui
e se não o soubesse
não o escreveria

mas porque nasci eu em Portugal?
tanto lugar maior para ser nacional
o problema deste quintal
é esse mesmo, o tamanho!
somos demais todos ao molho
e depois é a saudade e o fado
e a nostalgia e a poesia
Raios partam a cartografia
o País não tem culpa
é a porca da política
que não há meio 
de ser de esquerda!

É que em mim não há só um sonho
de vez em quando olhando à volta
dá-me vontade de ser patriota
de mudar o rumo a esta palhota
fazer uma fogueira e queimá-los a todos
daí eu dizer, ser quase sociopata






quarta-feira, 29 de maio de 2013

quando ela vai passear

às vezes de mansinho chega-me melancolia
numa respiração no meio da melodia
em tom menor vem de encanto
arrepiando-me a espinha
num prazer definhando a quase  perfeito
desse querer estar triste por gosto
sentindo mais de perto
o teu rosto que não sou

no que difere da saudade?
o que na verdade nunca tive
ou talvez
de uma vida que não é a minha
ou então misturada de angústia
de não viver tudo
ou partir antes do tempo
ou enfim o prazer
de profundo devaneio
de tão calmo
ser confundido
como triste

fica mais um pouco
deixando que o verso te conheça
não importa o nome
dá-me essa forma de estar
eu sei donde tu vens
já vi a minha alma passar





Azul

que os meus olhos sejam capazes de cianometria
cinza cinza cinza...porra que eu quero é ver azul!
não há nenhum artista que o pinte com alegria?
explodindo arco-íris numa abóbada palatina
e beijos vestidos de tule ao alcance da mira

de azul, pudesse o céu eu ver de azul
sem que turvo, sem que confuso
lugar de poema dramaturgo
só que nuvem deambulo
no acaso ser um dia
igual ao outro


a civilização não seria a mesma sem gatos e sem jornais
deixa-me tirar a cera dos ouvidos a ver nos entendemos
cronicamente  adocicados os dedos embeiço nos nomes
passeando grandes homens poetas passos em universais

ao longo dos números as árvores podadas entre colunas
ser impuro de coisas simples ter habilidades e caracteres
acentos e espaços haustos de não querer outras fortunas
e entretanto ser alvo dum presente sem livres vicissitudes

chamar-lhe independente é no mínimo um atalho
ser dono quando compro e na memória o verbo
a queda da perversão tecnocratas de cabeçalho
e na última página bate papo sincero e impresso

batem leve leve mente os versos da estrebaria
entram mudos os tucanos a cordel são insanos
no rodapé uma legenda para leigos em poesia
récita inchada aos peitos de borracha patriota

parvalhota de leitura a mocidade é hoje ficção
ciber imaginário de régua e esquadro na mão
e um enquadramento não menos pobretanas
é que nem de barbatanas se livra da televisão

deixa me tirar a cera dos ouvidos ora deixa
terei uma lição a reter se o gato sair de cima
leio: língua portuguesa integrada no sistema!
bravo!Camões deve estar deveras satisfeito!















Não se pode pensar muito
não se pode pensar muito
correndo o risco de nada fazermos
retidos nesse raciocínio eclipsado
o impasse de indeciso avanço
escavando apenas um buraco

não se pode pensar pouco
correndo o risco do erro
cometendo por escasso raciocínio
falta de conhecimento e impulsivo
fuga para a frente ao abismo
de caras com o imprevisto

não se deve é pensar nada
não se deve é pensar
e sentirmos apalpando
avançando conhecendo
e lá dentro arranjando
depois um pensamento

primeiro dói
depois choramos
e só depois
entendemos

que os manuais e os conselhos
são para quem tem boa cabeça
há muito coração teimoso
que ainda é impetuoso
não conhece tal traquejo
nem lhe interessa obediência










Aos dias da prosa

Troca trilho há um poema suicida entre nós
andarilho que dá nós ao pescoço é começo
cós moderno e arcaico, ambieco lá do fundo
cósmico mito de paranóico propósito sito

e anda louco publicado, potencial mirado
ignorado ou explicado, será o livro do ano?
da pré-lógica a poética, quiçá lírica activa
ou semântica semiótica aos pés anedótica

que o autor não é autor, ao invés actor
da permanência uma doença de rugas
da máscara que lhe assenta sem valor

a coisa que não é coisa senão humana
que escorrega pela mão da narrativa
ao concreto o romance do lava-loiças

deixemo-nos de tretas! já não vivemos
dentro das ditas casas de bonecas
e porque não o manifesto ilustrado
para brincarmos de sermos soldados?



Sonetos do Quotidiano III

Ainda não tenho nenhum cabelo branco
Que sorte! Na minha família aparecem
tarde e todos ao monte, mas na verdade
embora não visíveis,  os tenho há tempo

Iria mais fundo, já os tive e já não tenho
Cheguei ao ponto de nada ter a perder
perigoso não? Longe de preocupações
de futurizar me,  de negro colorações

aquele que nada teme, não a idade
branca, e se um dia acordar lúcida
de tanta vida deambulada, idosa

aí sim, idosa, por dentro e por fora
de articulação preguiçosa mente
que é já a morte viva entre gente



segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sonetos do Quotidiano II

Estou a olhar para o prato de caracóis
mas a olhar bem de perto, meditando
o bicho tem um olhar tão sereno, dormindo
cozido, chega a ser incómodo vê-lo morto

acho que não sou capaz, todos os anos
a mesma dificuldade, o petisco da época
e dependendo da sensibilidade dietética
ora como ora não, e este volta para trás

e a vizinha vai ficar ofendida
isso não se faz menina!
estragar comida é pecado

na minha terra, até se comem
orelhas, rabos e pezinhos
mas este foi personalizado!

Soneto do Quotidiano

A cadela dorme debaixo da mesa onde escrevo
é a maior dedicação viva, depois de ti que tenho
e são estes gestos que me fazem ainda humana
receber esse amor acende lá dentro esperança

ser capaz de devolver-vos e acrescentar vida
acreditando cada dia que vale a pena existir
apenas porque estão lá, deitados sobre mim
esses olhos meigos infinitos e companheiros

esses sonetos do quotidiano
que tantas vezes negligencio
não serão eles enfim os tais

da perfeição celestial abrigo
que se procura em cegueira
total de negações abismais


à poesia

Roga-me um traço e serei boa
daqueles que me façam bonita
enfeitada em odes mágicas
e serei boa
pessoa
esposa

e serei outra
agora ainda em bruto arranho
com palavras de desdenho
e amargura, filha da rua

Roga-me amor e loucura
promete me uma coroa
faz me princesa e rainha
e serei tua
até ao fim
da vida!
Raios partam a controvérsia e a ética
caneta elástica ameaçando a sátira
atirá-la borda fora como bons meninos
indo à igreja expirando os pecados
que no final do mês venham ordenados

E todos os rebanhinhos, tosquiados
pela pouca sorte de não serem enteados
alto monte meu senhor e vá de longe
nós por aqui somos não gratos
desnivelados vivendo de mão erguida

Aladim Aladim
e se metesses a lâmpada na tranca?





Variações

vai ser engolida por um buraco negro?
Jesus Cristo vai voltar? 
a Coreia do Norte vai apocaliptar-nos
com bombas nucleares
os glaciares vão derreter?
o Rei Lagarto está vivo
aliens vivem entre nós?
os livros vão desaparecer
já inventaram a cura
estão a negociar o fármaco
ninguém foi à lua
Madalena era rica
sempre em contacto com a Echelon
a Igreja matou o Papa 
e os Senhores do Mundo
e a morte de Hitler
e a pequena Maddie
e o Sá Carneiro?

nós por cá
só não sabemos
do mistério da nossa própria vida...









A arte nos dias de hoje é um capricho, daqueles que só os que trabalham podem chegar a ela, daqueles que como eu, têm de pagar para que ela chegue aos outros. Eu tenho de trabalhar para que a minha arte chegue a ti. Em forma de cd, em forma de livro, vídeo ou outra qualquer expressão que requer material, tempo e claro, dinheiro. E muitas vezes, os outros passam ao lado daquele que é um trabalho que veio de dentro de alguém que não o pode suportar dentro de si. Passam ao lado sem passar os olhos ou os ouvidos naquele que é um longo e árduo caminho para conseguir chegar aos outros acreditando ter uma mensagem que é importante que chegue. Infelizmente assiste-se a um fenómeno que nenhuma relação tem com a arte e sim com propaganda, media e claro, domínio de poder financeiro. A este fenómeno algumas vezes se associa talento reconheço-o mas quantos outros ficam pelo caminho porque não são sequer lugar de oportunidade?  
Mas para quem cria, e se tu sabes disso, também és criador, chega a um ponto em que nada disto tem importância. Nesse ponto está a questão de criar para estar vivo e o resto...secundário. Tudo isso que se passa à minha volta não tem qualquer importância para mim, faço-lhe referência apenas para marcar uma posição. Uma postura de protesto. E contra tanta coisa que às tantas já nem sei se sou a favor de algo que vá para além de apenas o acto de criar. Provavelmente não. Anulo-me com gosto em prol de algo que o sinto maior do que eu. Ego de gigante próprio de tantos outros que acreditam na arte. Tanto me faz tudo o resto. 
De qualquer forma, estou a trabalhar para que chegue até ti.

Aos Abeis deste mundo...

Os Abeis deste mundo andam por aí
a tentar pela honestidade sobreviver
São aqueles que são entalados
são aqueles que são parvos
são aqueles alvos fáceis!

Os Abeis deste mundo são tontos
acreditam, têm fé, constroem
com as suas próprias mãos
plantam, criam, sonham,
são crianças e bobos
aos olhos dos...

Os filhos da puta dos Caims
pavões de mercedes
palradores andarilhos
políticos, patrões, ladrões,
de costas largas ao sarilho
estão ricos!

E são todos amigos,
foste expulso do paraíso?
não te preocupes,
logo se cria outro dumping
testa de ferro fantasma
e ainda com direito
a comentador televisivo!

De ca den te!
Se no mundo só existissem Abeis...
Hoje,
não seríamos expulsos
das nossas vidas!






quinta-feira, 23 de maio de 2013

tenho piolhos na cabeça
tens?
Tou te a dizer que tenho!

esta comichão infernal
que não me deixa sossego
acordo a meio da noite
e deixo as unhas no couro
e parece que os sinto
percorrer me o rosto
saltitando invisíveis
ruminando me a carne
e o relógio avança
nessa fartança infernal

e eu sonho que os mato
electrificados resolvidos
parasitas acidentados
no compromisso adiado

acorda!
tens piolhos na cabeça!
Se eu tenho
tu também tens.

Se dormes comigo
se somos um corpo
Tu
poema piolhoso
juro que te mato
electrificado
em nada!


não vamos desperdiçar o acaso, vamos?
acaso de termos nascido livres
e não termos esse conhecimento
acaso de termos cá dentro
um universo inteiro
e não querer conhecê-lo

acaso de me sentir zangado
de abrir as portas e ser esmagado
e de impulsões  me sentir farto

acaso de nada fazer sentido
porque andamos todos ataviados
de merda até ao pescoço

acaso de não ter respostas
de me empurrar à força
para sair de dentro do poço

da escuridão, do medo,
de uma existência em segredo
do próprio

se eu tivesse uma teofania
virgem maria ou buda na língua
se uma delusão me acossasse
a comichão que me vai na alma
e acaso de me encontrar
e a resposta fosse o acaso?

Acaso ainda assim seria
livre?



lá bem no alto da torre um único pensamento
a bem dizer, enevoado, quase que entrovoado
culpa dos dias de maçam um gajo

tal como coroa no alto da cabeça
ou estrela nórdica que acentua o caminho
esse descortinar de querer clarificar

e tudo em volta que não importa
acima da montanha está apenas uma porta
e numa cadeira meio torta se senta a ventura

senta-te no pico do mundo, contempla a ida
soprando à tua volta palavras de revolta
que o sol e a vida lá em baixo são plebeus
e tu, destronado de medo, dizendo adeus!




quarta-feira, 22 de maio de 2013

vai passear, anda vai lá
faz um esforço e sai de casa
abre uma asa e depois outra
e afinal esta rua pega na esquina
e no cruzamento uma outra avenida
e crescendo uma cidade que te aguarda
e na fronteira uma estrada que se alarga
e afinal um país que cresce no horizonte
e um oceano abismado e noutro continente
lá bem do outro lado um céu que é mais intenso
e girando um planeta que afinal é pequeno olha agora

de volta à minha porta
e se continuasse à volta
ainda me deixava, tonta!

da cor do inverno
amalgama fogueira
da brancura uma tez
uma vez o encanto

de sabor a intenso
a mal gama mistura
outra vez ao centro
essa tontura de jeito

do tamanho dum dedo
ora o ponto lá dentro
Giro grito abafo
e no vento o desenho

e no ventre um vocábulo
e no vento o desdenho

de que serve o tamanho
diga lá?
se a estação é passado
e o tempo lá dentro
é cavaco queimado




E nasci,
desse desejo de grávida
não atendido,
de cabelo espetado
boca aberta,
nasci augada
de vida
de palavra!
Como se em minha mãe
antes de mim
houvesse já esse vazio
que eu não preenchi
e que dentro de mim
veio assim

Nove pedaços de mundo
de nove pães em bruto
pode ser que conjugue
pode ser que alimente





segunda-feira, 20 de maio de 2013


fragmentos em fade out
pessoas desaparecendo
como fumo engolido
pigmentos de vermelho
janelas embaçadas
e um corpo em mim
envolto em desejo

escadas enroladas
paredes manchadas
flocos de neve
em câmara lenta
pés descalços
atravessando o átrio
e um rosto a mim
beijando o acaso

cabelos longos
cobrindo a nudez
onde transpiram
horas oniros
íntimos
gestos de ti

parir o realismo
violentamente
acordar-me
casa desperta
de cores frenética
fast motion
ainda clivado

um último quarto
meio-acordado
onde o teu rosto
imaculado
vai tomar banho!
a água tomando
em si os contornos
de um gémeo

segui os canos
na escuridão
aspirada convulsão
de um adeus
e até já
dispersão
pelos cantos
de uma mente
entediada

espreguiça a alma
veste qualquer coisa
adianta a hora
e faz de conta
que a noite ainda
é nossa!











sexta-feira, 17 de maio de 2013

sou mal empregada para ti
porque não conheces a minha poesia
porque não entendes a minha língua
seria um desperdício
daqueles que mandamos para o lixo
por isso, fode te fode te fode te
com todos os dedinhos que tens na mão

aos teus ouvidos não sou senão tradução
de qualquer coisa que te serve apenas
para satisfação

de um outro continente eu vim
embrulhada em folhas perfumadas
enaltecida de aromas conjugados
muito mais do que sexos esfomeados

de sentimento, de saudade, de sangue
de carne profetizada em cadernos
imortalizada na cadência deambulada
na leveza da alma, no peso dos infernos

por isso
insisto
fode te

fode te
sozinho!


não sei bem o que se espera da vida
eu não espero nada
ou melhor,
espero escrever e nada mais
já não é pouco...
e dar-lhe voz, a minha
mas de resto, mesmo nada
tudo o que vier
sem estar à espera
será infortúnio ou felicidade
na certeza de que eu continuo
a existir no entretanto
na escrita

e considero me afortunada
porque a maioria
anda por aí em manada
atrás da vida que vai à frente
conduzida pela mão que vai cega





tenho contrariado este impulso de finais
raiado mim em mil pedaços inacabados
fragmentado em caras muitas o buraco

na fé
de conseguir evitá-lo
aquilo que é
a impossibilidade de
vivê-lo

em propósito, adormeço ser nocturno
abandoná-lo ao escrever, exorcismer

e teimoso, aconteço ser fantasma
contempla-lo ao olhar, possuirmar

qual fé?
de conseguir existir
aquilo que é
a impossibilidade de
conhecê-lo

tenho contrariado mas não posso dizer
que satisfeito



que existe em nós que nos persegue?
animais ferozes sedentos de colo
lobos dissimulados de cordeiros
negros absortos despedidos do tudo

que engenhosa mente arquitectaste
Tu que por nós dizes ter morrido
caem-me as peças todas ao chão
embebidas no ódio do coração

trauteando mantras sem nexo
na cabeça um retrato ferido
de um caminho lado a lado
além fronteira do imaginário

que existe em fim que nos empurra?
o que se esconde por baixo da unha
restos cutâneos de sexo malabarista
de afectos emprestados da tragédia

a bonança é quimera daí a lágrima
deste desenrolar infindável a mim
e que prazer dormir sobre nada
extasiada pela dor de ser deixada

que existe em nós que nos deseja?
mesmo sem ver sem poder tocar
onde se erguem torres de marfim
porque as palavras ganham asas

porque as palavras não são nada
não amam o corpo que te chama
axioma se o digo é porque sinto
e no entanto, não venhas, Delfim








quinta-feira, 16 de maio de 2013


brincam à beira da mão, marfim e ébano
gesto etéreo, se fosse película bella donna  
subtileza crescendo a quase no peito
arritmia de amor, lágrimas que choram
fraterno pautado de um coração cansado
antologia de inquestionável impressão
mamma mia! qué espírito tão selvaggio
ensurdecer de livre esculpindo de dentro 
um corpo volátil deixado a esmo

deixas? deixas mesmo?
de tão intenso conduz ao aniquilamento
que simbiose épica no cume de babel 
desfragmentação virtual da dor
que nos resta da poesia de fel 

brincam escapando pelos dedos, versos
dos que doem, dos que choram e gritam
nas cordas do violino agudizando, solos
de querer e não ir, o calvário das notas

dança morte a monte pela pauta mia
o canto da sereia é a última sinfonia
o frenesim porque tudo acaba aqui
deslocamentos apenas de estados
punição temporal, aguardo por Ti

esperas? esperas mesmo?
gesto eufémico
se fosse possível il mostro
absolutamente o mais belo
e a descrição não consegue
nem sequer tocar-lhe no rosto!

Brinca comigo, só hoje...
Uma última vez
Morte

 




 















quarta-feira, 15 de maio de 2013

Ao malho


Que o meu rap é acessível, credível intelecto
Diz que digo o correto, ou banal direto digo
Que o meu nome é um projeto, quero teto musical
Tranco porta ao avesso, porca vida desgoverno

Minha vida do começo, do início sempre sigo
Já te digo como existo, ao abismo ou absinto
Ou ta visto qué  só  isso, oh pra isto Evaristo
Tens lá disso d´ objetivo,  qué disso qu´ Ê preciso


E prometo te o céu,  e prometo que eu
Indecente babilónia, bota água de colónia
Se é de lixo que tu vives, leva d isco a minha letra
Pro inferno a caneta, enviesando a cabeça

Geração de patetas, esquizofrenia  de encostados
Contagiante pedra de pomes, anti calos de trabalho
Todos pró caralho, a mim não me alisam o carácter
Voláteis de valores e depois só louvores e amores

E comem com os dedos, papas de farelos verdes
todos colhidos antes do tempo, tão fodidos amigos
mas é disso que a gente engorda, bota mais banha
não passam de lenha nessa fogueira de lume brando

noutro tempo, mais ameno..
é preciso é enterro!
noutro dia com mais vida..
é preciso tudo ao malho!

que o meu rap é repetido, mais do mesmo ora isto
o que faço senão vejo, outro cenário lá por baixo
mexam esses cús quadrados, deixem de ser otários!
a terra é vossa e está a ser engolida pela gorda

mete raiva, mete nojo, esta geração sem rosto
falem alto, vão pra rua, reclamem o que é vosso
bota fogo, mete bomba, rasga o fato e o contrato
escravatura tem limite, da goela sai dinamite!!!
...






quero lá saber que certas palavras não existam
o poema tem uma realidade só sua
e quem tem autoridade para censurá-la?
quem?
os que a criticam mas nunca escreveram uma linha?
ou os que o sentem e escrevem e se estão a cagar?
certamente não aqueles que os lêem, esses viajam
gratuitamente sentados nos seus sofás entabuados
de mim vem aquilo que ele quiser, atento unicamente
a erros de ortografia ou de concordância por capricho
mas de resto, já o disse antes, é ele aos comandos
livre, autónomo, sem académicos pidescos
ou grande necessidade de técnicas plagiadas
ou sequer pensadas, livre, livre de mão domada
assim como vem, vai
deixo para os génios a arte de embeleza-los
feio, que seja, mas é como se diz
não há pessoas feias
aos olhos de quem as ama



  
Não há estrelas no céu, elas estão cá em baixo
e lá em cima perturbado anda um Deus zangado

tudo o que tenho são raízes que os anos alastraram
são felizes sim mas é fora de mim que quero estar
inquieto,
como se o vento fosse em fúria o desarranjo de tudo
e nem é bem ele, é o efeito que me acusa a paz ausente
só os pés estão assentes, os braços lutam abruptamente
insatisfação crónica,
com mais força por essa terra a dentro
que se alimenta da minha fraca essência
de um nem sei saber o quê
que não me deixa lá chegar
e fica sempre algo por fazer
e nada preenche estes veios
as minhas folhas secam
e de mim só saem poemas, feios

zanga-Te comigo se ainda te importas
mas deixa-me desofuscar desta incandescência
que a vida cá em baixo insiste em conter-me
porque eu tenho a certeza de lá em cima
estarem estrelas que brilham de vontade

deixa-me seguir por aí
ainda que morra de sede
ainda que o sol não exista
eu quero ir na corrente
na força dessa ventania
abre a janela e aventa-me

e não deixes que cresça de novo
essa erva danosa que tudo devora
À sua volta







Ela quer.
Ela diz que sim, sempre que sim.
Então abre uma folha e escreve.
Começa assim:
The end of love leaves a great emptiness
Anda vá avança
parece-me que começaste do fim.
Quem são os meninos do mundo?
Ou os versos que guardaste no fundo
Dá cá. Parece que entrámos a dentro
É melhor a lápis que agente depois apaga
o que rima com lentes? dantes ou sentes?
Já cá faltava uma caixa de pandora
como se não houvesse tantas na arca
Vejo-te de longe avançando o desejo
do nevoeiro que confunde a manhã
a preto e branco digitalizado no ecrã
tenho água pelos tornozelos
a alma cá dentro aos atropelos
conta-me qualquer coisa sobre ti
mas queria ouvir te na voz
grava e envia me uma fita
já não conheces a minha rua?
fica na curva da tua

Ela quer.
Lisboa Morena Morna.
Fullfield by a strong friendship.
Não me deixes afogar
Ressurreição da palavra
coze-me as asas e levanta-me

Abre outra folha e deixa-a em branco.
Compra um bilhete de comboio.
Pro cura-te.








Escrevendo-vos

Se das minhas histórias escrevesse um livro
cada capítulo seria alguém que deixei
não poderei dizer haver um mais bonito
ou saudoso, doloroso, inspirador, apaixonado
todos eles são um, vivido e revisitado
e todos eles estão vivos e presentes
como se o livro nunca tivesse sido fechado
e queria eu ser livre para poder saltar
ora atrás ora à frente e ficar dias
semanas, meses até me cansar
mas as histórias são pessoas
e vistas assim com  afectos
impõem-se amarras
que não posso ignorar por respeito
Mas vendo com outro olhar
no livro de cada um deles
eu sou apenas um capítulo
também eu, viva ou morta
conheço apenas esse capítulo, o meu
desconheço todo o restante conteúdo
desconheço até a vontade de quem o escreveu
Se não podia ser tudo tão simples
viajarmos de capítulo em capítulo
vivendo livres, criando história
dedicando esse amor ao personagem
seguros por estarmos dentro de uma capa
não podia? até ao dia
em que
queremos ser o livro todo
queremos ser até o título

 escrito a dois

Intro completa do Álbum Grauzero -2010


Pingos de chuva
que caem no fim
que limpam a alma
se acumulam em condensação
o tecto que nos limita
transpiramos vazio
queimamos lugar

E cada vez chove mais forte
a lama que se acumula nas sarjetas
entopem-se veias com aditivos
e aos poucos os pequenos ramos
caídos dos troncos secos
nos levam para trevas
do centro da terra
que suga gulosa consome
esqueletos, pele, músculos e cabelo
um ralo universal sem filtragem
escoamento de humanóxico
unhas cravadas no último olhar
na orla do último segundo
uma súbita vontade de viver
querer regressar e não poder
depois tudo é cremado
consumido pela chama do diabo
ardendo mil caras num buraco
e das cinzas erguem-se céus
como um abraço laminado
clivando o perfeito e o circunscrito
absorvido num só olhar
único conhecer sem forma
como bolo cozinhado sem forma
outros foram emparedados
material de instrução estrutural
que piso a piso, cresce sem cálculo
ninguém sabe quem comanda
este estado de sombras
respiramos por máscaras
caminhamos com tábuas
como se carregássemos cruzes
estática que auto se alimenta
de célula cinzenta
autónomo, biónico, digital
desconcertado de gesto humano
pouco resta
pouco falta
nada fica para além da luz extinta
daquilo que fomos, cinza







terça-feira, 14 de maio de 2013

Anda Lourdes arreda esse móvel daí, depressa!
que a galinha foge e o caldo arrefece
e as pedras estão negras, tá mal lavado
mas o que é andaste a fazer toda a manhã?
arruma isso não quero brinquedos espalhados
e esse quarto! uma pocilga! nem os porcos
nem esses Lourdes vivem como tu !
...
Pega-lhe fogo, mete à panela
e todo o sangue vai dar arroz de cabidela
e a régua onde está a minha régua?
Está escondida minha malvada
pois quando a encontrar vai a dobrar!
...
Não é poesia que é dolorosa, é a vida!
...
E a certeza do que virá já foi escrito
...
Lamento
Mas o meu lamento nem sequer se aproxima
de uma realidade coada e recobrada e calcinada
nas memórias de uma velha, que coitada... hoje
reza as amarguras depositando-as nas netas

Avó,
quando tu partires prometo recordar o melhor
dos teus bifes, dos doces das receitas das lilis
das histórias da rapozeca, das viagens juntas
dos teus livros, do toucador que já foi vendido

Prometo Lourdes
que tudo isso ficará imaculado
da amargura, da falta de amor falado
e os gestos, esses gestos pequenos
serão gigantes no meu escrito
...
Assim está bem?
Ah ainda se fosses doutora!
E o pior é que és
mas se tivesses outra vida!




Café Português

para que é a colher se não mete açúcar?
o mundo está cheio de perguntas estúpidas
e mais estúpido ainda é pensar sobre elas
mas a mulher insistiu na resposta:
- agente tem destes hábitos!
é que nem sabe se é por imitação
ou acaso de já ter usado o açúcar
e agora estar de abstinência dietética
mas precisa de mexer o café
e o adoçante e o pingado e sem princípio
ou a italiana, o abatanado, o carioca
o descafeinado, o escaldado e o cheirinho
o café cheio do ucraniano
e o mítico COPO DE ÁGUA!
Porra, tanta merda para beberem café!
 -Boa Tarde! Um café, se faz favor!
Será assim tão complicado?



Seria estranho se um dos moinhos girasse ao contrário?
ou se o tempo começasse do fim e tudo fosse desconto
 a vida afinal não é senão gaussiana e o desvio padrão
uma espera de demasiado pequena ao velho declinado

pára tudo! no núcleo do pensamento se instala aperto
de tão veloz ser passageiro e involuntário adquiriu lugar
e em vez de vivê-lo é bicho de contas e contra corrente
impasse branco, dois terços da gente passando incógnito

já te viraste ao contrário? há quanto tempo está vazia
a ampulheta esse compartimento cónico que deixaste
nem sabes quando nem porquê e ao olhar ninguém vê
e aí o tempo não é tempo, é qualquer coisa esquisita
que agente deixa como parasita engordar da nossa vida

a mim não me importa nada disso, dos outros vou
fazendo motivo de escritura, e se a minha assinatura
vou deixando assim me vou também eu desgantando
na curva, no cone, na linha. Eu sou esse Moinho.







quinta-feira, 9 de maio de 2013

vejo o campo na cidade
na espiga vendida à porta do supermercado?
vejo gente do campo entre pseudo urbanos
no olhar, nos modos, nas falas, nas tascas
não na avenida da liberdade nem no chiado
vejo-os nos becos, nos bancos, nos passeios
à beira rio, nas ruelas do rossio, em alfama
nas livrarias, à porta de casa, às janelas
recordando à conversa, vendo passar um barco
anotando um verso, tirando uma fotografia
mas sobretudo longe, longe da correria
não de fato, na fila do supermercado
entalados no eléctrico ou correndo para apanhá-lo
não cansados não ocos não vazios como os outros

se calhar sou só eu que vejo assim
o campo que na cidade em mim existe
podendo até vestir um fato, correr ao autocarro
andar cansada, entalada, furiosa com a fila
tendo deixado a pronúncia, os modos
sem tempo para conversas ou vontade de tê-las
mesmo andando tantas vezes assim, ainda sou
o campo, a espiga, o canto e a bandeira vermelha

e sabes como sei disso?
porque quando vejo à porta do supermercado
a ser vendida ao molho a esperança da colheita
do ano que virá, assim vendo-a ser ignorada
desconhecida, atropelada, a pobre da espiga
eu sei que ainda está dentro de mim a semente
da terra, do bem, das gentes que falam de dentro
também há quem daqui seja que a respeita
que a lembre e a persiga até à periferia neste dia
também há gente profunda, inspirada com alma
gente da grande cidade que nasceu e viveu
em bairros que em nada diferem, dos campos

não é desses que falo é dos outros
dos que usam a cidade, que aqui só trabalham
que não a visitam, que não a passeiam
que vivem em caixas de cimento, cinzentos
pálidos, transparentes, superficiais
desses que não conhecem os becos da sé
que não ouvem o fado, não vão ao mercado
não param saindo do autocarro para conhecer
nem sequer lá para fora olham na viagem
porque não há tempo, nunca há tempo
tempo, tempo, tempo, gasto em nada!
seis da madrugada para regressar de noite
porque o trabalho é longe e muita sorte em tê-lo
porque somos muitos e ao domingo sim
ao domingo lá se passeia pelo centro, do bairro!

vejo o campo na cidade
na asa de uma pomba, na arcada de uma casa
na vista da graça ao rio ou da graça ao castelo
no peixe do mercado, na fruta e no talho
nos velhos, nos copos de vinho, nos livros
na calçada, na severa, no santo antoninho
à beira rio, nas mochilas dos garotos,
nos pares de namorados, a pé devagar
com calma para ter tempo de bem olhar
vejo porque ainda me encanto e tanto tanto
tenho ainda para conhecer, como se cada árvore
da planície fosse tudo isso, diferente da anterior
migrantes de todos os lados, camponeses citadinos
que nunca assentaram arraiais não se esquecendo
que onde as suas mãos nasceram a cova hão de cavar
e para ela levar pão, amor e histórias para contar!








quarta-feira, 8 de maio de 2013

Que tara de noite

                                                 a música regressa

electrónica frenética, adulterada ascendente sente
como se quer a altas horas da madrugada, épica
como se não houvesse outra, a noite prolonga-se
arrastando engolindo alvoradas pálidas e magras
de buraco em buraco promiscuo corpo, sedento
de violência, de abuso de tudo o que nos mata
aos poucos desaparecemos diluídos no sistema
de som de luzes apertos calores de cores vícios

                                                           fica quieta

imóvel receptáculo de graves que crescem do solo
posso até fechar os olhos e vertiginosa quase queda
meios sentidos quando me dirijo ao wc e encontro
a mais bela criatura que a embriaguez não disturva
num cubículo sumido que nos segura, aquecendo
é prazer no peito percorre ao sexo mãos e boca
mãe santa como és louca!

queres mais?
                                                                       










tás a ver o mesmo que eu?
sim, estou a falar contigo

ela,
a censura a surgir
mesmo antes do fim
a cortar como foice
a mortalidade de ti

toca-lhe de leve
mergulha a mão
remoendo na água
se engole o nada

sente gelada
a profundeza
cortada ao meio
a realidade

a metros abaixo
quase sem ar
punhado de areia
uma estrela do mar
desenterra
traz à luz do dia
depressa

abraça-nos

sol poente
quase rente

ela que a leve para lá
que diga que a mime
que lhe reze e confesse
ser a única a mais bela

tás a ver o que eu vejo?
ela quem?

não posso
tenho âncora no peito
a gaivota que a roube
que nós aqui em baixo
tudo desfeito



arranca me a pele
está a queimar por dentro
os meus cabelos ao vento
deita o meu esqueleto
numa barca ao oceano
empurra e deixa
pirilampos à minha volta

de branco
ácida a noite
segue ao horizonte
empequenando
a minha última
morada

vikings virão
espoliando me a mente
acaso deambulando
de assalto ao coração
ardente

deixa que enalteça
que suba às estrelas
expiando uma razão
e a terra em rotação
seja em festa

rodas caveiras
grinaldas cantigas
rosas oferendas
espadas cometas
moedas e guias

é preciso isso tudo?
para me arrancares a pele?
foi só o que pedi não?
ninguém encomendou
poesia fúnebre
morbidez de enterro
muito belo muito belo
mas o que eu tinha
era apenas um escaldão!









já calejei os punhos
e as palmas dos pés
o mais calejado de todos
tenho o coração
e depois?
agora
o rosto dos outros é areia
o chão é nuvem
e lá dentro
inoxidável ternura
revestida de armadura
anti qualquer lixa maligna

de pé
defesa
pronta

que os olhos enganam
e as palavras mentem
e agente confia
e depois, chora

esconde
guarda
mima
alimenta

que os outros não importam
e as palavras embalam
a gente sente
e depois, cresce
e depois escolhe
o que se vive

erra
caos
abaixo
levanta

que tudo se orienta
só a morte sem remédio
daquela que estando vivo
lá dentro já não existe
e disso,
o medo
que seja esse
o único ponto fraco
mas shiuuu
segredo

de pé
defesa
pronta
Passa a palavra ela não é só o que é pois não?
condição de acto reflexo de eus, metafóricos
em escalada eufórica ou decadência amórfica
na dúvida nós somos palavra, a palavra é nós?
blá patati quid pro quo, rococó do abc de ser

que é isso de ver ouvir para além de escrever
se não pode uma palavra ser apenas significada
mete a colher a emoção e o caldeirão do afecto
e de repente estamos noutro dialecto, abstracto
individual bifurcado multi enforcado pelo real

romântico emporcalhado espírito ou carnal
se é dor ou amor revolucionário nonsense
e no poema intitulado tudo bem arrumado
toma corpo passa a outro viaja por dentro
assumindo entendimentos humano espelhos

haverá passatempo de maior entretenho?
conjugando combinação de poli mundos
é companhia devaneio tudo gira ao acaso
mas de factos e pessoas o motor alimento
ou de nadas e fragmentos sonhos imagino

que importa tudo isso? se na palavra existo
a cada um definido de tantos olhos picotado
eu sou tantos e não um ou nenhum como é?
alegoria da palavra se podias ser escondida
mesmo soando falso, o ideal nos aproxima!



segunda-feira, 6 de maio de 2013

A sala, abre, entra. O chão encerado  do candeeiro apagado
pé ante pé passo desconcertado abrem ao centro movimento
deita-se no chão hoje não está frio  estrelar alcança os cantos
e no olhar uma janela aberta para rasgados contínuos cristais
mãos que procuram as dele, comunhão feliz de ideias ao vento
foi preciso ele partir para ela perceber da beleza desse jardim
e conseguir descrevê-la em pliês libertinos e flutuantes sonetos
se dói como dói a despedida de uma pétala atirada ao charco
e levando a mão à boca recordando beijo mordido de cobra
originalíssimo desfeito em nada, medo de serem tão perfeitos
dança de mágoa por ser assim impossibilidade de ser só feliz
de olhos fechados girando em torno de si  uma lágrima volta
coração apertado deste chão imenso expansivo esquecimento
todo esse lugar e um só corpo vazio como dói o eu do adeus
dança de ser qualquer coisa de amor terror simbiose ou morte
sem final, fica. O chão encerado do candeeiro apagado de ti





Dentro de uma palavra um lugar sombrio pesado
um espaço de clausura como um livro deitado
uma campa, várias campas sobrepostas
assim na prateleira, nas prateleiras da estante
encobrindo o raio de sol que insiste lá de fora
donde não se quer que venha nada, e à força
rompe a noite a cortina de mais um dia abafante
e os títulos e as lombadas que a miopia turva
não dizem senão o que foi de antiga leitura
que muitas vezes até se repete na companhia
de letras e letras que se combinam numa magia
que dentro da cabeça graças a deus anestesia

e na mesa a toranja e os cigarros, o álcool
e se pudessem ser fumadas, as cabeças
que no armário vão secando caso de apenas
uma emergência mas está claro, a paranóia

e a descrição do que vai lá dentro, pouca
tanto mistério e uma vida que nem sabe
ser vivida e sempre o medo da morte
sempre prometida não se sabe quando
que não importe porque maior a agonia

nada muda, só a claridade fica escura
e lá dentro sempre lá dentro confusa
incapacidade de questão mal resolvida
e se pensar dá trabalho, antes bebida
mal e mal, esta vida assim engendrada
parece o retrato de casa desarrumada
do corpo não lavado, a terra ressequida
de apenas mais um título, aos outros

                                  encostado








Lola era uma miúda jeitosa e tem história para contar
mas antes que alguém a oiça, já está a roupa no chão
Lola miúda do meu coração que tesão de curva tua
deixa-me fazer de conta que hoje sou um deus grego
como aquelas estátuas musculadas, homem a sério!

Ela não diz não e depois de escassos gestos
começa então: quando eu tinha quatro anos...
mas todos eles consultam o relógio e..pressa
depois logo me contas essa! E lá fica à janela
e são as gaivotas que lhe conhecem a história
tantas vezes repetida como fodas de costas

Lola, Lola..às vezes fazes batota não fazes?
como a lua! em quarto crescente tu esperas
que tudo volte ao ventre da tua mãe Severa

(ouvindo "O velho fado da Severa")






Calimero

Voo anatómico desde o estômago à cova do dente
e da casca do ovo serve a máscara de muita gente
ressonância desmiolada, migas de um povo magro
e à falta de tempero só se serve patriotismo aguado
...

toca de tapar buraco, gente sedente de  vácuo
querer é a nossa divisa? e numa terra sem amos?
abominável homem das cavernas! é isso que são
embriagados de ego e cheios de nada no ventre

não me comove pobreza do espírito
não me tira o sono se fulano tal faliu
ou se já não pode comprar a crédito
ou que o menino vai sair do colégio

ainda se vive muito bem neste país!
e se ganha à grande à custa de muitos!
é por isso que não há sangue nas ruas
qual povo unido?
tá tudo a proteger o rabinho!
mais um tachinho? e para o meu filhinho?
e o sobrinho? e o primo e o vizinho?

Ainda se vive à grande neste país!
Mas enfim, sejamos como Calimero
porque quando o tecto cair na cabeça
esperemos que a casca seja de ferro!







quinta-feira, 2 de maio de 2013

Puppetice

Puppetice na mão de Abraão fazendo comichão
na história que pouco se assemelha à escrita
se ao ser lida for incrédula não como Beatriz
a velha do rés do chão de lábios carmim
que passa a vida a dizer: Ai pobre de mim!

Pé Pé Pisa Pisa e três anjos virão
é o carteirista e o colega e a amiga do bando
é o eléctrico que logo no bilhete é um assalto
Pedra, Papel ou Tesoura e três anjos virão

Inferno é tentar ler neste cenário,
toma lá com uma mochila no focinho
o cotovelo do italiano ou o rabo da francesa
veja no mapa, como esta cidade é bela
ali lá fora à janela! e lá se vai a câmara
aqui não há ninguém à paisana
e se houvesse daria logo muita cana

Puppetice somos todos nós,
que andamos atrás de um letreiro
que há muito que não vai dar ao paraíso
gente que de baptismo recebeu um aviso
hás-de ser um homem verdadeiro!
Cérbero para gulosos de desmazelo
confiantes de tudo estar já feito

Puppet Petice Petiz Pedinte
Dante Preguiça Antes Comédia
Ri! Ri, desta merda toda!

(que tudo termina em estrelas)

DE NOITE
todos os gatos são pardos
de noite há cavalos alados
por ela a dentro
marchando incógnitos os sonhos
agulhas cozendo momentos
entrega de contos ao esquecimento
e linhas escrevendo na bruma
à beira de um retalho diurno
o desespero do absurdo

embalando o destino
todos os mares são negros
e a lua revela mantos
e o vento é assobio
corvos assassinos
a noite é ainda menina
tão cedo a alvorada
e o desespero do dia

sonhar acordado
os pés que flutuam
o impressionismo emerge
é o sol que nasce
na asa de um pássaro raro
ir à boleia de uma nuvem
de olhos fechados
e o desespero de cair

levanta a voz
lá no alto um rapaz
reviravolta pirueta
mete os corvos na jaqueta
dirigível veloz
arco e flecha capaz
abre os olhos agora
e o desespero vai embora

bola de sabão
lá dentro em rotação
rolamento alucinado
no umbigo embrionário
um enjoo de felicidade
de nascer tão à parte
essa vontade de querer
que o desespero não volte

DE NOITE
todos os  factos são pardos
de noite há passados atormentados
por ela a dentro
marchando incómodos os sonhos
agulhas moendo momentos
entrega de pontos ao alheamento
e linhas insistindo na fusa
à procura de um atalho de fuga
o desespero pela cura









O mundo secreto das formigas

As formigas como eu, trabalham de sol a sol
de inverno não há trabalho, de inverno não há talho,
a bem dizer de verão também não, é poupar e poupar
e o resto é feijão e debaixo do colchão o salário da estação

e o combate à formiga há muito que passou a moda rotineira,
elas que se rebaixem, que o veneno do governo é fatal
elas que trabalhem, que as cigarras precisam de muito material,
elas que se cansem, que eles colhem sem canseira

mas elas são a força da natureza, sociedade secreta,
há muito que transmitem mensagens clandestinas
códigos, entendimentos sociais e políticos futuristas
alien ou visionária, a formiga é a resistente da terra

qual é o segredo? ou de que é que têm medo?
que a formiga pare o seu carreiro, mude de paradeiro?
predadores famintos, o nosso ninho é infinito!

superorganismo autodefensivo, a isto chamamos vivo
o exposto é apenas o rabo de um carneiro já morto
o engodo de um caminho que não vai dar ao submundo!

sanguessugas domésticas, sanguinários amestrados
encarneirados sem sistema, nós estamos organizadas
a formiga, formiguinha, não se perde não sozinha!